DOCUMENTO DE APARECIDA
V CONFERÊNCIA GERAL DO
EPISCOPADO LATINO AMERICANO E DO CARIBE
APARECIDA, 13-31 DE MAIO DE 2007
DOCUMENTO FINAL
INTRODUÇÃO
1. Com a luz do Senhor
ressuscitado e com a força do Espírito Santo, nós os bispos da América nos
reunimos em Aparecida, Brasil, para celebrar a V Conferência Geral do
Episcopado Latino Americano e do Caribe. Fizemos isso como pastores que querem
seguir estimulando a ação evangelizadora da Igreja, chamada a fazer de todos os
seus membros discípulos e missionários de Cristo, Caminho, Verdade e Vida para
que nossos povos tenham vida n’Ele. Fazemos isso em comunhão com todas as
Igrejas locais presentes na América. Maria, Mãe de Jesus Cristo e de seus
discípulos, tem estado muito perto de nós, tem-nos acolhido, tem cuidado de nós
e de nossos trabalhos, amparando-nos, como a João Diego e a nossos povos, na
dobra de seu manto, sob sua maternal proteção. Temos pedido a ela, como mãe,
perfeita discípula e pedagoga da evangelização, que nos ensine a ser filhos em seu Filho e a fazer o
que Ele nos disser (cf. Jo 2,5).
2. Com alegria estivemos
reunidos com o Sucessor de Pedro, Cabeça do Colégio Episcopal. Sua Santidade
Bento XVI confirmou-nos no primado da fé em Deus, de sua verdade e amor, para o
bem das pessoas e dos povos. Agradecemos a todos os seus ensinamentos, que
foram iluminação e guia seguro para nossos trabalhos, especialmente, seu
Discurso inaugural. A lembrança agradecida dos últimos Papas, e em especial por
seu rico Magistério que têm estado também presente em nossos trabalhos, merece
especial memória e gratidão.
3. Sentimo-nos
acompanhados pela oração de nosso povo católico, representado visivelmente pela
companhia do Pastor e dos fiéis da Igreja de Deus em Aparecida e pela multidão
de peregrinos de todo Brasil e de outros países da América ao Santuário, que
nos edificaram e evangelizaram. Na comunhão dos santos, tivemos presente todos
aqueles que nos antecederam como discípulos e missionários na vinha do Senhor e
especialmente a nossos santos latino-americanos, entre eles Santo Toríbio de
Mogrovejo, patrono do Episcopado latino-americano.
4. O Evangelho chegou a
nossas terras em meio a um dramático e desigual encontro de povos e culturas.
As “sementes do Verbo”1 presentes nas culturas autóctones, facilitaram a nossos
irmãos indígenas encontrarem no Evangelho respostas vitais às suas aspirações
mais profundas: “Cristo era o Salvador que esperavam silenciosamente”2. A visitação de Nossa
Senhora de Guadalupe foi acontecimento decisivo para o anúncio e reconhecimento
de seu Filho, pedagogia e sinal de inculturação da fé, manifestação e renovado
ímpeto missionário de propagação do Evangelho3.
5. Desde a primeira
evangelização até os tempos recentes a Igreja tem experimentado luzes e
sombras4. Ela escreveu páginas de nossa história com grande sabedoria e
santidade. Sofreu também tempos difíceis, tanto por perseguições como pelas
debilidades, compromissos mundanos e incoerências, em outras palavras, pelo
pecado de seus filhos, que confundiram a novidade do Evangelho, a luminosidade
da verdade e a prática da justiça e da caridade. No entanto, o mais decisivo na
Igreja é sempre a ação santa de seu Senhor.
6. Por isso, diante de
tudo damos graças a Deus e o louvamos por tudo o que nos tem sido dado.
Acolhemos a toda a realidade do Continente como um dom: a beleza e fecundidade
de suas terras, a riqueza de humanidade que se expressa nas pessoas, famílias,
povos e culturas do Continente. Sobretudo, nos tem sido dado Jesus Cristo, a
plenitude da revelação de Deus, um tesouro incalculável, a “pérola preciosa”
(cf. Mt 13,45-46). Verbo de Deus feito carne, Caminho, Verdade e Vida dos
homens e das mulheres aos quais abre um destino de plena justiça e felicidade.
Ele é o único Libertador e Salvador que, com sua morte e ressurreição, rompeu
as cadeias opressivas do pecado e da morte, revelando o amor misericordioso do
Pai e a vocação, dignidade e destino da pessoa humana.
7. As maiores riquezas
de nossos povos são a fé no Deus de amor e a tradição católica na vida e na
cultura. Manifesta-se na fé madura de muitos batizados e na piedade popular que
expressa “o amor a Cristo sofredor, o Deus da compaixão, do perdão e da
reconciliação (...), o amor ao Senhor presente na Eucaristia (...), - o Deus
próximo dos pobres e dos que sofrem, - a profunda devoção à Santíssima Virgem
de Guadalupe, de Aparecida ou dos diversos nomes nacionais e locais”5.
Expressa-se também na caridade que em todas as partes anima gestos, obras e
caminhos de solidariedade para com os mais necessitados e desamparados. Está presente
também na consciência da dignidade da pessoa, na sabedoria diante da vida, na
paixão pela justiça, na esperança contra toda esperança e na alegria de viver
que move o coração de nosso povo, ainda que em condições muito difíceis. As
raízes católicas permanecem na arte, linguagem, tradições e estilo de vida do
povo, ao mesmo tempo dramático e festivo e no enfrentamento da realidade. Por
isso, o Santo padre nos responsabilizou ainda mais, como Igreja, da “grande
tarefa de proteger e alimentar a fé do povo de Deus”6.
8. O dom da tradição
católica é um cimento fundamental de identidade, originalidade e unidade da
América latina e do caribe: uma realidade histórico-cultural, marcada pelo
Evangelho de Cristo, realidade na qual abunda o pecado – abandono de Deus,
comportamentos viciosos, de opressão, violência, ingratidões e misérias –
porém, onde superabunda a graça da vitória pascal. Nossa Igreja goza, não
obstante as debilidades e misérias humanas, de um alto índice de confiança e de
credibilidade por parte do povo. A Igreja é morada de povos irmãos e casa dos
pobres.
10. Esta V Conferência
se propõe “à grande tarefa de conservar e alimentar a fé do povo de Deus e
recordar também aos fiéis deste continente que, em virtude de seu batismo, são
chamados a serem discípulos e missionários de Jesus Cristo”7. Com desafios e
exigências, abre-se passagem para um novo período da história, caracterizado
pela desordem generalizada que se propaga por novas turbulências sociais e
políticas, pela difusão de uma cultura distante e hostil à tradição cristã e
pela emergência de variadas ofertas religiosas que tratam de responder, a sua
maneira, à sede de Deus que nossos povos manifestam.
12. Uma fé católica
reduzida a conhecimento, a um elenco de algumas normas e de proibições, a
práticas de devoção fragmentadas, a adesões seletivas e parciais das verdades
da fé, a uma participação ocasional em alguns sacramentos, à repetição de
princípios doutrinais, a moralismos brandos ou crispados que não convertem a
vida dos batizados, não resistiria aos embates do tempo. Nossa maior ameaça “é
o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja na qual, aparentemente, tudo
procede com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando
em mesquinhez”8. A
todos nos toca “recomeçar a partir de Cristo”9, reconhecendo que “não se começa
a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com
um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso,
uma orientação decisiva”10.
13. Na América Latina e
no Caribe, quando muitos de nossos povos se preparam para celebrar o
bi-centenário de sua independência, encontramo-nos diante do desafio de
revitalizar nosso modo de ser católico e nossas opções pessoais pelo Senhor,
para que a fé cristã se estabeleça mais profundamente no coração das pessoas e
dos povos latino-americanos como acontecimento fundante e encontro vivificante
com Cristo, manifestado como novidade de vida e de missão de todas as dimensões
da existência pessoal e social. Isto requer, a partir de nossa identidade
católica, uma evangelização muito mais missionária, em diálogo com todos os
cristãos e a serviço de todos os homens. Do contrário, “o rico tesouro do
Continente Americano... seu patrimônio mais valioso: a fé no Deus de amor...”11
corre os risco de seguir desgastando-se e diluindo-se de maneira crescente em
diversos setores da população. Hoje se considera escolher entre caminhos que
conduzem à vida ou caminhos que conduzem à morte (cf. Dt 30.15). Caminhos de
morte são os que levam a dilapidar os bens que recebemos de Deus através
daqueles que nos precederam na fé. São caminhos que traçam uma cultura sem Deus
e sem seus mandamentos ou inclusive contra Deus, animada pelos ídolos do poder,
da riqueza e do prazer efêmero, a qual termina sendo uma cultura contra o ser
humano e contra o bem dos povos latino-americanos. Os caminhos de vida
verdadeira e plena para todos, caminhos de vida eterna, são aqueles abertos
pela fé que conduzem à “plenitude de vida que Cristo nos trouxe: com esta vida
divina, também se desenvolve em plenitude a existência humana, em sua dimensão
pessoal, familiar, social e cultural”12. Essa é a vida que Deus nos participa
por seu amor gratuito, porque “é o amor que dá a vida”13. Estes caminhos
frutificam nos dons de verdade e de amor que nos foram dados em Cristo, na
comunhão dos discípulos e missionários do Senhor, para que América Latina e
Caribe sejam efetivamente um continente no qual a fé, a esperança e o amor
renovem a vida das pessoas e transformem as culturas dos povos.
14. O Senhor nos disse:
“não tenham medo” (Mt 28,5). Como às mulheres na manhã da Ressurreição nos é
repetido: “Por que buscam entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5). Os
sinais da vitória de Cristo ressuscitado nos estimulam enquanto suplicamos a
graça da conversão e mantemos viva a esperança que não defrauda. O que nos define
não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os desafios da sociedade ou
as tarefas que devemos empreender, mas todo o amor recebido do Pai, graças a
Jesus Cristo pela unção do Espírito Santo. Esta prioridade fundamental é a que
tem presidido todos os nossos trabalhos que oferecemos a Deus, à nossa Igreja,
a nosso povo, a cada um dos latino-americanos, enquanto elevamos ao Espírito
Santo nossa súplica para que redescubramos a beleza e a alegria de ser
cristãos. Aqui está o desafio fundamental que contrapomos: mostrar a capacidade
da Igreja de promover e formar discípulos que respondam à vocação recebida e
comuniquem em todas as partes, transbordando de gratidão e alegria, o dom do
encontro com Jesus Cristo. Não temos outro tesouro a não ser este. Não temos
outra felicidade nem outra prioridade que não seja sermos instrumentos do
Espírito de Deus na Igreja, para que Jesus Cristo seja encontrado, seguido,
amado, adorado, anunciado e comunicado a todos, não obstante todas as
dificuldades e resistências. Este é o melhor serviço – seu serviço! – que a
Igreja tem que oferecer às pessoas e nações14.
15. Nesta hora em que
renovamos a esperança, queremos fazer nossas as palavras de SS. Bento XVI no
início de seu Pontificado, fazendo eco a seu predecessor, o Servo de Deus, João
Paulo II, e proclamá-las para toda a América Latina: Não temam! Abram,
abram de par em par as portas a Cristo!... quem deixa Cristo entrar a não perde
nada, nada – absolutamente nada – do que faz a vida livre, bela e grande. Não! Só
com esta amizade abrem-se as portas da vida. Só com esta amizade abrem-se
realmente as grandes potencialidades da condição humana. Só com esta amizade
experimentamos o que é belo e o que nos liberta... Não tenham medo de Cristo!
Ele não tira nada e nos dá tudo. Quem se dá a Ele, recebe cem por um. Sim,
abram, abram de par em par as portas a Cristo e encontrarão a verdadeira
vida15.
16. “Esta V Conferência
Geral celebra-se em continuidade com as outras quatro que a precederam no Rio
de Janeiro, Medellín, Puebla e Santo Domingo. Com o mesmo espírito que as
animou, os pastores querem dar agora um novo impulso à evangelização, a fim de
que estes povos sigam crescendo e amadurecendo em sua fé, para serem luz do
mundo e testemunhas de Jesus Cristo com sua própria vida”16. Como pastores da
Igreja estamos conscientes de que “depois da IV Conferência Geral, em Santo Domingo ,
muitas coisas mudaram na sociedade. A Igreja, que participa dos gozos e
esperanças, das tristezas e alegrias de seus filhos, quer caminhar ao seu lado
neste período de tantos desafios, para infundir-lhes sempre esperança e
consolo”17.
17. Nossa alegria,
portanto, baseia-se no amor do Pai, na participação no mistério pascal de Jesus
cristo que, pelo Espírito Santo, faz-nos passar da morte para a vida, da
tristeza para a alegria, do absurdo para o sentido profundo da existência, do
desalento para a esperança que não engana. Esta alegria não é um sentimento
artificialmente provocado nem um estado de ânimo passageiro. O amor do Pai nos
foi revelado em Cristo que nos convida a entrar em seu reino. Ele nos ensinou a
orar dizendo “Abba, Pai” (Rm 8,15;
cf. Mt 6,9).
18. Conhecer a Jesus
Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça, e transmitir este tesouro
aos demais é uma tarefa que o Senhor, ao nos chamar e nos eleger, nos confiou.
Com os olhos iluminados pela luz de Jesus Cristo ressuscitado podemos e
queremos contemplar o mundo, a história, os nossos povos da América Latina e do
Caribe e cada um de seus habitantes.
PRIMEIRA PARTE
A VIDA DE NOSSOS POVOS
HOJE
19. Em continuidade com
as Conferências Gerais anteriores do Episcopado Latino-americano, este
documento faz uso do método “ver, julgar e agir”. Este método implica em
contemplar a Deus com os olhos da fé através de sua Palavra revelada e o
contato vivificador dos Sacramentos, a fim de que, na vida cotidiana, vejamos a
realidade que nos circunda à luz de sua providência e a julguemos segundo Jesus
Cristo, Caminho, Verdade e Vida, e atuemos a partir da Igreja, Corpo
Místico de Cristo e Sacramento universal de salvação, na propagação do Reino de
Deus, que se semeia nesta terra e que frutifica plenamente no Céu. Muitas
vozes, vindas de todo o Continente ofereceram contribuições e sugestões nesse
sentido, afirmando que este método tem colaborado para que vivamos mais
intensamente nossa vocação e missão na Igreja: tem enriquecido nosso trabalho
teológico e pastoral e, em geral, tem-nos motivado a assumir nossas
responsabilidades diante das situações concretas de nosso continente. Este
método nos permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver
a realidade; a assunção de critérios que provêm da fé e da razão para seu
discernimento e valorização, com sentido crítico; e, em conseqüência, a
projeção do agir como discípulos missionários de Jesus Cristo. A adesão crente,
alegre e confiada no Deus Pai, Filho e Espírito Santo e a inserção eclesial,
são pressupostos indispensáveis que garantem a eficácia deste método18.
CAPÍTULO 1
OS DISCÍPULOS
MISSIONÁRIOS
20. Nossa reflexão a
respeito do caminho das Igrejas da América Latina e do Caribe tem lugar em meio
à luzes e sombras de nosso tempo. Afligem-nos, mas não nos confundem, as
grandes mudanças que experimentamos. Temos recebido dons incalculáveis, que nos
ajudam a olhar a realidade como discípulos missionários de Jesus Cristo.
22. Assim também nos
ocorre olhar a realidade de nossos povos e de nossa Igreja, com seus valores,
suas limitações, suas angústias e esperanças. Enquanto sofremos e nos
alegramos, permanecemos no amor de Cristo, vendo nosso mundo e procurando
discernir seus caminhos com a alegre esperança e a indizível gratidão de crer em Jesus Cristo. Ele
é o Filho de Deus verdadeiro, o único Salvador da humanidade. A importância
única e insubstituível de Cristo para nós, para a humanidade, consiste em que Cristo é o caminho,
a Verdade e a Vida. “Se não conhecemos a Deus em Cristo e com Cristo, toda a
realidade se torna um enigma indecifrável; não há caminho e, ao não haver
caminho, não há vida nem verdade”19. No clima cultural relativista que nos
circunda, onde é aceita só uma religião natural, faz-se sempre mais importante
e urgente estabelecer e fazer amadurecer em todo o corpo eclesial a certeza de
que Cristo, o Deus de rosto humano, é nosso verdadeiro e único salvador.
23. Neste encontro,
queremos expressar a alegria de sermos discípulos do Senhor e de termos sido
enviados com o tesouro do Evangelho. Ser cristão não é uma carga, mas um dom:
Deus Pai nos abençoou em
Jesus Cristo seu Filho, Salvador do mundo.
1.1. Ação de graças
a Deus
24. Bendito seja Deus,
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda sorte de bênçãos na
pessoa de Cristo (cf. Ef 1,3). O Deus da Aliança, rico em misericórdia, nos
amou primeiro; imerecidamente amou a cada um de nós; por isso o bendizemos,
animados pelo Espírito Santo, Espírito vivificador, alma e vida da Igreja. Ele,
que foi derramado em nossos corações, geme e intercede por nós e, com seus dons
nos fortalece em nosso caminho de discípulos e missionários.
25. Bendizemos a Deus
com ânimo agradecido, porque nos chamou para sermos instrumentos de seu reino
de amor e de vida, de justiça e de paz, pelo qual tantos se sacrificaram. Ele
mesmo nos encomendou a obra de suas mãos para que cuidemos dela e a coloquemos
a serviço de todos. Agradecemos a Deus por nos fazer seus colaboradores para
que sejamos solidários com sua criação pela qual somos responsáveis. Bendizemos
a Deus que nos deu a natureza criada que é seu primeiro livro para possamos
conhecer a Ele e viver nela como em nossa casa.
26. Damos graças a Deus
que nos deu o dom da palavra, com a qual podemos nos comunicar entre nós e com
Ele por meio de seu Filho, que é sua Palavra (cf. Jo 1,1). Damos graças a Ele
que, por seu grande amor fala a nós como a amigos (cf. Jo 15,14-15). Bendizemos
a Deus que se nos dá na celebração da fé, especialmente na Eucaristia, pão de
vida eterna. A ação de graças a Deus pelos numerosos e admiráveis dons que nos
outorgou culmina na celebração central da Igreja, que é a Eucaristia, alimento
substancial dos discípulos e missionários. Também pelo Sacramento do Perdão de
Cristo que nos alcançou na cruz. Louvamos ao Senhor Jesus pelo presente de sua
Mãe Santíssima, Mãe de Deus e Mãe da Igreja na América Latina e do Caribe,
estrela da evangelização renovada, primeira discípula e grande missionária de
nossos povos.
1.2. A alegria de
ser discípulos e missionários de Jesus Cristo
27. Iluminados pelo
Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja
samaritana (cf. Lc 10,25-37), recordando que “a evangelização vai unida sempre
à promoção humana e à autêntica libertação cristã”20. Damos graças a Deus e nos
alegramos pela fé, solidariedade e alegria características de nossos povos,
transmitidas ao longo do tempo pelas avós e avôs, as mães e pais, os
catequistas, os rezadores e tantas pessoas anônimas, cuja caridade mantém viva
a esperança em meio às injustiças e adversidades.
1.3. A missão da
Igreja é evangelizar
31. No rosto de Jesus
Cristo, morto e ressuscitado, maltratado por nossos pecados e glorificado pelo
Pai, nesse rosto doente e glorioso21, com o olhar da fé podemos ver o rosto
humilhado de tantos homens e mulheres de nossos povos e, ao mesmo tempo, sua
vocação à liberdade dos filhos de Deus, à plena realização de sua dignidade
pessoal e à fraternidade entre todos. A Igreja está a serviço de todos os seres
humanos, filhos e filhas de Deus.
32. Desejamos que a
alegria que recebemos no encontro com Jesus Cristo, a quem reconhecemos como o
Filho de Deus encarnado e redentor, chegue a todos os homens e mulheres feridos
pelas adversidades; desejamos que a alegria da boa nova do Reino de Deus, de
Jesus Cristo vencedor do pecado e da morte, chegue a todos quantos jazem à
beira do caminho, pedindo esmola e compaixão (cf. Lc 10,29-37; 18,25-43).
A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e
agoniado pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento
de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e
capacita para anunciar a boa nova do amor de Deus. Conhecer a Jesus é o melhor
presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor
que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é
nossa alegria.
CAPÍTULO 2
OLHAR DOS DISCÍPULOS
MISSIONÁRIOS SOBRE A REALIDADE
33. Os povos da América
Latina e do Caribe vivem hoje uma realidade marcada por grandes mudanças
que afetam profundamente suas vidas. Como discípulos de Jesus Cristo, sentimo-nos
desafiados a discernir os “sinais dos tempos”, à luz do Espírito Santo, para
nos colocar a serviço do Reino, anunciado por Jesus, que veio para que todos
tenham vida e “para que a tenham em abundância” (Jo 10,10).
35. Esta nova escala
mundial do fenômeno humano traz conseqüências em todos os campos de atividade
da vida social, impactando a cultura, a economia, a política, as ciências, a
educação, o esporte, as artes e também, naturalmente, a religião.
Interessa-nos, como pastores da Igreja, saber como este fenômeno afeta a vida
de nossos povos e o sentido religioso e ético de nossos irmãos que buscam
infatigavelmente o rosto de Deus, e que, no entanto, devem fazê-lo, agora
desafiados por novas linguagens do domínio técnico, que nem sempre revelam, mas
que também ocultam o sentido divino da vida humana redimida em Cristo. Sem uma clara
percepção do mistério do Deus, o desígnio amoroso e paternal de uma vida digna
para todos os seres humanos torna-se opaco também.
36. Neste novo contexto
social, a realidade para o ser humano se tornou cada vez mais sem brilho e
complexa. Isto quer dizer que qualquer pessoa individual necessita sempre mais
informação se deseja exercer sobre a realidade o senhorio a que, por vocação,
está chamada. Isto tem nos ensinado a olhar a realidade com mais humildade,
sabendo que ela é maior e mais complexa que as simplificações com que
costumávamos vê-la em um passado ainda não muito distante e que, em muitos
casos, introduziram conflitos na sociedade, deixando muitas feridas que ainda
não conseguiram cicatrizar. Também se tornou difícil perceber a unidade de
todos os fragmentos dispersos que resultam da informação que reunimos. É
freqüente que alguns queiram olhar a realidade unilateralmente a partir da
informação econômica, outros a partir da informação política ou científica,
outros a partir do entretenimento ou do espetáculo. No entanto, nenhum destes
critérios parciais consegue nos propor um significado coerente para tudo o que
existe. Quando as pessoas percebem esta fragmentação e limitação, costumam se
sentir frustradas, ansiosas, angustiadas. A realidade social parece muito
grande para uma consciência que, levando em consideração sua falta de saber e
de informação, facilmente se crê insignificante, sem ingerência alguma nos
acontecimentos, mesmo quando soma sua voz a outras vozes que procuram se ajudar
reciprocamente.
37. Esta é a razão pela
qual muitos estudiosos de nossa época sustentam que a realidade traz
inseparavelmente uma crise do sentido. Eles não se referem aos múltiplos
sentidos parciais que cada um pode encontrar nas ações cotidianas que realiza,
mas ao sentido que dá unidade a tudo o que existe e nos sucede na experiência,
e que os cristãos chamam de sentido religioso. Habitualmente, este sentido se
coloca a nossa disposição através de nossas tradições culturais que representam
a hipótese de realidade com que cada ser humano pode olhar o mundo em que vive.
Em nossa cultura latino-americana e caribenha conhecemos o papel tão
nobre e orientador que a religiosidade popular desempenha, especialmente a
devoção mariana, que contribuiu para nos tornar mais conscientes de nossa comum
condição de filhos de Deus e de nossa comum dignidade perante seus olhos, não
obstante as diferenças sociais, étnicas ou de qualquer outro tipo.
38. No entanto, devemos
admitir que esta preciosa tradição começa a se diluir. A maioria dos meios de
comunicação de massa nos apresentam agora novas imagens, atrativas e cheias de
fantasia. Ainda que todos saibam que elas não podem mostrar o sentido unitário
de todos os fatores da realidade, oferecem ao menos o consolo de ser
transmitidas em tempo real, ao vivo e direto, com atualidade. Longe de
preencher o vazio produzido em nossa consciência pela falta de um sentido
unitário da vida, em muitas ocasiões a informação transmitida pelos meios só
nos distrai. A falta de informação só se resolve com mais informação,
retro-alimentando a ansiedade de quem percebe que está em um mundo opaco o qual
não compreende.
39. Este fenômeno talvez
explique um dos fatos mais desconcertantes e originais que vivemos no presente.
Nossas tradições culturais já não se transmitem de uma geração à outra com a
mesma fluidez que no passado. Isso afeta, inclusive, esse núcleo mais profundo
de cada cultura, constituído pela experiência religiosa, que parece agora
igualmente difícil de ser transmitido através da educação e da beleza das
expressões culturais, alcançando inclusive a própria família que, como lugar do
diálogo e da solidariedade inter-geracional, havia sido um dos veículos mais
importantes da transmissão da fé. Os meios de comunicação invadiram todos os
espaços e todas as conversas, introduzindo-se também na intimidade do lar. Ao
lado da sabedoria das tradições, em competição, localizam-se agora a informação
de último minuto, a distração, o entretenimento, as imagens dos vencedores que
souberam usar a seu favor as ferramentas tecnológicas e as expectativas de
prestígio e estima social. Isso faz com que as pessoas busquem denodadamente
uma experiência de sentido que preencha as exigências de sua vocação, ali onde
nunca poderão encontrá-la.
40. Entre os
pressupostos que enfraquecem e menosprezam a vida familiar encontramos a
ideologia de gênero, segundo a qual cada um pode escolher sua orientação
sexual, sem levar em consideração as diferenças dadas pela natureza humana.
Isto tem provocado modificações legais que ferem gravemente a dignidade do
matrimônio, o respeito ao direito à vida e a identidade da família22.
41. Por esta razão, os
cristãos precisam recomeçar a partir de Cristo, a partir da contemplação de
quem nos revelou em seu mistério a plenitude do cumprimento da vocação humana e
de seu sentido. Necessitamos nos fazer discípulos dóceis, para aprende d’Ele,
em seu seguimento, a dignidade e a plenitude de vida. E necessitamos, ao mesmo
tempo, que o zelo missionário nos consuma para levar ao coração da cultura de
nosso tempo aquele sentido unitário e completo da vida humana que nem a
ciência, nem a política, nem a economia nem os meios de comunicação poderão
proporcionar. Em Cristo
Palavra , Sabedoria de Deus (cf. 1 Cor 1,30), a cultura pode
voltar a encontrar seu centro e sua profundidade, a partir de onde é possível
olhar a realidade no conjunto de todos seus fatores, discernindo-os à luz do
Evangelho e dando a cada um seu lugar e sua dimensão adequada.
42. Como nos disse o
Papa em seu discurso inaugural: “só quem reconhece a Deus, conhece a realidade
e pode responder a ela de modo adequado e realmente humano”23. A sociedade que coordena
suas atividades só mediante múltiplas informações, acredita que pode operar de
fato como se Deus não existisse. Mas a eficácia dos procedimentos conseguida
mediante a informação, ainda que com as tecnologias mais desenvolvidas, não
consegue satisfazer o desejo de dignidade inscrito no mais profundo da vocação
humana. Por isso, não basta supor que a mera diversidade de pontos de vista, de
opções e, finalmente, de informações, que costuma receber o nome de pluri ou
multiculturalidade, resolverá a ausência de um significado unitário para tudo o
que existe. A pessoa humana é, em sua própria essência, aquele lugar da
natureza para onde converge a variedade dos significados em uma única vocação
de sentido. As pessoas não se assustam com a diversidade. O que de fato as
assusta é não conseguir reunir o conjunto de todos estes significados da
realidade em uma compreensão unitária que lhes permita exercer sua liberdade
com discernimento e responsabilidade. A pessoa sempre procura a verdade de seu
ser, visto que é esta verdade que ilumina a realidade de tal modo que possa se desenvolver
nela com liberdade e alegria, com gozo e esperança.
2.1.1 Situação
Sócio-cultural
43. Portanto, a
realidade social que em sua dinâmica atual descrevemos com a palavra
globalização, antes que qualquer outra dimensão, impacta a nossa cultura e o modo
como nos inserimos e nos apropriamos dela. A variedade e a riqueza das culturas
latino-americanas, desde aquelas mais originárias até aquelas que com a
passagem da história e a mestiçagem de seus povos foram se sedimentando nas
nações, nas famílias, nos grupos sociais, nas instituições educativas e na
convivência cívica, constitui um dado bastante evidente para nós o qual
valorizamos como uma singular riqueza. O que hoje em dia está em jogo não é a
diversidade que os meios de comunicação são capazes de individualizar e
registrar. O que ninguém esquece é, pelo contrário, a possibilidade de
que esta diversidade possa convergir em uma síntese que, envolvendo a variedade
de sentidos, seja capaz de projetá-la em um destino histórico comum. Nisto
reside o valor incomparável do ânimo mariano de nossa religiosidade popular
que, sob distintos nomes, tem sido capaz de fundir as histórias
latino-americanas diversas em uma história compartilhada: aquela que conduz a
Cristo, Senhor da vida, em quem se realiza a mais alta dignidade de nossa
vocação humana.
44. Vivemos uma mudança
de época cujo nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se a concepção
integral do ser humano, sua relação com o mundo e com Deus; “aqui está
precisamente o grande erro das tendências dominantes do último século... Que
excluem Deus de seu horizonte, falsificam o conceito da realidade e só podem
terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas24. Surge hoje, com
grande força, uma sobrevalorização da subjetividade individual. Independentemente
de sua forma, a liberdade e a dignidade da pessoa são reconhecidas. O
individualismo enfraquece os vínculos comunitários e propõe uma radical
transformação do tempo e do espaço, dando um papel primordial à imaginação. Os
fenômenos sociais, econômicos e tecnológicos estão na base da profunda vivência
do tempo, ao que se concebe fixado no próprio presente, trazendo
concepções de inconsistência e instabilidade. Deixa-se de lado a preocupação
pelo bem comum para dar lugar à realização imediata dos desejos dos indivíduos,
à criação de novos e, muitas vezes, arbitrários direitos individuais, aos
problemas da sexualidade, da família, das enfermidades e da morte.
46. Verifica-se, em
nível intenso, uma espécie de nova colonização cultural pela imposição de
culturas artificiais, desprezando as culturas locais e com tendência a impor
uma cultura homogeneizada em todos os setores. Esta cultura se caracteriza pela
auto-referência do indivíduo, que conduz à indiferença pelo outro, de quem não
necessita e por quem não se sente responsável. Prefere-se viver o dia a dia,
sem programas a longo prazo nem apegos pessoais, familiares e comunitários. As
relações humanas estão sendo consideradas objetos de consumo, conduzindo a
relações afetivas sem compromisso responsável e definitivo.
47. Também se verifica
uma tendência para a afirmação exasperada de direitos individuais e subjetivos.
Esta busca é pragmática e imediatista, sem preocupação com critérios éticos. A
afirmação dos direitos individuais e subjetivos, sem um esforço semelhante para
garantir os direitos sociais culturais e solidários, resulta em prejuízo da
dignidade de todos, especialmente daqueles que são mais pobres e vulneráveis.
48. Nesta hora da
América Latina e do Caribe, é imperativo tomar consciência da situação precária
que afeta a dignidade de muitas mulheres. Algumas desde crianças e
adolescentes, são submetidas a múltiplas formas de violência dentro e fora de
casa: tráfico, violação, escravização e assédio sexual; desigualdades na esfera
do trabalho, da política e da economia; exploração publicitária por parte de
muitos meios de comunicação social que as tratam como objeto de lucro.
49. As mudanças
culturais modificaram os papéis tradicionais de homens e mulheres, que procuram
desenvolver novas atitudes e estilos de suas respectivas identidades,
potencializando todas suas dimensões humanas na convivência cotidiana, na
família e na sociedade, às vezes por vias equivocadas.
51. As novas gerações
são as mais afetadas por esta cultura do consumo em suas aspirações pessoais
profundas. Crescem na lógica do individualismo pragmático e narcisista, que
desperta nelas mundos imaginários especiais de liberdade e igualdade. Afirmam o
presente porque o passado perdeu relevância diante de tantas exclusões sociais,
políticas e econômicas. Para eles o futuro é incerto. Assim mesmo,
participam da lógica da vida como espetáculo, considerando o corpo como ponto
de referência de sua realidade presente. Têm um novo vício pelas sensações e
crescem em uma grande maioria sem referência aos valores e instâncias
religiosas. Em meio à realidade de mudança cultural emergem novos
sujeitos, com novos estilos de vida, maneiras de pensar, de sentir, de perceber
e com novas formas de se relacionar. São produtores e atores da nova cultura.
52. Entre os aspectos
positivos desta mudança cultural aparece o valor fundamental da pessoa, de sua
consciência e experiência, a busca do sentido da vida e da transcendência. Para
dar respostas à busca mais profunda do significado da vida, o fracasso das
ideologias dominantes, permitiu que a simplicidade e o reconhecimento do fraco
e do pequeno na existência surgissem como valor, com uma grande capacidade e
potencial que não podem ser desvalorizados. Esta ênfase na apreciação da pessoa
abre novos horizontes, onde a tradição cristã adquire um renovado valor,
sobretudo quando a pessoa se reconhece no Verbo encarnado que nasce em um
estábulo e assume uma condição humilde, de pobre.
54. Porém, junto com a
ênfase na responsabilidade individual em meio a sociedades que promovem o
acesso aos bens através dos meios. Paradoxalmente, nega-se às grandes maiorias
o acesso aos mesmos bens, que constituem elementos básicos e essenciais para
viverem como pessoas.
56. Por outro lado, a
riqueza e a diversidade cultural dos povos da América Latina e do Caribe
parecem evidentes. Existem em nossa região diversas culturas indígenas, afro
americanas, mestiças, camponesas, urbanas e suburbanas. As culturas indígenas
se caracterizam sobretudo por seu apego profundo à terra, pela vida comunitária
e por uma certa procura de Deus Os afro-americanos se caracterizam, entre
outros elementos, pela expressividade corporal, o enraizamento familiar e o
sentido de Deus. A cultura camponesa está referida ao ciclo agrário. A cultura
mestiça, que é a mais extensa entre muitos povos da região, tem buscado em
meios às contradições sintetizar ao longo da história estas múltiplas fontes
culturais originárias, facilitando o diálogo das respectivas cosmovisões e
permitindo sua convergência em uma história compartilhada. A esta complexidade
cultural haveria que se acrescentar também a de tantos imigrantes europeus que
se estabeleceram nos países de nossa região.
57. Estas culturas
coexistem em condições desiguais com a chamada cultura globalizada. Elas exigem
reconhecimento e oferecem valores que constituem uma resposta aos anti-valores
da cultura e que se impõem através dos meios de comunicação de massas:
comunitarismo, valorização da família, abertura à transcendência e
solidariedade. Estas culturas são dinâmicas e estão em interação permanente
entre si e com as diferentes propostas culturais.
59. Existem também
comunidades de migrantes que deixaram as culturas e tradições trazidas de suas
terras de origem, sejam cristãs ou de outras religiões. Por sua vez, esta
diversidade inclui comunidades que foram se formando com a chegada de
diferentes denominações cristãs e outros grupos religiosos. Assim, assumir a
diversidade cultural, que é um imperativo do momento, envolve superar os
discursos que pretendem uniformizar a cultura, com enfoques baseados em modelos
únicos.
2.1.2 Situação econômica
60. O Papa , em seu Discurso Inaugural ,
vê a globalização como um fenômeno “de relações de nível planetário”,
considerando-o “uma conquista da família humana”, porque favorece o acesso a
novas tecnologias, mercados e finanças. As altas taxas de crescimento de nossa
economia regional e, particularmente, seu desenvolvimento urbano, não seriam
possíveis sem a abertura ao comércio internacional, sem acesso às tecnologias
de última geração, sem a participação de nossos cientistas e técnicos no
desenvolvimento internacional do conhecimento e sem o alto investimento
registrado nos meio eletrônicos de comunicação. Tudo isso leva também consigo o
surgimento de uma classe média tecnologicamente letrada. Ao mesmo tempo a
globalização se manifesta como a profunda aspiração do gênero humano à unidade.
Não obstante estes avanços, o Papa também assinala que a globalização “comporta
o risco dos grandes monopólios e de converter o lucro em valor supremo”. Por
isso, Bento XVI enfatiza que “como em todos os campos da atividade humana, a
globalização deve se reger também pela ética, colocando tudo a serviço da
pessoa humana, criada a imagem e semelhança de Deus”25.
62. Conduzida por uma
tendência que privilegia o lucro e estimula a competitividade, a globalização
segue uma dinâmica de concentração de poder e de riqueza em mãos de poucos.
Concentração não só dos recursos físicos e monetários, mas sobretudo de
informação e dos recursos humanos, o que produz a exclusão de todos aqueles não
suficientemente capacitados e informados, aumentando as desigualdades que
marcam tristemente nosso continente e que mantêm na pobreza uma multidão de
pessoas. O que existe hoje é a pobreza de conhecimento e do uso e acesso a
novas tecnologias. Por isso é necessário que os empresários assumam sua
responsabilidade de criar mais fontes de trabalho e de investir na superação
desta nova pobreza.
63. Porém, está claro
que o predomínio desta tendência não têm eliminado a possibilidade de se formar
pequenas e médias empresas. Elas se associam ao dinamismo exportador da
economia, prestam-lhe serviços colaterais ou aproveitam nichos específicos do
mercado interno. No entanto, sua fragilidade econômica e financeira e a pequena
escala em que se desenvolvem, tornam-nas extremamente vulneráveis frente às
taxas de juros, ao risco do câmbio, aos custos previsionais e a variação nos
preços de seus insumos. A debilidade destas empresas se associa à precariedade
do emprego que estão em condições de oferecer. Sem uma política de proteção
específica dos estados a elas, corre-se o risco de que as economias dos grandes
consórcios termine por se impor como a única forma determinante do dinamismo
econômico.
64. Por isso, frente a
esta forma de globalização, sentimos um forte chamado para promover uma
globalização diferente, que esteja marcada pela solidariedade, pela justiça e
pelo respeito aos direitos humanos, fazendo da América Latina e do Caribe não
só o Continente da esperança, mas também o Continente do amor, como propôs SS.
Bento XVI no Discurso Inaugural desta Conferência.
65. Isto deveria nos
levar a contemplar os rostos daqueles que sofrem. Entre eles estão as
comunidades indígenas e afro-americanas que, em muitas ocasiões, não são
tratadas com dignidade e igualdade de condições; muitas mulheres são excluídas,
em razão de seu sexo, raça ou situação sócio-econômica; jovens que recebem uma
educação de baixa qualidade e não têm oportunidades de progredir em seus
estudos nem de entrar no mercado de trabalho para se desenvolver e constituir
uma família; muitos pobres, desempregados, migrantes, deslocados, agricultores
sem terra, aqueles que procuram sobreviver na economia informal; meninos e
meninas submetidos à prostituição infantil ligada muitas vezes ao turismo
sexual; também as crianças vítimas do aborto. Milhões de pessoas e famílias
vivem na miséria e inclusive passam fome. Preocupam-nos também os dependentes
das drogas, as pessoas com limitações físicas, os portadores e vítimas de
enfermidades graves como a malária, a tuberculose e HIV – AIDS, que sofrem a
solidão e se vêem excluídos da convivência familiar e social. Não nos
esqueçamos também dos seqüestrados e aqueles que são vítimas da violência, do
terrorismo, de conflitos armados e da insegurança na cidade. Também os anciãos
que, além de se sentirem excluídos do sistema produtivo, vêem-se muitas vezes
recusados por sua família como pessoas incômodas e inúteis. Sentimos as dores,
enfim, da situação desumana em que vive a grande maioria dos presos, que também
necessitam de nossa presença solidária e de nossa ajuda fraterna. Uma
globalização sem solidariedade afeta negativamente os setores mais pobres. Já
não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo
novo: da exclusão social. Com ela o pertencimento à sociedade na qual se vive
fica afetado, pois já não se está abaixo, na periferia ou sem poder, mas se
está de fora. Os excluídos não são somente “explorados”, mas “supérfluos” e
“descartáveis”.
66. As instituições
financeiras e as empresas transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar
as economias locais, sobretudo, debilitando os Estados, que aparecem cada vez
mais impotentes para levar adiante projetos de desenvolvimento a serviço de
suas populações, especialmente quando se trata de investimentos de longo prazo
e sem retorno imediato. As indústrias extrativistas internacionais e a
agroindústria, muitas vezes, não respeitam os direitos econômicos, sociais,
culturais e ambientais das populações locais e não assumem suas
responsabilidades. Com muita freqüência, se subordina a preservação da natureza
ao desenvolvimento econômico, com danos á biodiversidade, com o esgotamento das
reservas de água e de outros recursos naturais, com a contaminação do ar e a
mudança climática. As possibilidades e eventuais problemas da produção de
agrocombustíveis devem ser estudadas, de tal maneira que prevaleça o valor da
pessoa humana e de suas necessidades de sobrevivência. A América Latina possui
os aqüíferos mais abundantes do planeta, junto com grandes extensões de
território selvagem, que são pulmões da humanidade. Assim se dão gratuitamente
ao mundo serviços ambientais que não são reconhecidos economicamente. A região
se vê afetada pelo aquecimento da terra e a mudança climática provocada
principalmente pelo estilo de vida não sustentável dos países industrializados.
68. Ainda que se tenha
progredido muitíssimo no controle da inflação e na estabilidade macro-econômica
dos países da região, muitos governos se encontram severamente limitados para o
financiamento de seu orçamento público pelos elevados serviços da dívida
externa26 e interna e que, por outro lado, não contam com sistemas tributários
verdadeiramente eficientes, progressivos e eqüitativos.
70. É também alarmante o
nível de corrupção nas economias envolvendo tanto o setor público quanto o
setor privado, ao que se soma uma notável falta de transparência e prestação de
contas à cidadania. Em muitas ocasiões, a corrupção está vinculada ao flagelo
do narcotráfico ou do narconegócio ,e por outro lado, vem destruindo o tecido
social e econômico em regiões inteiras.
72. Os homens do campo,
em sua maioria, sofrem por causa da pobreza, agravada por não terem acesso à
terra própria. No entanto, existem grandes latifúndios em mãos de poucos. Em
alguns países, esta situação tem levado a população a exigir uma Reforma Agrária,
estando atentos aos males que podem lhes ocasionar os Tratados de Livre
Comércio, a manipulação de drogas e outros fatores.
73. Um dos fenômenos
mais importantes em nossos países é o processo de mobilidade humana, em sua
dupla expressão de migração e de itinerância em que milhões de pessoas migram
ou se vêem forçadas a migrar dentro e fora de seus respectivos países. As
causas são diversas e estão relacionadas com a situação econômica, a violência
em suas diversas formas, a pobreza que afeta as pessoas e a falta de
oportunidades para a pesquisa e o desenvolvimento profissional. Em muitos casos
as conseqüência são de enorme gravidade em nível pessoal, familiar e cultural.
A perda do capital humano de milhões de pessoas, de profissionais qualificados,
de pesquisadores e amplos setores d agricultura, vai nos empobrecendo cada vez
mais. A exploração do trabalho chega, em alguns casos, a gerar condições de
verdadeira escravidão. Acontece também um vergonhoso tráfico de pessoas, que
inclui a prostituição, inclusive de menores. Merece especial menção a situação
dos refugiados, que questiona a capacidade de acolhida da sociedade e das
igrejas. Por outro lado, no entanto, a remessa de divisas dos emigrados a seus
países de origem tem se tornado uma importante e, às vezes, insubstituível
fonte de recursos para diversos países da região, ajudando o bem-estar e à
mobilidade social ascendente daqueles que conseguem participar com êxito neste
processo.
2.1.3 Dimensão
sócio-política
74. Constatamos um certo
progresso democrático que se demonstra em diversos processos eleitorais. No
entanto, vemos com preocupação o acelerado avanço de diversas formas de
regressão autoritária por via democrática que, em certas ocasiões, resultam em
regimes de corte neo-populista. Isto indica que não basta uma democracia
puramente formal, fundada em procedimentos eleitorais honestos, mas que é
necessário uma democracia participativa e baseada na promoção e respeito dos
direitos humanos. Uma democracia sem valores como os mencionados torna-se facilmente
uma ditadura e termina traindo o próprio povo.
75. Com a presença da
Sociedade Civil assumindo uma atitude mais protagonista e a irrupção de novos
atores sociais como são os indígenas, os afro-americanos, as mulheres, os
profissionais, uma extensa classe média e os setores marginalizados
organizados, está se fortalecendo a democracia participativa e estão se criando
maiores espaços de participação política. Estes grupos estão tomando
consciência do poder que têm em suas mãos e da possibilidade de gerarem
mudanças importantes para a conquista de políticas públicas mais justas, que
revertam sua situação de exclusão. Neste plano, percebe-se também uma crescente
influência de organismos das nações unidas e de Organizações Não-Governamentais
de caráter internacional que nem sempre ajustam suas recomendações a critérios
éticos. Não faltam também atuações que radicalizam as posições, fomentam a
conflitividade e a polarização extremas e colocam esse potencial a serviço de
interesses alheios aos seus, o que, ao final, pode frustrar e reverter
negativamente suas esperanças.
76. Depois de uma época
de debilidade dos Estados devido a aplicação de ajustes estruturais na
economia, por recomendação de organismos financeiros internacionais, olha-se,
atualmente, com bons olhos um esforço por parte dos Estados em definir e
aplicar políticas públicas nos campos da saúde, educação, segurança alimentar,
previdência social, acesso à terra e à moradia, promoção eficaz da economia
para a criação de empregos e leis que favorecem as organizações
solidárias. Tudo isto mostra que não pode existir democracia verdadeira e
estável sem justiça social, sem divisão real de poderes e sem a vigência do
Estado de direito28.
77. Cabe assinalar como
um grande fator negativo, o recrudescimento da corrupção na sociedade e no
Estado em boa parte da região, envolvendo os poderes legislativos e executivo
em todos os seus níveis, alcançando também o sistema judicial que, muitas
vezes, inclina seu juízo a favor dos poderosos e gera impunidade, o que coloca
em sério risco a credibilidade das instituições públicas e aumenta a
desconfiança do povo, fenômeno que se une a um profundo desprezo pela
legalidade. Em amplos setores da população e especialmente entre os jovens
cresce o desencanto pela política e particularmente pela democracia, pois as
promessas de uma vida melhor e mais justa não se cumpriram ou se cumpriram só
pela metade. Neste sentido, esquece-se de que a democracia e a participação
política são fruto da formação que se faz realidade somente quando os cidadãos
são conscientes de seus direitos fundamentais e de seus deveres
correspondentes.
79. Alguns parlamentos
ou assembléias legislativas aprovam leis injustas contra os direitos humanos e
a vontade popular, precisamente por não estar perto de seus representados, nem
saber escutar e dialogar com os cidadãos, mas também por ignorância, por falta
de acompanhamento e porque muitos cidadãos abdicam de seu dever de participar
na vida pública.
80. Em alguns países tem
aumentado a repressão, a violência dos direitos humanos, inclusive o direito à
liberdade religiosa, a liberdade de expressão e a liberdade de ensino, assim
como o desprezo à objeção de consciência.
81. Ainda que alguns
países tenham conseguido acordos de paz superando dessa forma conflitos
antigos, em outros, continua a luta armada com todas as suas seqüelas (mortes
violentas, violações dos Direitos Humanos, ameaças, crianças na guerra,
seqüestros, etc.), sem que se possa observar soluções em curto prazo. A
influência do narco-negócio nestes grupos dificulta ainda mais as possíveis
soluções.
82. Na América Latina e
no Caribe vê-se com bons olhos uma crescente vontade de integração regional com
acordos multilaterais, envolvendo um número crescente de países que geram suas
próprias regras no campo do comércio, dos serviços e das patentes. À origem
comum unem-se a cultura, a língua e a religião que podem contribuir para que a integração
não seja só de mercados, mas de instituições civis e de pessoas. Também é
positiva a globalização da justiça, no campo dos direitos humanos e dos crimes
contra a humanidade que permitirá a todos viver progressivamente sob normas
iguais chamadas a proteger sua dignidade, sua integridade e sua vida.
2.1.4 Biodiversidade,
ecologia, Amazônia e Antártida
84. Nas decisões sobre
as riquezas da biodiversidade e da natureza as populações tradicionais têm sido
praticamente excluídas. A natureza foi e continua sendo agredida. A terra foi
depredada. As águas estão sendo tratadas como se fossem uma mercadoria
negociável pelas empresas, além de haver sido transformadas em um bem disputado
pelas grandes potências. Um exemplo muito importante nesta situação é a
Amazônia29.
85. Em seu discurso aos
jovens, no Estádio do Pacaembu, em
São Paulo , o Papa Bento XVI chamou a atenção sobre a
“devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de seus
povos”30 e pediu aos jovens “um maior compromisso nos mais diversos espaços de
ação31”.
87. Além disso,
constatamos o retrocesso das geleiras em todo o mundo: o degelo do Ártico cujo
impacto já está se vendo na flora e fauna desse ecossistema; também o aquecimento
global se faz sentir no estrondoso crepitar dos blocos de gelo ártico que
reduzem a cobertura glacial do Continente e que regula o clima do mundo.
Profeticamente, há 20 anos, desde a fronteira das Américas, João Paulo II
assinalou: “Desde o Cone Sul do Continente Americano e frente aos ilimitados
espaços da Antártida, lanço um chamado a todos os responsáveis de nosso planeta
para proteger e conservar a natureza criada por Deus: não permitamos que nosso
mundo seja uma terra cada vez mais degradada e degradante”32.
2.1.5 Presença dos povos
indígenas e afro-americanos na Igreja
88. Os indígenas
constituem a população mais antiga do Continente. Estão na raiz primeira da
identidade latino-americana e caribenha. Os afro-americanos constituem outra
raiz que foi arrancada da África e trazida para cá como gente escravizada. A
terceira raiz é a população pobre que migrou da Europa a partir do século XVI,
em busca de melhores condições de vida e o grande fluxo de imigrantes de todo o
mundo a partir de meados do século XIX. De todos estes grupos e de suas
correspondentes culturas se formou a mestiçagem que é a base social e cultural
de nossos povos latino-americanos e caribenhos, como já o reconheceu a III
Conferência Geral do Episcopado Latino-americano celebrada em Puebla, México33.
89. Os indígenas e
afro-americanos são, sobretudo, “outros” diferentes que exigem respeito e
reconhecimento. A sociedade tende a menosprezá-los, desconhecendo o porquê de
suas diferenças. Sua situação social está marcada pela exclusão e pela pobreza.
A Igreja acompanha os indígenas e afro-americanos nas lutas por seus legítimos
direitos.
90. Hoje, os povos
indígenas e afros estão ameaçados em sua existência física, cultural e
espiritual; em seus modos de vida; em suas identidades; em sua diversidade; em
seus territórios e projetos. Algumas comunidades indígenas se encontram fora de
suas terras porque elas foram invadidas e degradadas, ou não tem terras
suficientes para desenvolver suas culturas. Sofrem graves ataques a sua
identidade e sobrevivência, pois a globalização econômica e cultural coloca em
perigo sua própria existência como povo diferentes. Sua progressiva
transformação cultural provoca o rápido desaparecimento de algumas línguas e
culturas. A migração, forçada pela pobreza, está influindo profundamente na
mudança de seus costumes, de relacionamentos e inclusive de religião.
91. Os indígenas e
afro-americanos emergem agora na sociedade e na Igreja. Este é um “kairós” para
aprofundar o encontro da Igreja com estes setores humanos que reivindicam o
reconhecimento pleno de seus direitos individuais e coletivos, serem levados em
consideração na catolicidade com sua cosmovisão, seus valores e suas
identidades particulares, para viver um novo Pentecostes eclesial.
92. Já, em Santo Domingo , os
pastores reconheciam que “os povos indígenas cultivam valores humanos de grande
significado”34; valores que “a Igreja defende... diante da força dominadora das
estruturas de pecado manifestas na sociedade moderna”35; “são possuidores de
inumeráveis riquezas culturais, que estão na base de nossa identidade atual”36;
e, a partir da perspectiva da fé, “estes valores e convicções são fruto de
‘sementes do Verbo’, que já estavam presentes e operavam em seus
antepassados”37.
93. Entre eles podemos
assinalar: “abertura à ação de Deus pelos frutos da terra, o caráter sagrado da
vida humana, a valorização da família, o sentido de solidariedade e a
co-responsabilidade no trabalho comum, a importância do cultual, a crença em
uma vida ultra terrena”38. Atualmente, o povo tem enriquecido amplamente estes
valores através da evangelização e os tem desenvolvido em múltiplas formas de
autêntica religiosidade popular.
94. Como Igreja que
assume a causa dos pobres, estimulamos a participação dos indígenas e
afro-americanos na vida eclesial Vemos com esperança o processo de inculturação
discernido à luz do magistério. É prioritário fazer traduções católicas da
Bíblia e dos textos litúrgicos nos idiomas desses povos. Necessita-se,
igualmente, promover mais as vocações e os ministérios ordenados procedentes
destas culturas.
95. Nosso serviço
pastoral à vida plena dos povos indígenas exige que anunciemos a Jesus Cristo e
a Boa Nova do Reino de Deus, denunciemos as situações de pecado, as estruturas
de morte, a violência e as injustiças internas e externas e fomentemos o
diálogo intercultural, interreligioso e ecumênico. Jesus Cristo é a plenitude
da revelação para todos os povos e o centro fundamental de referência para
discernir os valores e as deficiências de todas as culturas, incluindo as
indígenas. Por isso, o maior tesouro que podemos oferecer a eles é que cheguem
ao encontro com Jesus Cristo ressuscitado, nosso Salvador. Os indígenas que já
receberam o Evangelho, como discípulos e missionários de Jesus Cristo, são
chamados a viver com imensa alegria sua realidade cristã, a explicar a razão de
sua fé em meio a suas comunidades e a colaborar ativamente para que nenhum povo
indígena da América Latina renegue sua fé cristã, mas ao contrário, sintam que
em Cristo encontram o sentido pleno de sua existência.
2.2 Situação de nossa
Igreja nesta hora histórica de desafios
99. Os esforços
pastorais orientados para o encontro com Jesus Cristo vivo deram e continuam
dando frutos. Entre outros, destacamos os seguintes:
a) Devido a animação
bíblica da pastoral, aumenta o conhecimento da Palavra de Deus e do amor por
ela. Graças à assimilação do Magistério da Igreja e a uma melhor formação de
generosos catequistas, a renovação da Catequese tem produzido fecundos
resultados em todo o Continente, chegando inclusive a países da América
do Norte, Europa e Ásia, para onde muitos latino-americanos e caribenhos têm
emigrado.
b) A renovação litúrgica
acentuou a dimensão celebrativa e festiva da fé cristã centrada no mistério
pascal de Cristo Salvador, em particular na Eucaristia. Crescem as
manifestações da religiosidade popular, especialmente a piedade eucarística e a
devoção mariana. Esforços têm sido realizados para inculturar a liturgia nos
povos indígenas e afro-americanos. Estão sendo superados os riscos de
reduzir a Igreja a sujeito político, com um melhor discernimento dos impactos
sedutores das ideologias. Têm-se fortalecido a responsabilidade e a vigilância
com relação às verdades da Fé, ganhando em profundidade e serenidade de
comunhão.
c) Nosso povo tem grande
estima pelos sacerdotes. Reconhece a santidade de muitos deles, como também seu
testemunho de vida, seu trabalho missionário e sua criatividade pastoral,
particularmente daqueles que estão em lugares distantes ou em contextos de
maior dificuldade. Muitas de nossas Igrejas contam com uma pastoral sacerdotal
com experiências concretas de vida em comum e de uma retribuição do clero mais
justa. Em algumas
Igrejas desenvolve-se o diaconato permanente. Contam também
com ministérios confiados aos leigos e outros serviços pastorais, como
delegados da Palavra, animadores de assembléia e de pequenas comunidades, entre
elas, as comunidades eclesiais de base, os movimentos eclesiais e um grande
número de pastorais específicas. Faz-se um grande esforço pela formação em nossos Seminários ,
nas casas de formação para a vida consagrada e nas escolas para o diaconato permanente.
É significativo o testemunho da vida consagrada, sua participação na ação
pastoral e sua presença em situações de pobreza, de risco e de fronteira. A
Igreja estimula com esperança o incremento de vocações para a vida
contemplativa masculina e feminina.
d) Ressalta a abnegada
entrega de tantos missionários e missionárias que, até o dia de hoje, tem
desenvolvido uma valiosa obra evangelizadora e de promoção humana em todos os
nossos povos, com multiplicidade de obras e serviços. Desse modo é reconhecido
o trabalho de numerosos sacerdotes, consagradas e consagrados, leigos e leigas
que, a partir do nosso Continente, participam da missão ad gentes.
e) Crescem os esforços
de renovação pastoral nas paróquias, favorecendo um encontro com Cristo vivo
mediante diversos métodos de nova evangelização que se transformam em
comunidade de comunidades evangelizadas e missionárias. Contata-se em alguns
lugares um florescimento de comunidades eclesiais de base, segundo o critério
das Conferências Gerais anteriores, em comunhão com os Bispos e fiéis ao
Magistério da Igreja39. Valoriza-se a presença e o crescimento dos movimentos
eclesiais e novas comunidades que difundem sua riqueza carismática, educativa e
evangelizadora. Tem-se tomado consciência da importância da pastoral Familiar,
da Infância e Juvenil.
f) A Doutrina Social da
Igreja constitui uma riqueza sem preço que tem animado o testemunho e a ação
solidária dos leigos e leigas, aqueles que se interessam cada vez mais por sua
formação teológica como verdadeiros missionários da caridade, e se esforçam por
transformar de maneira efetiva o mundo segundo Cristo. Hoje, inumeráveis
iniciativas laicas no âmbito social, cultural, econômico e político, deixam-se
inspirar pelos princípios permanentes, pelos critérios de juízo e pelas
diretrizes de ação provenientes da Doutrina Social da Igreja. Valoriza-se o
desenvolvimento que tem tido a Pastoral Social, como também a ação da Cáritas
em seus vários níveis e a riqueza do voluntariado, nos mais diversos
apostolados com incidência social. Tem-se desenvolvido a pastoral da
comunicação social e mais do que nunca a Igreja tem contado com mais meios de
comunicação para a evangelização da cultura, neutralizando em parte outros
grupos religiosos que ganham constantemente adeptos, usando com perspicácia o
rádio e a televisão. Temos rádios, televisão, cinema, jornais, internet,
páginas de web e a RIIAL que nos enchem de esperança.
g) A diversificação da
organização eclesial, com a criação de muitas comunidades, novas jurisdições e
organismos pastorais, permitiu que muitas Igrejas locais avançassem na
estruturação de uma Pastoral Orgânica, para servir melhor às necessidades dos
fiéis. Não com a mesma intensidade, em todas as Igrejas, tem-se desenvolvido o
diálogo ecumênico. Também o diálogo interreligioso, quando segue as normas do
Magistério, pode enriquecer os participantes em diversos encontros40. Em outros
lugares, tem-se criado escolas de ecumenismo ou de colaboração ecumênica em
assuntos sociais e outras iniciativas. Manifesta-se, como reação ao
materialismo, uma busca de espiritualidade, de oração e de mística que expressa
fome e sede de Deus. Por outro lado, a valorização da ética é um sinal dos
tempos que indica a necessidade de superar o hedonismo, a corrupção e o vazio
dos valores. Alegra-nos, além disso, o profundo sentimento de solidariedade que
caracteriza nossos povos e a prática de compartilhar e de ajuda mútua.
100. Apesar dos
aspectos positivos que nos alegram na esperança, observamos sombras, entre as
quais mencionamos as seguintes:
a) Para a Igreja
Católica, a América Latina e o Caribe são de grande importância, por seu
dinamismo eclesial, por sua criatividade e porque 43% de todos os seus fiéis
vivem nesses locais; no entanto, observamos que o crescimento percentual da Igreja
não segue o mesmo ritmo que o crescimento populacional. Na média, o aumento do
clero, e sobretudo, das religiosas, distancia-se cada vez mais do crescimento
populacional em nossa região41.
b) Lamentamos, seja
algumas tentativas de voltar a um certo tipo de eclesiologia e espiritualidade
contrárias à renovação do Concílio Vaticano II42, seja algumas leituras e
aplicações reducionistas da renovação conciliar; lamentamos a ausência de uma
autêntica obediência e do exercício evangélico da autoridade, das infidelidades
à doutrina, à moral e à comunhão, nossas débeis vivências da opção preferencial
pelos pobres, não poucas recaídas secularizantes na vida consagrada
influenciada por uma antropologia meramente sociológica e não evangélica. Tal
como manifestou o Santo Padre no Discurso Inaugural de nossa Conferência:
“percebe-se um certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da sociedade e
do próprio pertencimento à Igreja Católica”43.
c) Constatamos o escasso
acompanhamento dado aos fiéis leigos em suas tarefas de serviço à sociedade,
particularmente quando assumem responsabilidades nas diversas estruturas de
ordem temporal. Percebemos uma evangelização com pouco ardor e sem novos
métodos e expressões, uma ênfase no ritualismo sem o conveniente caminho de formação,
descuidando de outras tarefas pastorais. De igual forma, preocupa-nos uma
espiritualidade individualista. Verificamos, deste modo, uma mentalidade
relativista no ético e no religioso, a falta de aplicação criativa do rico
patrimônio que contêm a Doutrina Social da Igreja e, em certas ocasiões, uma
compreensão limitada do caráter secular que constitui a identidade própria e
específica dos fiéis leigos.
d) Na evangelização, na
catequese e, em geral, na pastoral, persistem também linguagens pouco significativas
para a cultura atual e em particular, para os jovens. Muitas vezes as
linguagens utilizadas parecem não levar em consideração a mutação dos códigos
existencialmente relevantes nas sociedades influenciadas pela pós-modernidade e
marcadas por um amplo pluralismo social e cultural. As mudanças culturais
dificultam a transmissão da Fé por parte da família e da sociedade. Frente a
isso, não se vê uma presença importante da Igreja na geração de cultura, de
modo especial no mundo universitário e nos meios de comunicação.
e) O número insuficiente
de sacerdotes e sua não eqüitativa distribuição impossibilitam que muitíssimas
comunidades possam participar regularmente na celebração da Eucaristia.
Recordando que a Eucaristia faz à Igreja, preocupa-nos a situação de milhares
destas comunidades privadas da Eucaristia dominical por longos períodos de
tempo. A isto se acrescenta a relativa escassez de vocações ao ministério e à
vida consagrada. Falta espírito missionário em membros do clero, inclusive em
sua formação. Muitos católicos vivem e morrem sem assistência da Igreja, à qual
pertencem pelo batismo. Enfrentam-se dificuldades para assumir a sustentação
econômica das estruturas pastorais. Falta solidariedade na comunhão de bens no
interior das igrejas locais e entre elas. Em muitas das nossas Igrejas locais
não se assume suficientemente a pastoral penitenciária, nem a pastoral de
menores infratores e em situações de risco. É insuficiente o acompanhamento
pastoral para os migrantes e itinerantes. Alguns movimentos eclesiais nem
sempre se integram adequadamente na pastoral paroquial e diocesana; por sua
vez, algumas estruturas eclesiais não são suficientemente abertas para
acolhê-los.
f) Nas últimas décadas
vemos com preocupação, por um lado, que numerosas pessoas perdem o sentido
transcendental de suas vidas e abandonam as práticas religiosas e, por outro
lado, que um número significativo de católicos estão abandonando a Igreja
para entrar em outros grupos religiosos. Ainda que este seja um problema real
em todos os países latino-americanos e caribenhos, não existe homogeneidade no
que se refere a suas dimensões e sua diversidade.
g) Dentro do novo
pluralismo religioso em nosso continente, não se tem diferenciado
suficientemente os cristãos que pertencem a outras igrejas ou comunidades
eclesiais, tanto por sua doutrina como por suas atitudes, dos que fazem parte
da grande diversidade de grupos cristãos (inclusive pseudo-cristãos) que se tem
instalado entre nós. Isto porque não é adequado englobar a todos em uma só
categoria de análise. Muitas vezes não é fácil o diálogo ecumênico com grupos
cristãos que atacam a Igreja Católica com insistência.
h) Reconhecemos que,
ocasionalmente, alguns católicos tem se afastado do Evangelho, que requer um
estilo de vida mais simples, austero e solidário, mais fiel à verdade e à
caridade, como também nos tem faltado valentia, persistência e docilidade à
graça de prosseguir, fiel à Igreja de sempre, a renovação iniciada pelo
Concílio Vaticano II, impulsionada pelas Conferências Gerais anteriores, e para
assegurar o rosto latino-americano e caribenho de nossa Igreja. Reconhecemo-nos
como comunidade de pobres pecadores, mendicantes da misericórdia de Deus,
congregada, reconciliada, unida e enviada pela força da Ressurreição de seu Filho
e a graça de conversão do Espírito Santo.
SEGUNDA PARTE
A VIDA DE JESUS CRSITO
NOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
CAPÍTULO 3
A ALEGRIA DE SERMOS
DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS PARA ANUNCIAR O EVANGELHO DE JESUS CRISTO
101. Neste momento, com incertezas no coração, perguntamo-nos com Tomé: “Como vamos saber o caminho?” (Jo 14,5). Jesus nos responde com uma proposta provocadora: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Ele é o verdadeiro caminho para o Pai., quem tanto amou ao mundo que deu a seu Filho único, para que todo aquele que nele creia tenha a vida eterna (cf. Jo 3,16). Esta é a vida eterna: “que te conheçam a ti o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo teu enviado” (Jo 17,3). A fé em Jesus como o Filho do Pai é a porta de entrada para a Vida. Como discípulos de Jesus, confessamos nossa fé com as palavras de Pedro: “Tuas palavras dão vida eterna” (Jo 6,68); “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).
102. Jesus é o Filho de
Deus, a Palavra feito carne (cf. Jo 1,14), verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
prova do amor de Deus aos homens. Sua vida é uma entrega radical de si mesmo a
favor de todas as pessoas, consumada definitivamente em sua morte e
ressurreição. Por ser o Cordeiro de Deus, Ele é o Salvador. Sua paixão, morte e
ressurreição possibilita a superação do pecado e a vida nova para toda a
humanidade. N’Ele, o Pai se faz presente, porque quem conhece o Filho conhece o
Pai (cf. Jo 14,7).
103. Como discípulos de
Jesus reconhecemos que Ele é o primeiro e maior evangelizador enviado por Deus (cf.
Lc 4,44) e, ao mesmo tempo, o Evangelho de Deus (cf. Rm 1,3). Cremos e
anunciamos “a boa nova de Jesus, Messias, Filho de Deus” (Mc 1,1). Como filhos
obedientes á voz do Pai queremos escutar a Jesus (cf. Lc 9,35) porque Ele é o
único Mestre (cf. Mt 23,8). Como seus discípulos sabemos que suas palavras são
Espírito e Vida (cf. Jo 6,63.68). Com a alegria da fé somos missionários para
proclamar o Evangelho de Jesus Cristo e, n’Ele, a boa nova da dignidade humana,
da vida, da família, do trabalho, da ciência e da solidariedade com a criação.
3.1. A boa nova da
dignidade humana
104. Bendizemos a Deus
pela dignidade da pessoa humana, criada a sua imagem e semelhança. Ele nos
criou livres e nos fez sujeitos de direitos e deveres em meios à criação.
Agradecemos-lhe por nos associar ao aperfeiçoamento do mundo, dando-nos
inteligência e capacidade para amar; pela dignidade, que recebemos também com a
tarefa e o dever de proteger, cultivar e promover. Bendizemos a Deus pelo dom
da fé que nos permite viver em aliança com Ele até o momento de compartilhar a
vida eterna. Bendizemos a Deus por nos fazer suas filhas e filhos em Cristo,
por nos haver redimido com o preço de seu sangue e pelo relacionamento
permanente que estabelece conosco, que é fonte de nossa dignidade absoluta,
inegociável e inviolável. Se o pecado deteriorou a imagem de Deus no homem e
feriu sua condição, a boa nova, que é Cristo, o redimiu e o restabeleceu na
graça (cf. Rm 5,12-21).
105. Louvamos a Deus
pelos homens e mulheres da América Latina e do Caribe que, movidos por sua fé,
tem trabalhado incansavelmente na defesa da dignidade da pessoa humana,
especialmente dos pobres e marginalizados. Em seu testemunho, levado até a
entrega total, resplandece a dignidade do ser humano.
106. Louvamos a Deus
pelo dom maravilhoso da vida e por aqueles que a honram e a dignificam ao
colocá-la a serviço dos demais; pelo espírito alegre de nossos povos que amam a
música, a dança, a poesia, a arte, o esporte e cultivam uma firme esperança em
meio a problemas e lutas. Louvamos a Deus porque, sendo nós pecadores, Ele nos
mostrou seu amor reconciliando-nos consigo pela morte de seu Filho na cruz.
Louvamos a Deus porque Ele continua derramando seu amor em nós pelo Espírito
Santo e nos alimentando com a Eucaristia, pão da vida (cf. Jo 6,35). A
Encíclica “Evangelho da Vida”, de João Paulo II, ilumina o grande valor da vida
humana a qual devemos cuidar e pela qual continuamente devemos louvar a Deus.
107. Bendizemos ao Pai
pelo dom de seu Filho Jesus Cristo “rosto humano de Deus e rosto divino do
homem”44. “Na realidade, tão só o mistério do Verbo encarnado explica
verdadeiramente o mistério do homem. Cristo, na própria revelação do mistério
do Pai e de seu amor, manifesta plenamente o homem ao próprio homem e descobre
sua altíssima vocação”45.
108. Bendizemos ao Pai
porque, mesmo entre dificuldades e incertezas, todo homem aberto sinceramente à
verdade e ao bem comum, pode chegar a descobrir na lei natural escrita em seu
coração (cf. Rm 2,14-150, o valor sagrado da vida humana desde seu início até
seu fim natural e afirmar o direito de cada ser humano de ver respeitado
totalmente este seu bem primário. “A convivência humana e a própria comunidade
política”46 se fundamenta no reconhecimento desse direito.
109. Diante de uma vida
sem sentido, Jesus nos revela a vida íntima de Deus em seu mistério mais
elevado, a comunhão trinitária. É tal o amor de Deus, que faz do homem,
peregrino neste mundo, sua morada: “Viremos a ele e viveremos nele” (Jo 14,23).
Diante do desespero de um mundo sem Deus, que só vê na morte o final definitivo
da existência, Jesus nos oferece a ressurreição e a vida eterna na qual deus
será tudo em todos (cf. 1 Cor 15,28). Diante da idolatria dos bens terrenos,
Jesus apresenta a vida em Deus como valor supremo: “de que vale alguém ganhar o
mundo e perder a sua vida?” (Mc 8,36)47.
110. Diante do
subjetivismo hedonista, Jesus propõe entregar a vida para ganha-la, porque
“quem aprecia sua vida terrena, perdê-la-á” (Jo 12,25). É próprio do discípulo
de Jesus gastar sua vida como sal da terra e luz do mundo. Diante do
individualismo, Jesus convoca a viver e caminhar juntos. A vida cristã só se
aprofunda e se desenvolve na comunhão fraterna. Jesus nos disse “um é seu
mestre e todos vocês são irmãos” (Mt 23,8). Diante da despersonalização,
Jesus ajuda a construir identidades integradas.
112. Diante da exclusão,
Jesus defende os direitos dos fracos e a vida digna de todo ser humano. De seu
Mestre, o discípulo tem aprendido a lutar contra toda forma de desprezo da vida
e de exploração da pessoa humana48. Só o Senhor é autor e dono da vida. O ser
humano, sua imagem vivente, é sempre sagrado, desde a sua concepção até a sua
morte natural; em todas as circunstâncias e condições de sua vida. Diante das
estruturas de morte, Jesus faz presente a vida plena. “Eu vim para dar vida aos
homens e para que a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por isso, cura os
enfermos, expulsa os demônios e compromete os discípulos na promoção da
dignidade humana e de relacionamentos sociais fundados na justiça.
113. Diante da natureza
ameaçada, Jesus que conhecia o cuidado do Pai pelas criaturas que Ele alimenta
e embeleza (cf Lc 12,28), convoca-nos a cuidar da terra para que ela ofereça
abrigo e sustento a todos os homens (cf. Gn 1,29; 2,15).
114. Proclamamos com
alegria o valor da família na América Latina e no Caribe. O Papa Bento XVI
afirma que a família, “patrimônio da humanidade, constitui um dos tesouros mais
importantes dos povos latino-americanos e caribenhos. Ela tem sido e é escola
da fé, palestra de valores humanos e cívicos, lar em que a vida humana nasce e
se acolhe generosa e responsavelmente... A família é insubstituível para a
serenidade pessoal e para a educação de seus filhos”49.
115. Agradecemos a
Cristo que nos revela que “Deus é amor e vive em si mesmo um mistério pessoal
de amor”50 e, optando por viver em família em meio a nós, eleva-a à dignidade
de ‘Igreja Doméstica’.
116. Bendizemos a Deus
por haver criado o ser humano, homem e mulher, ainda que hoje se queira
confundir esta verdade: “Criou Deus os seres humanos a sua imagem; a imagem de
Deus os criou, homem e mulher os criou” (Gn 1,27). Pertence à natureza humana
que o homem e a mulher busquem um no outro sua reciprocidade e
complementaridade51.
117.O fato de sermos
amados por Deus enche-nos de alegria. O amor humano encontra sua plenitude
quando participa do amor divino, do amor de Jesus que se entrega solidariamente
por nós em seu amor pleno até o fim (cf. Jo 13,1; 15,9). O amor conjugal é a
doação recíproca entre um homem e uma mulher, os esposos: é fiel e exclusivo
até a morte e fecundo, aberto á vida e á educação dos filhos, assemelhando-se
ao amor fecundo da Santíssima Trindade52. O amor conjugal é assumido no
Sacramento do Matrimônio para significar a união de Cristo com sua Igreja. Por
isso, na graça de Jesus Cristo ele encontra sua purificação, alimento e
plenitude ( Ef 5,23-33).
118. No seio de uma
família, a pessoa descobre os motivos e o caminho para pertencer á família de
Deus. Dela, recebemos a vida que é a primeira experiência do amor e da fé. O
grande tesouro da educação dos filhos na fé consiste na experiência de uma vida
familiar que recebe a fé, conserva-a, celebra-a, transmite-a e dá testemunha
dela. Os pais devem tomar nova consciência de sua alegre e irrenunciável
responsabilidade na formação integral de seus filhos.
119. Deus ama nossas
famílias, apesar de tantas feridas e divisões. A presença invocada de Cristo
através da oração em família nos ajuda a superar os problemas, a curar as
feridas e abre caminhos de esperança. Muitos vazios de lar podem ser atenuados
através de serviços prestados pela comunidade eclesial, família de famílias.
3.4.1 O trabalho
120. Louvamos a Deus
porque na beleza da criação, que é obra de suas mãos, resplandece o sentido do
trabalho como participação de sua tarefa criadora e como serviço aos irmãos e
irmãs. Jesus, o carpinteiro (cf. Mc 6,3), dignificou o trabalho e o trabalhador
e recorda que o trabalho não é um mero apêndice da vida, mas que “constitui uma
dimensão fundamental da existência do homem na terra”53, pela qual o homem e a
mulher se realizam como seres humanos54. O trabalho garante a dignidade e a
liberdade do homem, e é provavelmente “a chave essencial de toda ‘a questão
social’”55.
121. Damos graças a Deus
porque sua palavra nos ensina que, apesar do cansaço que muitas vezes acompanha
o trabalho, o cristão sabe que este, unido à oração, serve não só para o
progresso terreno, mas também para a santificação pessoal e a construção do
Reino de Deus56. O desemprego, a injusta remuneração pelo trabalho e o viver
sem querer trabalhar são contrários ao desígnio de Deus. O discípulo e o
missionário, respondendo a este desígnio, promovem a dignidade do trabalhador e
do trabalho, o justo reconhecimento de seus direitos e de seus deveres,
desenvolvem a cultura do trabalho e denunciam toda injustiça. A guarda do
domingo, como dia de descanso, da família e do culto ao Senhor, garante o
equilíbrio entre trabalho e repouso. Cabe à comunidade criar estruturas que
ofereçam um trabalho ás pessoas deficientes, segundo suas possibilidades57.
122. Louvamos a Deus
pelos talentos, pelo estudo e pela decisão de homens e mulheres para promover
iniciativas e projetos geradores de trabalho e produção, que elevam a condição
humana e o bem-estar da sociedade. A atividade empresarial é boa e necessária quando
respeita a dignidade do trabalhador, o cuidado do meio-ambiente e se ordena o
bem comum. Perverte-se ao visar só o lucro, atenta contra os direitos dos
trabalhadores e a justiça.
3.4.2 A ciência e a
tecnologia
123. Louvamos a Deus por
aqueles que cultivam as ciências e a tecnologia oferecendo uma imensa
quantidade de bens e valores culturais que tem contribuído, entre outras
coisas, para prolongar a expectativa de vida e sua qualidade. No entanto, a
ciência e a tecnologia não têm as respostas às grandes interrogações da vida
humana. A resposta última às questões fundamentais do homem só pode vir de uma
razão e ética integrais, iluminadas pela revelação de Deus. Quando a verdade, o
bem e a beleza se separam; quando a pessoa humana e suas exigências fundamentais
não constituem o critério ético, a ciência e a tecnologia voltam-se contra o
homem que as criou.
124. Hoje em dia as
fronteiras traçadas entre as ciências se desvanecem. Com este modo de
compreender o diálogo, sugere-se a idéia de que nenhum conhecimento é
completamente autônomo. Esta situação abre um terreno de oportunidades à
teologia para interagir com as ciências sociais.
3.5. A boa nova do
destino universal dos bens e da ecologia
125. Junto com os povos
originários da América, louvamos ao Senhor que criou o universo como espaço
para a vida e a convivência de todos seus filhos e filhas e no-los deixou como
sinal de sua bondade e de sua beleza. A criação também é manifestação do amor
providente de Deus; foi-nos entregue para que cuidemos dela e a transformemos
em fonte de vida digna para todos. Ainda que hoje se tenha generalizado uma
maior valorização da natureza, percebemos claramente de quantas maneiras o
homem ameaça e inclusive destrói seu ‘habitat’. “Nossa irmã a mãe terra” é
nossa casa comum58 e o lugar da aliança de Deus com os seres humanos e com toda
a criação. Desatender as mútuas relações e o equilíbrio que o próprio Deus
estabeleceu entre as realidades criadas, é uma ofensa ao Criador, um atentado
contra a biodiversidade e, definitivamente, contra a vida. O discípulo
missionário, a quem Deus encarregou a criação, deve contemplá-la, cuidar dela e
utiliza-la, respeitando sempre a ordem dada pelo Criador.
3.6 O Continente da
esperança e do amor
127. Como discípulos e
missionários agradecemos a Deus porque a maioria dos latino-americanos e
caribenhos estão batizados. A providência de Deus nos confiou o precioso
patrimônio de pertencer á Igreja pelo dom do batismo que nos tem feito membros
do Corpo de Cristo, povo de Deus peregrino em terra americanas há mais de
quinhentos anos. Alenta nossa esperança a multidão de nossas crianças, os
ideais de nossos jovens e o heroísmo de muitas de nossas famílias que, apesar
das crescentes dificuldades, seguem sendo fiéis ao amor.. Agradecemos a Deus
pela religiosidade de nossos povos que resplandece na devoção ao Cristo
sofredor e a sua Mãe bendita, na veneração aos Santos com suas festas
patronais, no amor ao Papa e aos demais pastores, no amor à Igreja universal
como grande família de Deus que nunca pode nem deve deixar seus próprios filhos
sós ou na miséria59.
128. Reconhecemos o dom
da vitalidade da Igreja que peregrina na América Latina e no Caribe, sua opção
pelos pobres, suas paróquias, suas comunidades, suas associações, seus
movimentos eclesiais, novas comunidades e seus múltiplos serviços sociais e
educativos. Louvamos ao Senhor por ter feito deste continente um espaço de
comunhão e comunicação de povos e culturas indígenas. Também agradecemos o
protagonismo que vão adquirindo setores que foram deslocados: mulheres,
indígenas, afro-americanas, os homens do campo e habitantes de áreas marginais
das grandes cidades. Toda a vida de nossos povos fundada em Cristo e redimida
por Ele pode olhar para o futuro com esperança e alegria, acolhendo o chamado
do Papa Bento XVI: “Só da Eucaristia brotará a civilização do amor que
transformará a América latina e o Caribe para que, além de ser o Continente da
esperança, seja também o Continente do amor!”60.
CAPÍTULO 4
A VOCAÇÃO DOS DISCÍPULOS
MISSIONÁRIOS À SANTIDADE
4.1 Chamados ao
seguimento de Jesus Cristo
129. Por assim dizer,
Deus Pai sai de si, para nos chamar a participar de sua vida e de sua glória.
Mediante Israel, povo que fez seu, Deus nos revela seu projeto de vida. Cada
vez que Israel procurou e necessitou de seu Deus, sobretudo nas desgraças
nacionais, teve uma singular experiência de comunhão com Ele, que o fazia
partícipe de sua verdade, sua vida e sua santidade. Por isso, não demorou em
testemunhar que seu Deus – diferentemente dos ídolos – é o “Deus vivo” (Dt
5,26) que o liberta dos opressores (cf. Ex 3,7-10), que perdoa incansavelmente
(cf. Ec 34,6; Eclo 2,11) e que restitui a salvação perdida quando o povo,
envolvido “nas redes da morte” (Sl 116,3), dirige-se a Ele suplicante (Cf. Is
38,16). Deste Deus – que é seu Pai – Jesus afirmará que “não é um Deus de
mortos, mas de vivos” (Mc 12,27).
130. Nestes últimos
tempos, Ele nos tem falado por meio de Jesus seu Filho (Hb 1,1ss), com quem
chega a plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4). Deus, que é Santo e nos ama, nos
chama por meio de Jesus a ser santos (cf. Ef 1,4-5).
131. O chamado que
Jesus, o Mestre faz, implica numa grande novidade. Na antiguidade, os mestres
convidavam seus discípulos a se vincular com algo transcendente e os mestres da
Lei propunham a adesão à Lei de Moisés. Jesus convida a nos encontrar com Ele e
a que nos vinculemos estreitamente a Ele porque é a fonte da vida (cf. Jo
15,1-5) e só Ele tem palavra de vida eterna (cf. Jo 6,68). Na convivência
cotidiana com Jesus e na confrontação com os seguidores de outros mestres, os
discípulos logo descobrem duas coisas originais no relacionamento com Jesus.
Por um lado, não foram eles que escolheram seu mestre foi Cristo quem os
escolheu. E por outro lado, eles não foram convocados para algo (purificar-se,
aprender a Lei...), mas para Alguém, escolhidos para se vincular intimamente a
sua pessoa (cf. Mc 1,17;
2,14). Jesus os escolheu para “que estivessem com Ele e para enviá-los a
pregar” (Mc 3,14), para que o seguissem com a finalidade de “ser d’Ele” e fazer
parte “dos seus” e participar de sua missão. O discípulo experimenta que a
vinculação íntima com Jesus no grupo dos seus é participação da Vida saída das
entranhas do Pai, é se formar para assumir seu estilo de vida e suas motivações
(cf. Lc 6,40b), viver seu destino e assumir sua missão de fazer novas todas as
coisas.
132. Com a parábola da
Videira e dos ramos (cf. Jo 15,1-8), Jesus revela o tipo de vínculo que Ele
oferece e que espera dos seus. Não quer um vínculo como “servos” (cf. Jo
8,33-36), porque “o servo não conhece o que faz seu senhor” (jo 15,15). O servo
não tem entrada na casa de seu amo, muito menos em sua vida. Jesus quer que seu
discípulo se vincule a Ele como “amigo” e como “irmão”. O “amigo” ingressa em sua Vida , fazendo-a
própria. O amigo escuta a Jesus, conhece ao Pai e faz fluir sua Vida (Jesus
Cristo) na própria existência (cf. Jo 15,14), marcando o relacionamento com
todos (cf. Jo 15,12). O “irmão” de Jesus (cf. Jo 20,17) participa da vida do
Ressuscitado, Filho do Pai celestial, porque Jesus e seu discípulo compartilham
a mesma vida que procede do Pai: Jesus, por natureza (cf. Jo 5,26; 10,30) e o discípulo, por participação
(cf. Jo 10,10). A conseqüência imediata deste tipo de vínculo é a condição de
irmãos que os membros de sua comunidade adquirem.
133. Jesus faz dos
discípulos seus familiares, porque compartilha com eles a mesma vida que
procede do Pai e lhes pede, como discípulos, uma união íntima com Ele,
obediência à Palavra do Pai, para produzir frutos de amor em abundância. Dessa
forma o testemunho de São João no prólogo de seu Evangelho:”A todos aqueles que
crêem em seu nome, deu-lhes a capacidade para serem filhos de Deus”, e são
filhos de Deus que “não nascem por via de geração humana, nem porque o homem o
deseje, mas sim nascem de Deus” (Jo 1,12-13).
134. Como discípulos e
missionários, somos chamados a intensificar nossa resposta de fé e a anunciar
que Cristo redimiu todos os pecados e males da humanidade, “no aspecto mais
paradóxico de seu mistério, a hora da cruz. O grito de Jesus: “Deus, meu, Deus,
meu, por que me abandonaste?” (Mc 15,34) não revela a angústia de um
desesperado, mas a oração do Filho que oferece a sua vida ao Pai no amor para a
salvação de todos”61.
4.2 Parecidos com o
Mestre
137. O Espírito Santo,
com o qual o Pai nos presenteia, identifica-nos com Jesus-Caminho, abrindo-nos
a seu mistério de salvação para que sejamos seus filhos e irmãos uns dos
outros; identifica-nos com Jesus-Verdade, ensinando-nos a renunciar a nossas
mentiras e ambições pessoais, e nos identifica com Jesus-Vida, permitindo-nos
abraçar seu plano de amor e nos entregar para que outros “tenham vida n’Ele”.
138. Para ficar parecido
verdadeiramente com o Mestre é necessário assumir a centralidade do Mandamento
do amor, que Ele quis chamar seu e novo: “Amem-se uns aos outros, como eu os
amei” (Jo 15,12). Este amor, com a medida de Jesus, com total dom de si, além
de ser o diferencial de cada cristão, não pode deixar de ser a característica
de sua Igreja, comunidade discípula de Cristo, cujo testemunho de caridade
fraterna será o primeiro e principal anúncio, “todos reconhecerão que sois meus
discípulos” (Jo 13,35).
139. No seguimento de
Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo de
vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão
entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua
fidelidade à missão encomendada, seu amor serviçal até a doação de sua vida.
Hoje, contemplamos a Jesus Cristo tal como os Evangelhos nos transmitiram para
conhecer o que Ele fez e para discernir o que nós devemos fazer nas atuais
circunstâncias.
140. Identificar-se com
Jesus Cristo é também compartilhar seu destino: “Onde eu estiver, aí estará
também o meu servo” (Jo 12,26). O cristão vive o mesmo destino do Senhor,
inclusive até a cruz: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo,
carregue a sua cruz e me siga” (Mc 8,34). Estimula-nos o testemunho de tantos
missionários e mártires de ontem e de hoje em nossos povos que tem chegado a
compartilhar a cruz de Cristo até a entrega de sua vida.
142. Na América Latina e
no Caribe inumeráveis cristãos procuram buscar a semelhança do Senhor ao
encontra-lo na escuta orante da Palavra, no receber seu perdão no Sacramento da
Reconciliação, e sua vida na celebração da Eucaristia e dos demais sacramentos,
na entrega solidária aos irmãos mais necessitados e na vida de muitas
comunidades que reconhecem com alegria o Senhor em meio a eles.
4.3 Enviado a anunciar o
Evangelho do Reino da vida
143. Jesus Cristo,
verdadeiro homem e verdadeiro Deus, com palavras e ações e com sua morte e
ressurreição inaugura no meio de nós o Reino de vida do Pai,que alcançará sua
plenitude num lugar onde não haverá mais “morte, nem luto, nem pranto, nem dor,
porque tudo o que é antigo desaparecerá” (Ap 21,4). Durante sua vida e com sua morte
na cruz, Jesus permanece fiel a seu Pai e a sua vontade (cf. Lc 22,42). Durante
seu ministério, os discípulos não foram capazes de compreender que o sentido de
sua vida selava o sentido de sua morte. Muito menos podiam compreender que,
segundo o desígnio do Pai, a morte do Filho era fonte de vida fecunda para
todos (cf. Jo 12,23-24). O mistério pascal de Jesus é o ato de obediência e
amor ao Pai e de entrega por todos seus irmãos. Com esse ato, o Messias doa
plenamente aquela vida que oferecia nos caminhos e aldeias da Palestina. Por
seu sacrifício voluntário, o Cordeiro de Deus oferece sua vida nas mãos do Pai
(cf. Lc 23,46), que o faz salvação “para nós” (1 Cor 1,30). Pelo mistério
pascal, o Pai sela a nova aliança e gera um novo povo que tem por fundamento
seu amor gratuito de Pai que salva.
144. Ao chamar aos seus
para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa: anunciar o evangelho
do Reino a todas as nações (cf. Mt 28,19; Lc 24,46-48). Por isto, todo
discípulo é missionário, pois Jesus o faz partícipe de sua missão ao mesmo
tempo que o vincula a Ele como amigo e irmão. Desta maneira, como Ele é
testemunha do mistério do Pai, assim os discípulos são testemunhas da morte e
ressurreição do Senhor até que Ele retorne. Cumprir esta missão não é uma
tarefa opcional, mas parte integrante da identidade cristã, porque é a difusão
testemunhal da própria vocação.
145. Quando cresce no
cristão a consciência de se pertencer a Cristo, em razão da gratuidade e
alegria que produz, cresce também o ímpeto de comunicar a todos o dom desse
encontro. A missão não se limita a um programa ou projeto, mas em compartilhar
a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunha-lo e
anuncia-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos
os confins do mundo (cf. At 1,8).
146. Bento XVI nos
recorda que: “o discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus,
sente-se motivado a levar a Boa Nova da salvação a seus irmãos. Discipulado e
missão são como os dois lados de uma mesma moeda: quando o discípulo está
enamorado de Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só Ele salva (cf.
At 4,12). Na realidade, o discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não há
esperança, não há amor, não há futuro”62. Esta é a tarefa essencial da evangelização,
que inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção humana integral e a
autêntica libertação cristã.
147. Jesus saiu ao
encontro de pessoas em situações muito diferentes: homens e mulheres, pobres e
ricos, judeus e estrangeiros, justos e pecadores... convidando-os a segui-los.
Hoje, segue convidando a encontrar n’Ele o amor do Pai. Por isto mesmo, o
discípulo missionário há de ser um homem ou uma mulher que torna visível o amor
misericordioso do Pai, especialmente aos pobres e pecadores.
148. Ao participar desta
missão, o discípulo caminha para a santidade. Vive-la na missão o conduz ao
coração do mundo. Por isso, a santidade não é uma fuga para o intimismo ou para
o individualismo religioso, muito menos um abandono da realidade urgente dos grandes
problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo e, muito
menos, uma fuga da realidade para um mundo exclusivamente espiritual63.
4.4 Animados pelo
Espírito Santo
149. No começo de sua
vida pública e depois de seu batismo, Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo
ao deserto para se preparar para a sua missão (cf. Mc 1,12-13) e, através da
oração e do jejum, discerniu a vontade do Pai e venceu as tentações de seguir
outros caminhos. Esse mesmo Espírito acompanhou Jesus durante toda sua vida
(cf. At 10,38). Uma vez ressuscitado, Ele comunicou seu Espírito vivificado aos
seus (cf. At 2,33).
152. Jesus nos
transmitiu as palavras de seu Pai e é o Espírito que recorda à Igreja as
palavras de Cristo (cf. Jo 14,26). Desde o princípio, os discípulos haviam sido
formados por Jesus no Espírito Santo (cf. At 1,2) que é, na Igreja, o Mestre
interior que conduz ao conhecimento da verdade total formando discípulos e
missionários. Esta é a razão pela qual os seguidores de Jesus devem se deixar
guiar constantemente pelo Espírito (cf. Gl 5,25), e tornar a paixão pelo Pai e
pelo Reino sua própria paixão: anunciar a Boa Nova aos pobres, curar os
enfermos, consolar os tristes, libertar os cativos e anunciar a todos o ano da
graça do Senhor (cf. Lc 4,18-19).
153. Esta realidade se
faz presente em nossa vida por obra do Espírito Santo que também, através dos
sacramentos, nos ilumina e vivifica. Em virtude do Batismo e da Confirmação
somos chamados a ser discípulos missionários de Jesus Cristo e entramos na
comunhão trinitária na Igreja. Esta tem seu ponto alto na Eucaristia, que é
princípio e projeto de missão do cristianismo. “Assim, pois, a Santíssima
Eucaristia conduz a iniciação cristã a sua plenitude e é como o centro e fim de
toda a vida sacramental”64.
CAPÍTULO 5
A COMUNHÃO DOS
DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS NA IGREJA
5.1 Chamados a viver em
comunhão
154. Jesus, no início de
seu ministério, escolhe os doze para viver em comunhão com Ele (cf. Mc 3,14).
Para favorecer a comunhão e avaliar a missão, Jesus lhes pede: “Venham só a um
lugar desabitado, para descansar um pouco” (Mc 6,31-320. Em outras
oportunidades Jesus se encontrará com eles para lhes explicar o mistério do
Reino (cf. Mc 4,11.33-34). Jesus age da mesma maneira com o grupo dos setenta e
dos discípulos (cf. Lc 10,17-20). Ao que parece, o encontro a sós indica que
Jesus quer lhes falar ao coração (cf. Os 2,14). Também hoje o encontro dos
discípulos com Jesus na intimidade é indispensável para alimentar a vida comunitária
e a atividade missionária.
155. Os discípulos de
Jesus são chamados a viver em comunhão com o Pai (1 Jo 1,30 e com seu Filho morto e ressuscitado, na
“comunhão no Espírito Santo” (1 Cor 13,13). O mistério da Trindade é a fonte, o
modelo e a meta do mistério da Igreja: “um povo reunido pela unidade do Pai do
Filho e do Espírito”, chamado em Cristo “como sacramento ou sinal e instrumento
da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”65. A comunhão dos fiéis e
das Igrejas locais do Povo de Deus se sustenta na comunhão com a Trindade.
157. Ao receber a fé e o
batismo, os cristãos acolhem a ação do Espírito Santo que leva a confessar a
Jesus como Filho de Deus e a chamar Deus “Abba”. Como todos os batizados e
batizadas da América Latina e do Caribe “através do sacerdócio comum do Povo de
Deus”67, somos chamados a viver e a transmitir a comunhão com a Trindade, pois
“a evangelização é um chamado à participação da comunhão trinitária”68.
158. Igual às primeiras
comunidades de cristãos, hoje nos reunimos assiduamente para “escutar o
ensinamento dos apóstolos, viver unidos e participar do partir do pão e nas
orações” (At 2,42). A comunhão da Igreja se nutre com o Pão da Palavra de Deus
e com o Pão do Corpo de Cristo. A Eucaristia, participação de todos no mesmo
Pão de Vida e no mesmo Cálice de Salvação, faz-nos membros do mesmo Corpo (cf.
1 Cor 10,17). Ela é a fonte e o ponto mais alto da vida cristã69, sua expressão
mais perfeita e o alimento da vida em comunhão. Na Eucaristia ,
nutrem-se as novas relações evangélicas que surgem do fato de sermos filhos e
filhas do Pai e irmãos e irmãs em Cristo. A Igreja que a celebra é “casa e escola
de comunhão”70 onde os discípulos compartilham a mesma fé, esperança e amor a
serviço da missão evangelizadora.
163. No povo de Deus “a
comunhão e a missão estão profundamente unidas entre si... A comunhão é missionária
e a missão é para a comunhão”76. Nas igrejas locais todos os membros do povo de
Deus, segundo suas vocações específicas, são convocados à santidade na comunhão
e na missão.
5.2 Lugares eclesiais
para a comunhão
5.2.1 A diocese, lugar
privilegiado da comunhão
165. Reunida e
alimentada pela Palavra e pela Eucaristia, a Igreja Católica existe e se
manifesta em cada Igreja
local, em comunhão com o Bispo de Roma78. Esta é, como afirma o Concílio “uma
porção do povo de Deus confiada a um bispo para que a apascente com seu
presbitério”79.
167. O amadurecimento no
seguimento de Cristo e a paixão por anunciá-lo requerem que a Igreja local se
renove constantemente em sua vida e ardor missionário. Só assim pode ser, para
todos os batizados, casa e escola de comunhão, de participação e solidariedade.
Em sua realidade social concreta, o discípulo tem a experiência do encontro com
Jesus Cristo vivo, amadurece sua vocação cristã, descobre a riqueza e a graça
de ser missionário e anuncia a palavra com alegria.
5.2.2 A paróquia,
comunidade de comunidades
170. Entre as
comunidades eclesiais nas quais vivem e se formam os discípulos e missionários
de Jesus Cristo as Paróquias sobressaem. Elas são células vivas da Igreja81 e o
lugar privilegiado no qual a maioria dos fiéis tem uma experiência concreta de
Cristo e a comunhão eclesial82. São chamadas a ser casas e escolas de
comunhão. Um dos maiores desejos que se tem expressado nas Igrejas da América
Latina e do Caribe motivando a preparação da V Conferência Geral, é o de uma
corajosa ação renovadora das Paróquias, a fim de que sejam de verdade “espaços
da iniciação cristã, da educação e celebração da fé, abertas à diversidade de
carismas, serviços e ministérios, organizadas de modo comunitário e
responsável, integradoras de movimentos de apostolado já existentes, atentas à
diversidade cultural de seus habitantes, abertas aos projetos pastorais e
supra-paroquiais e às realidades circundantes”83.
171. Todos os membros da
comunidade paroquial são responsáveis pela evangelização dos homens e mulheres
em cada ambiente. O Espírito Santo que atua em Jesus Cristo é também
enviado a todos enquanto membros da comunidade, porque sua ação não se limita
ao âmbito individual. A tarefa missionária se abre sempre às comunidades, assim
como ocorreu no Pentecostes (cf. At 2,1-13).
174. Os melhores
esforços das paróquias neste início do terceiro milênio devem estar na
convocação e na formação de missionários leigos. Só através da multiplicação
deles poderemos chegar a responder às exigências missionárias do momento atual.
Também é importante recordar que o campo específico da atividade evangelizadora
laica é o complexo mundo do trabalho, da cultura, das ciências e das artes, da
política, dos meios de comunicação e da economia, assim como as esferas da
família, da educação, da vida profissional, sobretudo nos contextos onde a
Igreja se faz presente somente por eles84.
175. Seguindo o exemplo
da primeira comunidade cristã (cf At 2,46-47), a comunidade paroquial se reúne
para partir o pão da Palavra e da Eucaristia e perseverar na catequese, na vida
sacramental e na prática da caridade85. Na celebração eucarística ela renova
sua vida em
Cristo. A Eucaristia , na qual se fortalece a comunidade dos
discípulos, é para a Paróquia uma escola de vida cristã. Nela, juntamente com a
adoração eucarística e com a prática do sacramento da reconciliação para
comungar dignamente, seus membros são preparados para dar frutos permanentes de
caridade, reconciliação e justiça para a vida do mundo.
a) A Eucaristia,
fonte e ponto alto da vida cristã, faz com que nossas paróquias sejam sempre
comunidades eucarísticas que vivem sacramentalmente o encontro com o Cristo
Salvador. Elas também celebram com alegria:
b) No batismo: a
incorporação de um novo membro a Cristo e a seu corpo que é a Igreja.
c) Na Confirmação:
a perfeição do caráter batismal e o fortalecimento do pertencimento eclesial e
do amadurecimento apostólico.
d) Na Penitência ou
Reconciliação: a conversão que todos necessitamos para combater o pecado, que
nos faz incoerentes com os compromissos batismais.
e) Na Unção dos
Enfermos; o sentido evangélico dos membros da comunidade, seriamente enfermos
ou em perigo de morte.
f) No sacramento da
Ordem: o dom do ministério apostólico que continua sendo exercido na Igreja
para o serviço pastoral de todos os fiéis.
g) No Matrimônio: o
amor entre o casal que como graça de Deus germina e cresce até a maturidade
tornando efetiva na vida cotidiana a doação total que mutuamente fizeram ao se
casar.
177. Bento XVI nos
recorda que “o amor à Eucaristia leva também a apreciar cada vez mais o
Sacramento da Reconciliação”87. Vivemos em uma cultura marcada por um forte
relativismo e uma perda do sentido do pecado que nos leva a esquecer a
necessidade do sacramento da Reconciliação que nos permite aproximar dignamente
para receber a Eucaristia. Como pastores, somos chamados a fomentar a confissão
freqüente. Convidamos nossos presbíteros a dedicar tempo suficiente para
oferecer o sacramento da reconciliação com zelo pastoral e entranhas de misericórdia,
a preparar dignamente os lugares da celebração, de maneira que sejam expressão
do significado deste sacramento. Igualmente, pedimos a nossos fiéis que
valorizem este presente maravilhoso de Deus e se aproximem dele para renovar a
graça batismal e viver, com maior autenticidade, o chamado de Jesus a serem
seus discípulos e missionários. Nós, bispos e presbíteros, ministros da
reconciliação, somos chamados a viver, de maneira particular, na intimidade com
o Mestre. Somos conscientes de nossa fraqueza e da necessidade de sermos
purificados pela graça do sacramento, que se nos oferece para nos identificar,
cada vez mais, com Cristo, Bom Pastor e missionário do Pai. Simultaneamente,
com plena disponibilidade, temos a alegria de ser ministros da reconciliação, e
da mesma maneira nos aproximamos freqüentemente, em um caminho penitencial, ao
Sacramento da Reconciliação.
5.2.2 Comunidades
Eclesiais de Base e Pequenas comunidades
178. Na experiência
eclesial de algumas igrejas da América Latina e do Caribe, as Comunidades
Eclesiais de Base tem sido escolas que tem ajudado a formar cristãos
comprometidos com sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como testemunhas
de uma entrega generosa, até mesmo com o derramar do sangue de muitos de seus
membros. Elas abraçam a experiência das primeiras comunidades, como estão
descritas nos Atos dos Apóstolos (At 2,42-47). Medellín reconheceu nelas uma
célula inicial de estruturação eclesial e foco de fé e evangelização88. Puebla
constatou que as pequenas comunidades, sobretudo as comunidades eclesiais de
base, permitiram ao povo chegar a um conhecimento maior da Palavra de Deus, ao
compromisso social em nome do Evangelho, ao surgimento de novos serviços leigos
e à educação da fé dos adultos89, no entanto, também constatou “que não tem
faltado membros de comunidade ou comunidades inteiras que, atraídas por
instituições puramente leigas ou radicalizadas ideologicamente, foram perdendo
o sentido eclesial90”.
179. As comunidades
eclesiais de base, no seguimento missionário de Jesus, têm a Palavra de Deus
como fonte de sua espiritualidade e a orientação de seus pastores como guia que
assegura a comunhão eclesial. Demonstram seu compromisso evangelizador e
missionário entre os mais simples e afastados e são expressão visível da opção
preferencial pelos pobres. São fonte e semente de vários serviços e ministérios
a favor da vida na sociedade e na Igreja. Mantendo-se em comunhão com seu Bispo
e inserindo-se no projeto pastoral diocesano, as CEBs se convertem em um sinal
de vitalidade na Igreja particular. Atuando, dessa forma, juntamente com os
grupos paroquiais, associações e movimentos eclesiais, podem contribuir para
revitalizar as paróquias fazendo das mesmas uma comunidade de comunidades. Em
seu esforço de corresponder aos desafios dos tempos atuais, as comunidades
eclesiais de base terão cuidado para não alterar o tesouro precioso da Tradição
e do Magistério da Igreja.
180. Como resposta às
exigências da evangelização, junto com as comunidades eclesiais de base,
existem outras formas válidas de pequenas comunidades, e inclusive redes de
comunidades, de movimentos, grupos de vida, de oração e de reflexão da palavra
de Deus. Todas as comunidades e grupos eclesiais darão fruto na medida em que a
Eucaristia seja o centro de sua vida e a Palavra de Deus seja o farol de seu
caminho e sua atuação na única Igreja de Cristo.
5.2.4 As Conferências
Episcopais e a comunhão entre as Igrejas
181. Os bispos, além do
serviço à comunhão que prestam em suas igrejas locais, exercem este ofício junto
com as outras igrejas diocesanas. Deste modo, realizam e manifestam o vínculo
de comunhão que as une entre si. Esta experiência de comunhão episcopal,
sobretudo depois do Concílio Vaticano II, deve ser entendida como um encontro
com o Cristo vivo, presente nos irmãos que estão reunidos em seu nome91. Para
crescer nessa fraternidade e na co-responsabilidade pastoral, os bispos devem
cultivar a espiritualidade da comunhão, a fim de acrescentar os vínculos de
colegialidade que os unem aos demais bispos de sua própria Conferência, e
também a todo o Colégio Episcopal e à Igreja de Roma, presidida pelo sucessor
de Pedro: cum Petro et sub Petro92. Na Conferência Episcopal, os bispos
encontram seu espaço de discernimento solidário sobre os grandes problemas da sociedade
e da Igreja e o estímulo para oferecer orientações pastorais que animem os
membros do Povo de Deus a assumirem com fidelidade e decisão sua vocação de
serem discípulos missionários.
182. O Povo de Deus se
constrói como uma comunhão de Igrejas locais e, através delas, como um
intercâmbio entre as culturas. Neste marco, os bispos e as Igrejas locais
expressam sua solicitude para com todas as Igrejas, especialmente para com mais
próximas, reunidas nas províncias eclesiásticas, nas conferências regionais e
em outras formas de associação interdiocesana no interior de cada Nação ou
entre países de uma mesma Região ou Continente. Estas várias formas de comunhão
estimulam com vigor as “relações de irmandade entre as dioceses e as
paróquias”93 e fomentam “uma maior cooperação entre as igrejas irmãs”94.
183. O CELAM é um
organismo eclesial de fraterna ajuda episcopal, cuja preocupação fundamental é
colaborar para a evangelização do Continente. Ao longo de seus 50 anos têm
oferecido serviços muito importantes às Conferências Episcopais e às nossas
Igrejas locais, entre as quais destacamos as Conferências Gerais, os Encontros
Regionais, os Seminários de estudo, em seus diversos organismos e instituições.
O resultado de todo este esforço é uma perceptível fraternidade entre os bispos
do Continente e uma reflexão teológica e uma linguagem pastoral comuns que
favorecem a comunhão e o intercâmbio entre as Igrejas.
5.3. Discípulo
missionários com vocações específicas
185. No fiel cumprimento
de sua vocação batismal, o discípulo deve levar em consideração os desafios que
o mundo de hoje apresenta à Igreja de Jesus, entre outros: o êxodo de fiéis
para seitas e outros grupos religiosos; as correntes culturais contrárias a
Cristo e a Igreja; a desmotivação de sacerdotes frente ao vasto trabalho
pastoral; a escassez de sacerdotes em muitos lugares; a mudança de paradigmas
culturais; o fenômeno da globalização e a secularização; os graves problemas de
violência, pobreza e injustiça; a crescente cultura da morte que afeta a vida
em todas as suas formas.
5.3.1 Os bispos,
discípulos missionários de Jesus Sumo Sacerdote
186. Os bispos, como
sucessores dos apóstolos junto com o Sumo Pontífice e sob sua autoridade95, com
fé e esperança aceitamos a vocação de servir ao Povo de Deus, conforme o
coração de Cristo, o Bom Pastor. Junto com todos os fiéis e em virtude do
batismo somos, antes de mais nada, discípulos e membros do Povo de Deus. Como
todos os batizados e, junto com eles, queremos seguir a Jesus, Mestre de
vida e de verdade, na comunhão da Igreja. Como Pastores, servidores do
Evangelho, somos conscientes de termos sido chamados a viver o amor a Jesus
Cristo e à Igreja na intimidade da oração e da doação de nós mesmos aos irmãos
e irmãs, a quem presidimos na caridade. É como disse santo Agostinho: com vocês
sou cristão, para vocês sou bispo.
187. O Senhor nos chama
a promover por todos os meios a caridade e a santidade dos fiéis.
Empenhamo-nos para que o povo de Deus cresça na graça mediante os sacramentos
presididos por nós mesmos e pelos demais ministros ordenados. Somos chamados a
ser mestres da fé e, portanto, a anunciar a Boa Nova, que é fonte de esperança
para todos e a velar e promover com solicitude e coragem a fé católica. Em
virtude da íntima fraternidade que provêm do sacramento da Ordem, temos o dever
de cultivar de maneira especial os vínculos que nos unem a nossos presbíteros e
diáconos. Servimos a Cristo e à Igreja mediante o discernimento da vontade do
Pai, para refletir o Senhor em nosso modo de pensar, de sentir, de falar e de
se comportar em meio aos homens. Em síntese, os bispos têm de ser testemunhas
próximas e alegres de Jesus Cristo, Bom Pastor (cf. Jo 10,1-18).
188. Os bispos, como
pastores e guias espirituais das comunidades a nós encomendadas, são chamados a
“fazer da Igreja uma casa e escola de comunhão”96. Como animadores da comunhão,
temos a missão de acolher, discernir e animar carismas, ministérios e serviços
na Igreja. Como padres e centro da unidade, esforçamo-nos por apresentar ao
mundo o rosto de uma Igreja na qual todos se sintam acolhidos como em sua
própria casa. Para todo o Povo de Deus, em especial para os presbíteros,
procuramos ser padres, amigos e irmãos sempre abertos ao diálogo, especialmente
para os presbíteros.
189. Para crescer nestas
atitudes, os bispos precisam procurar a união constante com o Senhor, cultivar
a espiritualidade de comunhão com todos os que crêem em Cristo e promover os
vínculos de colegialidade que os unem ao Colégio Episcopal, particularmente com
seu cabeça, o Bispo de Roma. Não podemos esquecer que o bispo é princípio e
construtor da unidade de sua Igreja Local e santificador de seu povo,
testemunha de esperança e padre dos fiéis, especialmente dos pobres, e que sua
principal tarefa é ser mestres da fé, anunciador da Palavra de Deus e da
administração dos sacramentos, como servidores da grei.
190. Todo o Povo de Deus
deve agradecer aos Bispos eméritos que, como pastores têm entregado sua vida a
serviço do Reino de Deus, sendo discípulos e missionários. A eles acolhemos com
carinho e aproveitamos sua vasta experiência apostólica que, não obstante, pode
produzir muitos frutos. Eles mantêm profundos vínculos com as dioceses que lhes
foram confiadas às quais estão unidos por sua caridade e sua oração.
5.3.2 Os presbíteros,
discípulos missionários de Jesus Bom Pastor
5.3.2.1 Identidade e
missão dos presbíteros
191. Valorizamos e
agradecemos com alegria que a imensa maioria dos presbíteros vivam seu
ministério com fidelidade e sejam modelo para os demais, que separem tempo para
sua formação permanente, que cultivem uma vida espiritual que estimule os
demais presbíteros e seja centrada na escuta da palavra de Deus e na celebração
diária da Eucaristia: “Minha Missa é minha vida e minha vida é uma Missa
prolongada!”97. Agradecemos também àqueles que foram enviados a outras Igrejas
motivados por um autêntico sentido missionário.
192. Um olhar ao nosso
momento atual nos mostra situações que afetam e desafiam a vida e o ministério
de nossos presbíteros. Entre outras coisas, a identidade teológica do
ministério presbiterial, sua inserção na cultura atual e situações que incidem
em sua existência.
193. O primeiro desafio
tem relação com a identidade teológica do ministério presbiterial. O Concílio
Vaticano II estabelece o sacerdócio ministerial a serviço do sacerdócio comum
dos fiéis, e cada um, ainda que de maneira qualitativamente diferente,
participa do único sacerdócio de Cristo98. Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote,
tem-nos redimido e nos permitido participar de sua vida divina. N’Ele, somos
todos filhos do mesmo Pai e irmãos entre nós. O sacerdote não pode cair na
tentação de se considerar somente um mero delegado ou só um representante da
comunidade, mas sim em ser um dom para ela, pela unção do Espírito e por sua
especial união com Cristo. “Todo Sumo Sacerdote é tomado dentre os homens e
colocado para intervir a favor dos homens em tudo aquilo que se refere ao
serviço de Deus” (Hb 5,1).
194. O segundo desafio
se refere ao ministério do presbítero inserido na cultura atual. O presbítero é
chamado a conhecê-la para semear nela a semente do Evangelho, ou seja, para que
a mensagem de Jesus chegue a ser uma interpelação válida, compreensível, cheia
de esperança e relevante para a vida do homem e da mulher de hoje,
especialmente para os jovens. Este desafio inclui a necessidade de
potencializar adequadamente a formação inicial e permanente dos presbíteros, em
suas quatro dimensões; humana, espiritual, intelectual e pastoral99.
195. O terceiro desafio
se refere aos aspectos vitais e afetivos, ao celibato e a uma vida espiritual
intensa fundada na caridade pastoral, que se nutre na experiência pessoal com
Deus e na comunhão com os irmãos; também o cultivo de relações fraternas com o
Bispo, com os demais presbíteros da diocese e com os leigos. Para que o
ministério do presbítero seja coerente e testemunhal, ele deve amar e realizar
sua tarefa pastoral em comunhão com o bispo e com os demais presbíteros da diocese.
O ministério sacerdotal que brota da Ordem Sagrada tem uma “radical forma
comunitária” e só pode ser desenvolvido como uma “tarefa coletiva”100. O
sacerdote deve ser homem de oração, maduro em sua opção de vida por Deus, fazer
uso dos meios de perseverança, como o Sacramento da confissão, da devoção à
Santíssima Virgem, da mortificação e da entrega apaixonada por sua missão
pastoral.
196. Em particular, o
presbítero é convidado a valorizar o celibato, como um dom de Deus, que lhe
possibilita uma especial configuração com o estilo de vida do próprio Cristo e
o faz sinal de sua caridade pastoral na entrega a Deus e aos homens com o
coração pleno e indivisível. “Na verdade, esta opção do sacerdote é uma
expressão singular da entrega que o configura com Cristo e da entrega de si
mesmo pelo Reino de Deus”101. O celibato solicita assumir com maturidade a
própria afetividade e sexualidade, vivendo-as com serenidade e alegria em um
caminho comunitário102.
197. Outros desafios são
de caráter estrutural, como por exemplo, a existência de paróquias muito
grandes que dificultam o exercício de uma pastoral adequada: paróquias muito
pobres que fazem com que os pastores se dediquem a outras tarefas para poder
subsistir; paróquias situadas em regiões de extrema violência e insegurança e a
falta e má distribuição de presbíteros nas Igrejas do Continente.
198. O presbítero, a
imagem do Bom Pastor, é chamado a ser homem de misericórdia e de compaixão,
próximo a seu povo e servidor de todos, particularmente dos que sofrem grandes
necessidades. A caridade pastoral, fonte da espiritualidade sacerdotal, anima e
unifica sua vida e ministério. Consciente de suas limitações, ele valoriza a
pastoral orgânica e se insere com gosto em seu presbitério.
199. O Povo de Deus
sente a necessidade de presbíteros-discípulos: que tenham uma profunda
experiência de Deus, configurados com o coração do Bom Pastor, dóceis às
orientações do Espírito, que se nutram da Palavra de Deus, da Eucaristia e da
oração; de presbíteros-missionários; movidos pela caridade pastoral: que os
leve a cuidar do rebanho a eles confiados e a procurar aos mais distanciados
pregando a Palavra de Deus, sempre em profunda comunhão com seu Bispo, os
presbíteros, diáconos, religiosos, religiosas e leigos; de presbíteros-servis
da vida: que estejam atentos às necessidades dos mais pobres, comprometidos na
defesa dos direitos dos mais fracos e promotores da cultura da solidariedade.
Também de presbíteros cheios de misericórdia, disponíveis para administrar o
sacramento da reconciliação.
200. Tudo isto requer
que as Dioceses e as Conferências Episcopais desenvolvam uma pastoral
presbiteral que privilegie a espiritualidade específica e a formação permanente
e integral dos sacerdotes. A Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis, enfatiza
que: “A formação permanente, precisamente porque é “permanente”, deve
acompanhar os sacerdotes sempre, isto é, em qualquer período e situação de sua
vida, assim como nos diversos cargos de responsabilidade eclesial que sejam
confiados a eles; tudo isso, levando em consideração, naturalmente, as
possibilidades e características próprias da idade, condições de vida e tarefas
encomendadas”103. Levando em consideração o número de presbíteros que
abandonaram o ministério, cada Igreja local deve procurar estabelecer com eles
relações de fraternidade e de mútua colaboração conforme as normas prescritas
pela Igreja.
5.3.2.2 Os párocos,
animadores de uma comunidade de discípulos missionários
202. Mas, sem dúvida,
não basta a entrega generosa do sacerdote e das comunidades de religiosos.
Requer-se que todos os leigos se sintam co-responsáveis na formação dos
discípulos e na missão. Isto supõe que os párocos sejam promotores e animadores
da diversidade missionária e que dediquem tempo generosamente ao sacramento da
reconciliação. Uma paróquia renovada multiplica as pessoas que realizam
serviços e acrescenta os ministérios. Igualmente, neste campo, se requer
imaginação para encontrar resposta aos muitos e sempre mutáveis desafios que a
realidade coloca, exigindo novos serviços e ministérios. A integração de todos
eles na unidade de um único projeto evangelizador é essencial para assegurar
uma comunhão missionária.
203. Uma paróquia,
comunidade de discípulos missionários, requer organismos que superem qualquer
tipo de burocracia. Os Conselhos pastorais paroquiais terão que estar formados
por discípulos missionários constantemente preocupados em chegar a todos. O
Conselho de assuntos Econômicos junto a toda a comunidade paroquial, trabalhará
para obter os recursos necessários, de maneira que a missão avance e se faça
realidade em todos os ambientes. Estes e todos os organismos precisam estar
animados por uma espiritualidade de comunhão missionária: “Sem este caminho
espiritual de pouco serviriam os instrumentos externos da comunhão. Mais do que
modos de expressão e de crescimento, esses instrumentos se tornariam meios sem
alma, máscaras de comunhão”104.
204. Dentro do
território paroquial, a família cristã é a primeira e mais básica comunidade
eclesial. Nela são vividos e transmitidos os valores fundamentais da vida
cristã. Ela é chamada de “Igreja Doméstica”105. Ali, os pais desempenham o
papel de primeiros transmissores da fé a seus filhos, ensinando-lhes através do
exemplo e da palavra, a serem verdadeiros discípulos missionários. Ao mesmo
tempo, quando esta experiência de discipulado missionário é autêntica, “uma
família se faz evangelizadora de muitas outras famílias e do ambiente em que
ela vive”106. Isto opera na vida diária “dentro e através dos atos, das
dificuldades, dos acontecimentos da existência de cada dia”107. O espírito, que
tudo faz, novo atua inclusive dentro de situações irregulares nas quais se
realiza um processo de transmissão de fé, mas temos de reconhecer que, nas
atuais circunstâncias, às vezes este processo se encontra com muitas
dificuldades. Não se propõe que a Paróquia chegue só a sujeitos afastados, mas
à vida de todas as famílias, para fortalecer sua dimensão missionária.
5.3.3 Os diáconos
permanentes, discípulos de Jesus Servo
205. Alguns discípulos e
missionários do Senhor são chamados a servir à Igreja como diáconos
permanentes, fortalecidos, em sua maioria, pela dupla sacramentalidade do
matrimônio e da Ordem. Eles são ordenados para o serviço da Palavra, da
caridade e da liturgia, especialmente para os sacramentos do batismo e do
Matrimônio; também para acompanhar a formação de novas comunidades eclesiais,
especialmente nas fronteiras geográficas e culturais, onde ordinariamente não
chega a ação evangelizadora da Igreja.
206. Cada diácono
permanente deve cultivar esmeradamente sua inserção no corpo diaconal, em fiel
comunhão com seu bispo e em estreita unidade com os presbíteros e os demais
membros do povo de Deus. Quando estão a serviço de uma paróquia, é necessário
que os diáconos e presbíteros procurem o diálogo e trabalhem em comunhão.
207. Eles devem receber
uma adequada formação humana, espiritual, doutrinal e pastoral com programas
adequados, que levem em consideração – no caso dos que estão casados – à esposa
e sua família. Sua formação os habilitará a exercer seu ministério com fruto
nos campos da evangelização, da vida das comunidades, da liturgia e da ação
social, especialmente com os mais necessitados, dando assim, testemunho de
Cristo servindo ao lado dos enfermos, dos que sofrem, dos migrantes e
refugiados, dos excluídos e das vítimas da violência e encarcerados.
5.3.4 Os fiéis leigos e
leigas, discípulos e missionários de Jesus, Luz do Mundo
209. Os fiéis leigos são
“os cristãos que estão incorporados a Cristo pelo batismo, que formam o povo de
Deus e participam das funções de Cristo: sacerdote, profeta e rei. Eles
realizam, segundo sua condição, a missão de todo o povo cristão na Igreja e no
mundo”108. São “homens da Igreja no coração do mundo, e homens do mundo no
coração da Igreja”109.
210. Sua missão própria
e específica se realiza no mundo, de tal modo que, com seu testemunho e sua
atividade, eles contribuam para a transformação das realidades e para a criação
de estruturas justas segundo os critérios do Evangelho. “O espaço próprio de sua
atividade evangelizadora é o mundo vasto e complexo da política, da realidade
social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da
vida internacional, dos ‘mass media’, e outras realidades abertas à
evangelização, como são o amor, a família, a educação das crianças e
adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento”110. Além disso, eles tem
o dever de fazer crível a fé que professam, mostrando a autenticidade e
coerência em sua conduta.
211. Os leigos também
são chamados a participar na ação pastoral da Igreja, primeiro com o testemunho
de sua vida e, em segundo lugar, com ações no campo da evangelização, da vida
litúrgica e outras formas de apostolado segundo as necessidades locais sob a
orientação de seus pastores. Eles estarão dispostos a abrir para eles espaços
de participação e a confiar ministérios e responsabilidades em uma Igreja onde todos
vivam de maneira responsável seu compromisso cristão. Aos catequistas,
delegados da Palavra e animadores de comunidades que cumprem uma magnífica
tarefa dentro da Igreja111, reconhecemos e animamos a continuarem o compromisso
que adquiriram no batismo e na confirmação.
212. Para cumprir sua
missão com responsabilidade pessoal, os leigos necessitam de uma sólida
formação doutrinal, pastoral, espiritual e um adequado acompanhamento para
darem testemunho de Cristo e dos valores do reino no âmbito da vida social,
econômica, política e cultural.
213. Hoje, toda a Igreja
na América e no Caribe querem se colocar em estado de missão. A evangelização
do Continente, nos dizia o papa João Paulo II, não pode se realizar hoje sem a
colaboração dos fiéis leigos112. Eles hão de ser parte ativa e criativa na
elaboração e execução de projetos pastorais a favor da comunidade. Isto exige,
da parte dos pastores, uma maior abertura de mentalidade para que entendam e
acolham o “ser” e o “fazer” do leigo na Igreja, que por seu batismo e sua
confirmação, é discípulo e missionário de Jesus Cristo. Em outras palavras, é
necessário que o leigo seja levado em consideração com um espírito de comunhão
e de participação113.
214. Neste contexto é um
sinal de esperança, o fortalecimento de várias associações leigas, movimentos
apostólicos eclesiais e caminhos de formação cristã, comunidades eclesiais e
novas comunidades, que devem ser apoiados pelos pastores. Eles ajudam muitos
batizados e muitos grupos missionários a assumir com maior responsabilidade sua
identidade cristã e colaborar mais ativamente na missão evangelizadora. Nas
últimas décadas, várias associações e movimentos apostólicos laicos
desenvolveram um forte protagonismo. Por isso, um adequado discernimento,
incentivo, coordenação e condução pastoral, sobretudo da parte dos sucessores
dos Apóstolos, contribuirá para ordenar este dom para a edificação da única Igreja114.
215. Reconhecemos o
valor e a eficiência dos Conselhos paroquiais, Conselhos diocesanos e nacionais
de fiéis leigos, porque incentivam a comunhão e a participação na Igreja e sua
presença ativa no mundo. A construção da cidadania no sentido mais amplo e a
construção de eclesialidade nos leigos, é um só e único movimento.
5.3.5 Os consagrados e
consagradas, discípulos missionários de Jesus, Testemunha do Pai
217. Em comunhão com os
pastores, os consagrados e consagradas são chamados a fazer de seus lugares de
presença, de sua vida fraterna em comunhão e de suas obras, lugares de anúncio
explícito do Evangelho, principalmente aos mais pobres, como tem sido em nosso
continente desde o início da evangelização. Deste modo, segundo seus carismas
fundacionais, eles colaboram com a gestação de uma nova geração de cristãos
discípulos e missionários e de uma sociedade onde se respeite a justiça e a
dignidade da pessoa humana.
219. Em um continente no
qual se manifestam sérias tendências de secularização, também na vida
consagrada, os religiosos são chamados a dar testemunho da absoluta primazia de
Deus e de seu reino. A vida consagrada se converte em testemunha do Deus da
vida em uma realidade que relativiza seu valor (obediência), é testemunha de
liberdade frente ao mercado e às riquezas que valorizam as pessoas pelo ter
(pobreza), e é testemunha de uma entrega no amor radical e livre a Deus e à
humanidade frente à erotização e banalização das relações (castidade).
220. Na atualidade da
América latina e do caribe, a vida consagrada é chamada a ser uma vida
discipular, apaixonada por Jesus-caminho ao Pai misericordioso, e por isso, de
caráter profundamente místico e comunitário. É chamada a ser uma vida
missionária, apaixonada pelo anúncio de Jesus-verdade do Pai, por isso mesmo,
radicalmente profética, capaz de mostrar a luz de Cristo às sombras do mundo
atual e os caminhos de uma vida nova, para o que se requer um profetismo que
aspire até a entrega da vida em continuidade com a tradição de santidade e
martírio de tantas e tantos consagrados ao longo da história do Continente. E,
a serviço do mundo, uma vida apaixonada por Jesus-vida do Pai, que se faz
presente nos mais pequenos e nos últimos a quem serve, a partir do próprio
carisma e espiritualidade.
221. De maneira especial,
a América latina e o Caribe necessitam da vida contemplativa, testemunha de que
só deus basta para preencher a vida de sentido e de alegria. “Em um mundo que
continua perdendo o sentido do divino, diante da supervalorização do material,
vocês queridas religiosas, comprometidas desde seus claustros a serem
testemunhas dos valores pelos quais vivem, sejam testemunhas do Senhor para o
mundo de hoje, infundam com sua oração um novo sopro de vida na Igreja e no
homem atual”118.
222. O Espírito segue
despertando novas formas de vida consagrada nas Igrejas, aos quais necessitam
ser acolhidas e acompanhadas em seu crescimento e desenvolvimento no interior
das Igrejas locais. O Bispo precisa usar um discernimento sério e ponderado
sobre seu sentido, necessidade e autenticidade. Os Pastores valorizam como um
inestimável dom a virgindade consagrada, daqueles que se entregam a Cristo e a
sua Igreja com generosidade e coração indivisível, e se propõem velar por sua
formação inicial e permanente.
223. As Confederações de
Institutos Seculares (CISAL) e de religiosas e religiosos (CLAR) e as
Conferências Nacionais são estruturas de serviço e de animação que, em
autêntica comunhão com os Pastores e sob sua orientação, em um diálogo fecundo
e amistoso119, estão convocadas a estimular seus membros a realizarem a missão
como discípulos e missionários a serviço do reino de Deus120.
224. Os povos
latino-americanos e caribenhos esperam muito da vida consagrada, especialmente
do testemunho e contribuição das religiosas contemplativas e de vida apostólica
que, junto aos demais irmãos religiosos, membros de Institutos Seculares e
Sociedades de Vida Apostólica, mostram o rosto materno da Igreja. Seu desejo de
escuta, acolhida e serviço, e seu testemunho dos valores alternativos do Reino,
mostram que uma nova sociedade latino-americana e caribenha, fundada em Cristo,
é possível121.
5.4 Os que deixaram a
Igreja para se unir a outros grupos religiosos
225. Segundo nossa
experiência pastoral, muitas vezes, a pessoa sincera que sai de nossa Igreja
não o faz pelo que os grupos “não católicos” crêem, mas, fundamentalmente por
causa de como eles vivem; não por razões doutrinais, mas vivenciais; não por
motivos estritamente dogmáticos, mas pastorais; não por problemas teológicos,
mas metodológicos de nossa Igreja. Esperam encontrar respostas a suas
inquietações. Procuram, não sem sérios perigos, responder a algumas aspirações
que, quem sabe, não têm encontrado, como deveria ser, na Igreja.
226. Em nossa Igreja temos de
reforçar quatro eixos:
a) A experiência
religiosa. Em nossa
Igreja devemos oferecer a todos os nossos fiéis um “encontro
pessoal com Jesus Cristo”, uma experiência religiosa profunda e intensa, um
anúncio kerigmático e o testemunho pessoal dos evangelizadores, que leve a uma
conversão pessoal e a uma mudança de vida integral.
b) A vivência
comunitária. Nossos fiéis procuram comunidades cristãs, onde sejam acolhidos
fraternalmente e se sintam valorizados, visíveis e eclesialmente incluídos. É
necessário que nossos fiéis se sintam realmente membros de uma comunidade
eclesial e co-responsáveis em seu desenvolvimento. Isso permitirá um maior
compromisso e entrega em e pela Igreja.
c) A formação
bíblico-doutrinal. Junto a uma forte experiência religiosa e uma destacada
convivência comunitária, nossos fiéis necessitam aprofundar o conhecimento da
Palavra de Deus e os conteúdos da fé, visto que esta é a única maneira de
amadurecer sua experiência religiosa. Neste caminho acentuadamente vivencial e
comunitário, a formulação doutrinal não se experimenta como um conhecimento
teórico e frio, mas como uma ferramenta fundamental e necessária no crescimento
espiritual, pessoal e comunitário.
d) O compromisso
missionário de toda a comunidade. Ela sai ao encontro dos afastados,
interessa-se por sua situação, a fim de reencantá-los com a Igreja e
convidá-los a novamente se envolverem com ela.
5.5 Diálogo ecumênico e
interreligioso
5.5.1 Diálogo ecumênico
para que o mundo creia
228. O ecumenismo não se
justifica por uma exigência simplesmente sociológica mas evangélica, trinitária
e batismal: “expressa a comunhão real, ainda que imperfeita” que já existe
entre “os que foram regenerados pelo batismo” e o testemunho concreto de
fraternidade123. O Magistério insiste no caráter trinitário e batismal do esforço
ecumênico, onde o o diálogo emerge como atitude espiritual e prática, em um
caminho de conversão e reconciliação. Só assim chegará “o dia em poderemos
celebrar, junto com todos os que crêem em Cristo, a divina Eucaristia”124. Uma
via fecunda para avançar para a comunhão é recuperar em nossas comunidades o
sentido do compromisso do Batismo.
229. Hoje, faz-se
necessário reabilitar a autêntica apologética que faziam os pais da Igreja como
explicação da fé. A apologética não tem porque ser negativa ou meramente
defensiva per se. Implica, na verdade, a capacidade de dizer o que está em
nossas mentes e corações de forma clara e convincente, como disse São Paulo
“fazendo a verdade na caridade” (Ef 4,15). Mais do que nunca os discípulos e
missionários de Cristo de hoje necessitam de uma apologética renovada para que
todos possam ter vida n’Ele.
230. Às vezes esquecemos
que a unidade é, antes de tudo, um dom do Espírito Santo, e oramos pouco por
esta intenção. “Esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente
com as orações particulares e públicas pela unidade dos cristãos, hão de ser
considerado como a alma de todo o movimento ecumênico e com razão pode se
chamar ecumenismo espiritual”125.
231. Faz mais de
quarenta anos que o Concílio vaticano II reconheceu a ação do Espírito Santo no
movimento pela unidade dos cristãos. Desde então, temos colhido muitos frutos.
Neste campo, necessitamos de mais agentes de diálogo e melhor qualificados. É
bom tornar mais conhecidas as declarações que a própria Igreja Católica tem
subscrito no campo do ecumenismo desde o Concílio. Os diálogos bilaterais e
multilaterais têm produzido bons frutos. Também é oportuno estudar o Diretório
ecumênico e suas indicações em relação a catequese, a liturgia, a formação
presbiteral e a pastoral126. A mobilidade humana, característica do mundo
atual, pode ser ocasião propícia para o diálogo ecumênico da vida127.
232. Em nosso contexto,
o surgimento de novos grupos religiosos, mais a tendência a confundir o
ecumenismo com o diálogo interreligioso, tem causado obstáculos na conquista de
maiores frutos no diálogo ecumênico. Por isso mesmo, incentivamos os ministros
ordenados, aos leigos e á vida consagrada a participarem de organismos
ecumênicos com uma cuidadosa preparação e um esmerado seguimento dos pastores e
realizarem ações conjuntas nos diversos campos da vida eclesial, pastoral e
social. Na verdade, o contato ecumênico favorece a estima recíproca, convoca á
escuta comum da palavra de Deus e chama à conversão aqueles que se declaram discípulos
e missionários de Jesus Cristo. Esperamos que a promoção da unidade dos
cristãos, assumida pelas Conferências Episcopais, consolide-se e frutifique sob
a luz do espírito Santo.
233. Nesta nova etapa
evangelizadora, queremos que o diálogo e a cooperação ecumênica se encaminhem
para despertar novas formas de discipulado e missão em comunhão. Cabe
observar que onde se estabelece o diálogo, diminui o proselitismo, cresce o
conhecimento recíproco e o respeito e se abrem possibilidades de testemunho comum.
234. Como resposta
generosa à oração do Senhor “para que todos sejam um” (Jo 17,21), os Papas nos
tem incentivado a avançar pacientemente no caminho da unidade. João Paulo II
nos exorta: “No corajoso caminho para a unidade, a clareza e prudência da fé nos
conduzem a evitar o falso irenismo e o desinteresse pelas normas da Igreja.
Inversamente, a mesma clareza e a mesma prudência nos recomendam evitar a
indiferença na busca da unidade e, mais ainda, a posição pré-concebida ou o
derrotismo que tende a ver tudo como negativo”128. Bento XVI abriu seu
pontificado dizendo: “Não bastam as manifestações de bons sentimentos. Fazem
falta gestos concretos que penetrem nos espíritos e sacudam as consciências,
impulsionando cada um à conversão interior, que é o fundamento de todo
progresso no caminho do ecumenismo”129.
5.5.2 relação com o
judaísmo e diálogo interreligioso
235. Reconhecemos com
gratidão os laços que nos relacionam com o povo judeu, que nos une na fé no
único Deus e sua palavra revelada no Antigo Testamento130. São nossos “irmãos
maiores” na fé de Abraão, Isaque e Jacó. Dói em nós a história de desencontros
que eles tem sofrido, também em nossos países. São muitas as causas comuns que
na atualidade exigem maior colaboração e respeito mútuo.
236. Pelo sopro do
Espírito Santo e outros meios conhecidos de Deus, a graça de Cristo pode
alcançar a todos os que Ele redimiu, além da comunidade eclesial, porém de
modos diferentes131. Explicitar e promover esta salvação já operante no mundo é
uma das tarefas da Igreja com respeito às palavras do Senhor: “Sejam minhas
testemunhas até os extremos da terra” (At 1,8).
237. O diálogo
interreligioso, em especial com as religiões monoteístas, fundamenta-se
justamente na missão que Cristo nos confiou, solicitando a sábia articulação
entre o anúncio e o diálogo como elementos constitutivos da evangelização132.
Com tal atitude, a Igreja, “sacramento universal de salvação”133, reflete a luz
de Cristo que “ilumina a todo homem” (Jo 1,9). A presença da Igreja entre as
religiões não cristãs é feita de empenho, discernimento e testemunho, apoiados
na fé, esperança e caridade teologais134.
238. Mesmo quando o
subjetivismo e a identidade pouco definida de certas propostas dificultam os
contatos, isso não nos permite abandonar o compromisso e a graça do diálogo135.
Em lugar de desistir, é necessário investir no conhecimento das religiões, no
discernimento teológico-pastoral e na formação de agentes competentes para o
diálogo interreligioso, atendendo às diferentes visões religiosas presentes nas
culturas de nosso continente. O diálogo interreligioso não significa que deixar
de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo aos povos não cristãos, mas com mansidão
e respeito por suas convicções religiosas.
239. O diálogo
interreligioso, além de seu caráter teológico, tem um especial significado na
construção da nova humanidade: abre caminhos inéditos de testemunho cristão,
promove a liberdade e dignidade dos povos, estimula a colaboração para o bem
comum, supera a violência motivada por atitudes religiosas fundamentalistas,
educa para a paz e para a convivência cidadã: é um campo de bem-aventuranças
que são assumidas pela Doutrina Social da Igreja.
CAPÍTULO 6
O CAMINHO DE FORMAÇÃO
DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
6.1 Uma espiritualidade
trinitária do encontro com Jesus Cristo
240. Uma autêntica
proposta de encontro com Jesus Cristo deve se estabelecer sobre o sólido
fundamento da Trindade-Amor. A experiência de um Deus uno e trino, que é
unidade e comunhão inseparável, permite-nos superar o egoísmo para nos
encontrar plenamente no serviço para com o outro. A experiência batismal é o
ponto de início de toda espiritualidade cristã que se funda na Trindade.
241. É Deus Pai que nos
atrai por meio da entrega eucarística de seu Filho (cf. Jo 6,44), dom de amor
com o qual saiu ao encontro de seus filhos, para que, renovados pela
força do Espírito, possamos chamá-lo de Pai: “Quando chegou a plenitude
dos tempos, Deus enviou seu próprio Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o
domínio da lei, para nos libertar do domínio da lei e fazer com que
recebêssemos a condição de filhos adotivos de Deus. E porque já somos filhos,
Deus enviou o Espírito de seu Filho a nossos corações e o Espírito clama: Abbá!
Pai!” (Gl 4,4-5). Trata-se de uma nova criação, onde o amor do Pai, do Filho e
do Espírito Santo, renova a vida das criaturas.
242. Na história do amor
trinitário, Jesus de Nazaré, homem como nós e Deus conosco, morto e
ressuscitado, nos é dado como Caminho, Verdade e Vida. No encontro de fé com o
inaudito realismo de sua Encarnação, podemos ouvir, ver com nossos olhos,
contemplar e tocar com nossas mãos a Palavra de vida (cf. 1 Jo 1,1),
experimentamos que “o próprio Deus vai atrás da ovelha perdida, a humanidade
doente e extraviada. Quando em suas parábolas Jesus fala do pastor que vai
atrás da ovelha desgarrada, da mulher que procura a dracma, do pai que sai ao
encontro de seu filho pródigo e o abraça, não se trata só de meras palavras,
mas da explicação de seu próprio ser e agir”136. Esta prova definitiva de amor
tem o caráter de um esvaziamento radical (kenosis), porque Cristo “se humilhou
a si mesmo fazendo-se obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,8).
6.1.1 O encontro com
Jesus Cristo
243. O acontecimento de
Cristo é, portanto, o início desse sujeito novo que surge na história e a quem
chamamos discípulo: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma
grande idéia, mas através do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que
dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”137. Isto é
justamente o que, com apresentações diferentes, todos os evangelhos nos tem
conservado como sendo o início do cristianismo: um encontro de fé com a pessoa
de Jesus (cf. Jo 1,35-39).
245. No hoje do nosso
continente latino-americano, levanta-se a mesma pergunta cheia de expectativa:
“Mestre, onde vives?” (Jo 1,38), onde te encontramos de maneira adequada para
“abrir um autêntico processo de conversão, comunhão e solidariedade?”138 Quais
são os lugares, as pessoas, os dons que nos falam de ti, que nos colocam em
comunhão contigo e nos permitem ser discípulos e teus missionários?
6.1.2 Lugares de
encontro com Jesus Cristo
246. O encontro com
Cristo, graças à ação invisível do Espírito Santo, realiza-se na fé recebida e
vivida na Igreja. Com as palavras do papa Bento XVI repetimos com certeza: “A
Igreja é nossa casa! Esta é nossa casa” Na Igreja católica temos tudo o que é
bom, tudo o que é motivo de segurança e de consolo! Quem aceita a Cristo:
Caminho, Verdade e Vida, em sua totalidade, tem garantida a paz e a felicidade,
nesta e na outra vida!”139.
247. Encontramos Jesus
na Sagrada Escritura, lida na Igreja. A Sagrada Escritura, “Palavra de Deus
escrita por inspiração do Espírito Santo”140, é, com a Tradição, fonte de vida
para a Igreja e alma de sua ação evangelizadora. Desconhecer a Escritura é
desconhecer Jesus Cristo e renunciar a anunciá-lo. Daí o convite de Bento XVI:
“Ao iniciar a nova etapa que a Igreja missionária da América Latina e do Caribe
se dispõe a empreender, a partir desta V Conferência em Aparecida, é condição
indispensável o conhecimento profundo e vivencial da Palavra de Deus, Por isto,
é necessário educar o povo na leitura e na meditação da palavra: que ela se
converta em seu alimento para que, por experiência própria, vejam que as
palavras de Jesus são espírito e vida (cf. Jo 6,63). Do contrário, como vão
anunciar uma mensagem cujo conteúdo e espírito não conhecem profundamente? É
preciso fundamentar nosso compromisso missionário e toda nossa vida na rocha da
Palavra de Deus”141.
248. Faz-se, pois, necessário
propor aos fiéis a Palavra de Deus como dom do Pai para o encontro com Jesus
Cristo vivo, caminho de “autêntica conversão e de renovada comunhão e
solidariedade”142. Esta proposta será mediação de encontro com o Senhor se for
apresentada a Palavra revelada, contida na Escritura, como fonte de
evangelização. Os discípulos de Jesus desejam se alimentar com o Pão da
Palavra: querem chegar à interpretação adequada dos textos bíblicos,
emprega-los como mediação de diálogo com Jesus Cristo e a que sejam alma da
própria evangelização e do anúncio de Jesus a todos. Por isto, a importância de
uma “pastoral bíblica”, entendida como animação bíblica da pastoral, que seja
escola de interpretação ou conhecimento da Palavra, de comunhão com Jesus ou
oração com a Palavra, e de evangelização inculturada ou de proclamação da
Palavra. Isto exige por parte dos bispos, presbíteros, diáconos e ministros
leigos da Palavra uma aproximação à Sagrada Escritura que não seja só
intelectual e instrumental, mas com um coração “faminto de ouvir a Palavra do
Senhor” (Am 8,11).
249. Entre as muitas
formas de se aproximar da Sagrada Escritura existe uma privilegiada à qual
todos estamos convidados: a Lectio divina ou exercício de leitura orante da
Sagrada Escritura. Esta leitura orante, bem praticada, conduz ao encontro com
Jesus-Mestre, ao conhecimento do mistério de Jesus-Messias, à comunhão com
Jesus-Filho de Deus e ao testemunho de Jesus-Senhor do universo. Com seus
quatro momentos (leitura, meditação, oração, contemplação), a leitura orante
favorece o encontro pessoal com Jesus Cristo semelhante ao modo de tantos
personagens do evangelho: Nicodemos e sua ânsia de vida eterna (cf. Jo 3,1-21),
a Samaritana e seu desejo de culto verdadeiro (cf. Jo 4,1-12), o cego de
nascimento e seu desejo de luz interior (cf. Jo 9), Zaqueu e sua vontade de ser
diferente (cf. Lc 19,1-10)... Todos eles, graças a este encontro, foram
iluminados e recriados porque se abriram à experiência da misericórdia do Pai
que se oferece por sua Palavra de verdade e vida. Não abriram seu coração para
algo do Messias, mas ao próprio Messias, caminho de crescimento na “maturidade
conforme a sua plenitude” (Ef 4,13), processo de discipulado, de comunhão com
os irmãos e de compromisso com a sociedade.
250. Encontramos Jesus
Cristo, de modo admirável, na Sagrada Liturgia. Ao vivê-la, celebrando o
mistério pascal, os discípulos de Cristo penetram mais nos mistérios do Reino e
expressam de modo sacramental sua vocação de discípulos e missionários. A
Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano II nos mostra o lugar e a
função da liturgia no seguimento de Cristo, na ação missionária dos cristãos,
na vida nova em Cristo e na vida de nossos povos n’Ele143.
252. Entende-se, assim,
a grande importância do preceito dominical de “viver segundo o domingo”, com
uma necessidade interior do cristão, da família cristã, da comunidade
paroquial. Sem uma participação ativa na celebração eucarística dominical e nas
festas de preceito não existirá um discípulo missionário maduro. Cada grande
reforma na Igreja está vinculada ao redescobrimento da fé na Eucaristia144. Por
causa disso, é importante promover a “pastoral do domingo” e dar a ela
“prioridade nos programas pastorais”145 para um novo impulso na evangelização
do povo de Deus no Continente latino-americano.
253. Com profundo afeto
pastoral, queremos dizer, às milhares de comunidades com seus milhões de
membros, que não têm a oportunidade de participar da Eucaristia dominical, que
também elas podem e devem viver “segundo o domingo”. Elas podem alimentar seu
já admirável espírito missionário participando da “celebração dominical da
Palavra”, que faz presente o Mistério Pascal no amor que congrega (cf. 1 Jo
3,14), na Palavra acolhida (cf. Jo 5,24-25) e na oração comunitária (cf. Mt
18,20). Sem dúvida, os fiéis devem desejar a participação plena na Eucaristia
dominical, pela qual também os motivamos a orar pelas vocações sacerdotais.
254. O sacramento da
reconciliação é o lugar onde o pecador experimenta de maneira singular o
encontro com Jesus Cristo, que se compadece de nós e nos dá o dom de seu perdão
misericordioso, faz-nos sentir que o amor é mais forte que o pecado cometido,
nos liberta de tudo o que nos impede de permanecer em seu amor, e nos devolve a
alegria e o entusiasmo de anunciá-lo aos demais com o coração aberto e
generoso.
256. Jesus está presente
em meio a uma comunidade viva na fé e no amor fraterno. Ali Ele cumpre sua
promessa: “Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, ali estou eu no meio
deles” (Mt 18,20). Ele está em todos os discípulos que procuram fazer sua a
existência de Jesus, e viver sua própria vida escondida na vida de Cristo (cf.
Cl 3,3). Eles experimentam a força de sua ressurreição até se identificar
profundamente com Ele: “Já não vivo eu, mas é Cristo que vive em mim” (Gl
2,20). Jesus está nos Pastores, que representam o próprio Cristo (cf. Mt 10,40; Lc 10,16). “Os Bispos tem
sucedido, por instituição divina, aos Apóstolos, como Pastores da Igreja, de
modo que quem os escuta, escuta a Cristo, e quem os despreza, despreza a Cristo
e a quem ele enviou” (Lúmen Gentium, 20” . Está naqueles que dão testemunho de luta
por justiça, pela paz e pelo bem comum, algumas vezes chegando a entregar a
própria vida em todos os acontecimentos da vida de nossos povos, que nos
convidam a procurar um mundo mais justo e mais fraterno em toda realidade
humana, cujos limites às vezes causam dor e nos agoniam.
257. Também o
encontramos de um modo especial nos pobres, aflitos e enfermos (cf. Mt 25,37-40),
que exigem nosso compromisso e nos dão testemunho de fé, paciência no
sofrimento e constante luta para continuar vivendo. Quantas vezes os pobres e
os que sofrem realmente nos evangelizam! No reconhecimento desta presença e
proximidade e na defesa dos direitos dos excluídos encontra-se a fidelidade da
Igreja a Jesus Cristo147. O encontro com Jesus Cristo através dos pobres é uma
dimensão constitutiva de nossa fé em Jesus Cristo. Da
contemplação do rosto sofredor de Cristo neles148 e do encontro com Ele nos
aflitos e marginalizados, cuja imensa dignidade Ele mesmo nos revela, surge
nossa opção por eles. A mesma união a Jesus Cristo é a que nos faz amigos dos
pobres e solidários com seu destino.
6.1.3 A piedade popular
como lugar de encontro com Jesus Cristo
258. O Santo Padre
destacou a “rica e profunda religiosidade popular, na qual aparece a alma dos
povos latino-americanos, e a apresentou como “o precioso tesouro da Igreja
católica na América Latina”149. Convidou a promovê-la e a protegê-la. Esta maneira
de expressar a fé está presente de diversas formas em todos os setores sociais,
em uma multidão que merece nosso respeito e carinho, porque sua piedade
“reflete uma sede de Deus que somente os pobres e simples podem conhecer”150. A “religião do
povo latino-americano é expressão da fé católica. É um catolicismo popular”151,
profundamente inculturado, que contem a dimensão mais valiosa da cultura
latino-americana.
259. Entre as expressões
desta espiritualidade contam-se: as festas patronais, as novenas, os rosários e
via crucis, as procissões, as danças e os cânticos do folclore religioso, o
carinho aos santos e aos anjos, as promessas, as orações em família. Destacamos
as peregrinações onde é possível reconhecer o Povo de Deus no caminho. Ali o
cristão celebra a alegria de se sentir imerso em meio a tantos irmãos,
caminhando juntos para Deus que os espera. O próprio Cristo se faz peregrino e
caminha ressuscitado entre os pobres. A decisão de caminhar em direção ao
santuário já é uma confissão de fé, o caminhar é um verdadeiro canto de
esperança e a chegada é um encontro de amor. O olhar do peregrino se deposita
sobre uma imagem que simboliza a ternura e a proximidade de Deus. O amor se
detém, contempla o silêncio, desfruta dele em silêncio. Também
se comove, derramando todo o peso de sua dor e de seus sonhos. A súplica
sincera, que flui confiadamente, é a melhor expressão de um coração que
renunciou à auto-suficiência, reconhecendo que sozinho, nada é possível. Um
breve instante sintetiza uma viva experiência espiritual152.
260. Ali, o peregrino
vive a experiência de um mistério que o supera, não só da transcendência de
Deus, mas também da Igreja, que transcende sua família e seu bairro. Nos
santuários, muitos peregrinos tomam decisões que marcam suas vidas. As paredes
dos santuários contêm muitas histórias de conversão, de perdão e de dons
recebidos que milhões poderiam contar.
262. É verdade que a fé
que se encarnou na cultura pode ser aprofundada e penetrar cada vez mais na
forma de viver de nossos povos. Mas isso só pode acontecer se valorizarmos
positivamente o que o Espírito Santo já semeou. A piedade popular é um
“imprescindível ponto de partida para conseguir que a fé do povo amadureça e se
faça mais fecunda”153. Por isso, o discípulo missionário precisa ser “sensível
a ela, saber perceber suas dimensões interiores e seus valores inegáveis”154.
Quando afirmamos que é necessário evangelizá-la ou purificá-la, não queremos
dizer que esteja privada de riqueza evangélica. Simplesmente desejamos que
todos os membros do povo fiel, reconhecendo o testemunho de Maria e também dos
santos, procurem imitá-los cada dia mais. Assim procurarão um contato mais
direto com a Bíblia e uma maior participação nos sacramentos, chegarão a
desfrutar da celebração dominical da Eucaristia e viverão melhor o serviço do
amor solidário. Por este caminho será possível aproveitar o mais rico potencial
de santidade e de justiça social que encerra a mística popular.
263. Não podemos
rebaixar a espiritualidade popular ou considerá-la um modo secundário da vida
cristã, porque seria esquecer o primado da ação do Espírito e a iniciativa
gratuita do amor de Deus. A piedade popular contém e expressa um intenso
sentido da transcendência, uma capacidade espontânea de se apoiar em Deus e uma
verdadeira experiência de amor teologal. É também uma expressão de sabedoria
sobrenatural, porque a sabedoria do amor não depende diretamente da ilustração
da mente, mas da ação interna da graça. Por isso, a chamamos de espiritualidade
popular. Ou seja, uma espiritualidade cristã que, sendo um encontro pessoal com
o Senhor, integra muito o corpóreo, o sensível, o simbólico e as necessidades
mais concretas das pessoas. É uma espiritualidade encarnada na cultura dos
simples, que nem por isso é menos espiritual, mas que o é de outra maneira.
265. Nossos povos se
identificam particularmente com o Cristo sofredor, olham-no, beijam-no ou tocam
seus pés machucados, como se dissessem: Este é “o que me amou e se entregou por
mim” (Gl 2,20). Muitos deles golpeados, ignorados despojados, não abaixam os
braços. Com sua religiosidade característica se agarram no imenso amor que Deus
tem por eles e que lhes recorda permanentemente sua própria dignidade. Também
encontram a ternura e o amor de Deus no rosto de Maria. Nela vem refletida a
mensagem essencial do Evangelho. Nossa Mãe querida, desde o santuário de
Guadalupe, faz sentir a seus filhos menores que eles estão na dobra de seu
manto. Agora, desde Aparecida, convida-os a lançar as redes ao mundo, para
tirar do anonimato aqueles que estão submersos no esquecimento e aproximá-los
da luz da fé. Ela, reunindo os filhos, integra nossos povos ao redor de Jesus
Cristo.
6.1.4 Maria, discípula e
missionária
267. Com ela,
providencialmente unida à plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4) chega o cumprimento
da esperança dos pobres e do desejo de salvação. A Virgem de Nazaré teve uma
missão única na história da salvação, concebendo, educando e acompanhando seu
filho até seu sacrifício definitivo. Desde a cruz Jesus Cristo confiou a seus
discípulos, representados por João, o dom da maternidade de Maria, que nasce
diretamente da hora pascal de Cristo: “E desse momento em diante, o
discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19,27). Perseverando junto aos apóstolos à
espera do Espírito (cf. At 1,13-14), ela cooperou com o nascimento da Igreja
missionária, imprimindo-lhe um selo mariano que a identifica profundamente.
Como mãe de tantos, fortalece os vínculos fraternos entre todos, estimula a
reconciliação e o perdão e ajuda os discípulos de Jesus Cristo a experimentarem
como uma família, a família de Deus. Em Maria, encontramo-nos com Cristo, com o
Pai e com o Espírito Santo, assim como com os irmãos.
268. Como na família
humana, a Igreja-família é gerada ao redor de uma mãe, que confere “alma” e
ternura à convivência familiar158. Maria, Mãe da Igreja, além de modelo e
paradigma da humanidade, é artífice de comunhão. Um dos eventos fundamentais da
Igreja é quando o “sim” brotou de Maria. Ela atrai multidões à comunhão com
Jesus e sua Igreja, como experimentamos muitas vezes nos santuários marianos.
Por isso, como a Virgem Maria, a Igreja é mãe. Esta visão mariana da
Igreja é o melhor remédio para uma Igreja meramente funcional ou burocrática.
269. Maria é a grande
missionária, continuadora da missão de seu Filho e formadora de missionários.
Ela, da mesma forma como deu à luz ao Salvador do mundo, trouxe o Evangelho a
nossa América. No acontecimento em Guadalupe, presidiu junto com o humilde João
Diego, o Pentecostes que nos abriu aos dons do Espírito. A partir desse momento
são incontáveis as comunidades que encontraram nela a inspiração mais próxima
para aprender como serem discípulos e missionários de Jesus. Com alegria
constatamos que ela tem feito parte do caminhar de cada um de nossos povos,
entrando profundamente no tecido de sua história e acolhendo as ações mais
nobres e significativas de sua gente. Os diversos nomes e os santuários
espalhados por todo o Continente testemunham a presença de Maria próxima às
pessoas e, ao mesmo tempo, manifestam a fé e a confiança que os devotos sentem
por ela. Ela pertence a eles e eles a sentem como mãe e irmã.
270. Hoje, quando em
nosso continente latino-americano e caribenho se quer enfatizar o discipulado e
a missão, é ela quem brilha diante de nossos olhos como imagem acabada e
fidelíssima do seguimento de Cristo. Esta é a hora da seguidora mais radical de
Cristo, de seu magistério discipular e missionário conforme nos envia o Papa
Bento XVI: Maria Santíssima, a Virgem pura e sem mancha é para nós escola de fé
destinada a nos conduzir e a nos fortalecer no caminho que conduz ao encontro
com o Criador do céu e da terra. O Papa veio a Aparecida com viva alegria
para nos dizer em primeiro lugar: Permaneçam na escola de Maria. Inspirem-se em
seus ensinamentos. Procurem acolher e guardar dentro do coração as luzes que
ela, por mandato divino, envia a vocês a partir do alto”159.
271. Ela, que
“conservava todas estas recordações e meditava em seu coração” (Lc 2,19; cf. 2,51), ensina-nos o primado
da escuta da Palavra na vida do discípulo e missionário. O Magnificat
“está inteiramente tecido pelos fios da Sagrada Escritura, os fios tomados da
palavra de Deus. Assim, se revela que nela a Palavra de Deus se encontra de
verdade em sua casa, de onde sai e entra com naturalidade. Ela fala e pensa com
a Palavra de Deus; a Palavra de Deus se faz a sua palavra e sua palavra nasce
da Palavra de Deus. Além disso, assim se revela que seus pensamentos estão em
sintonia com os pensamentos de Deus, que seu querer é um querer junto com Deus.
Estando intimamente penetrada pela Palavra de Deus, Ela pode chegar a ser mãe
da Palavra encarnada”160. Esta familiaridade com o mistério de Jesus é
facilitada pela reza do Rosário, onde: “o povo cristão aprende de Maria a
contemplar a beleza do rosto de Cristo e a experimentar a profundidade de seu
amor. Mediante o Rosário, o cristão obtém abundantes graças, como recebendo-as
das próprias mãos da mãe do Redentor”161.
272. Com os olhos postos
em seus filhos e em suas necessidades, como em Caná da Galiléia, Maria ajuda a
manter vivas as atitudes de atenção, de serviço, de entrega e de gratuidade que
devem distinguir os discípulos de seu Filho. Indica, além do mais, qual é a
pedagogia para que os pobres, em cada comunidade cristã, “sintam-se como em sua
casa”162. Cria comunhão e educa para um estilo de vida compartilhada e
solidária, em fraternidade, em atenção e acolhida do outro, especialmente se é
pobre ou necessitado. Em nossas comunidades, sua forte presença tem enriquecido
e seguirá enriquecendo a dimensão materna da Igreja e sua atitude acolhedora,
que a converte em “casa e escola da comunhão”163 e em espaço espiritual que
prepara para a missão.
6.1.5 Os apóstolos e os
santos
273. Também os apóstolos
de Jesus e os santos marcaram a espiritualidade e o estilo de vida de nossas
Igrejas. Suas vidas são lugares privilegiados de encontro com Jesus Cristo. Seu
testemunho se mantém vigente e seus ensinamentos inspiram o ser e a ação das
comunidades cristãs do Continente. Entre eles, Pedro o apóstolo, a quem Jesus
confiou a missão de confirmar a fé de seus irmãos (cf. Lc 22,31-32), ajuda a
estreitar o vínculo de comunhão com o Papa, seu sucessor, e a buscar em Jesus
as palavras de vida eterna. Paulo, o evangelizador incansável, tem indicado o
caminho da audácia missionária e a vontade de se aproximar de cada realidade
cultural com a Boa Nova da salvação. João, o discípulo amado do Senhor, tem
revelado a força transformadora do mandamento novo e a fecundidade de
permanecer em seu amor.
274. Nossos povos nutrem
um carinho e especial devoção por José, esposo de Maria, homem justo, fiel e
generoso que sabe se perder para se achar no mistério do Filho. São José, o
silencioso mestre, fascina, atrai e ensina, não com palavras mas com o
resplandecente testemunho de suas virtudes e de sua firme simplicidade.
275. Nossas comunidades
levam o selo dos apóstolos e, além disso, reconhecem o testemunho cristão de
tantos homens e mulheres que espalharam em nossa geografia as sementes do
Evangelho, vivendo valentemente sua fé, inclusive derramando seu sangue como
mártires. Seu exemplo de vida e santidade constitui um presente precioso para o
caminho cristão dos latino-americanos e, simultaneamente, um estímulo para
imitar suas virtudes nas novas expressões culturais da história. Com a paixão
de seu amor a Jesus Cristo, eles foram membros ativos e missionários em sua
comunidade eclesial. Com valentia, perseveraram na promoção dos direitos das
pessoas, foram perspicazes no discernimento crítico da realidade à luz do
ensino social da Igreja e críveis pelo testemunho coerente de suas vidas.
Nós, cristãos de hoje, acolhemos sua herança e nos sentimos chamados a
continuar com renovado ardor apostólico e missionário o estilo evangélico de
vida que nos transmitiram.
6.2. O processo de
formação dos discípulos missionários
277. O caminho de
formação do seguidor de Jesus lança suas raízes na natureza dinâmica da pessoa
e no convite pessoal de Jesus Cristo, que chama os seus por seu nome e estes o
seguem porque conhecem a sua voz. O Senhor despertava as aspirações profundas de
seus discípulos e os atraía a si, maravilhados. O seguimento é fruto de uma
fascinação que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida
plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo a quem reconhece como o
mestre que o conduz e o acompanha.
6.2.1 Aspectos do
processo
278. No processo de
formação de discípulos missionários destacamos cinco aspectos fundamentais que
aparecem de maneira diversa em cada etapa do caminho, mas que se complementam
intimamente e se alimentam entre si:
a) O Encontro com
Jesus Cristo: Aqueles que serão seus discípulos já o buscam (cf. Jo 1,38), mas
é o Senhor quem os chama: “Segue-me” (Mc 1,14;
Mt 9,9). É necessário descobrir o sentido mais profundo da busca, assim como é
necessário propiciar o encontro com Cristo que dá origem à iniciação cristã.
Este encontro deve se renovar constantemente pelo testemunho pessoal, pelo
anúncio do kerigma e pela ação missionária da comunidade. O kerygma não é
somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que culmina na maturidade
do discípulo de Jesus Cristo. Sem o kerygma, os demais aspectos deste processo
estão condenados à esterilidade, sem corações verdadeiramente convertidos ao
Senhor. Só a partir do kerygma acontece a possibilidade de uma iniciação cristã
verdadeira. Por isso, a Igreja precisa te-lo presente em todas as suas ações.
b) A Conversão: É a
resposta inicial de quem escutou o Senhor com admiração, crê n’Ele pela ação do
Espírito, decide-se ser seu amigo e ir após Ele, mudando sua forma de pensar e
de viver, aceitando a cruz de Cristo, consciente de que morrer para o pecado é
alcançar a vida. No Batismo e no sacramento da reconciliação se atualiza para
nós a redenção de Cristo.
c) O Discipulado: A
pessoa amadurece constantemente no conhecimento, amor e seguimento de Jesus
Mestre, aprofunda no mistério de sua pessoa, de seu exemplo e de sua doutrina.
Para isso são de fundamental importância a catequese permanente e a vida
sacramental, que fortalecem a conversão inicial e permitem que os discípulos
missionários possam perseverar na vida cristã e na missão em meio ao mundo que
nos desafia.
d) A Comunhão: Não
pode existir vida cristã fora da comunidade; seja nas famílias, nas paróquias,
nas comunidades de vida consagrada, nas comunidades de base, outras pequenas
comunidades e movimentos. Como os primeiros cristãos, que se reuniam em
comunidade, o discípulo participa na vida da Igreja e no encontro com os
irmãos, vivendo o amor de Cristo na vida fraterna solidária. Ele também é
acompanhado e estimulado pela comunidade e seus pastores para amadurecer na
vida do Espírito.
e) A Missão: O
discípulo, à medida que conhece e ama a seu Senhor, experimenta a necessidade
de compartilhar com outros a sua alegria de ser enviado, de ir ao mundo para
anunciar Jesus Cristo, morto e ressuscitado, a fazer realidade o amor e o
serviço na pessoa dos mais necessitados, em uma palavra, a construir o Reino de
Deus. A missão é inseparável do discipulado, o qual não deve ser entendido como
uma etapa posterior à formação, ainda que ela seja realizada de diversas
maneiras de acordo com a própria vocação e ao momento da maturidade
humana e cristã em que se encontre a pessoa.
6.2.2 Critérios gerais
6.2.2.1 Uma formação
integral, kerygmática e permanente
6.2.2.2 Uma formação
atenta a dimensões diversas
a) A Dimensão
Humana e Comunitária. Tende a acompanhar processos de formação que levam a
pessoa a assumir a própria história e a curá-la, com o objetivo de se tornar
capaz de viver como cristão em um mundo plural, com equilíbrio, fortaleza,
serenidade e liberdade interior. Trata-se de desenvolver personalidades que
amadureçam em contato com a realidade e abertas ao Mistério.
b) A Dimensão
Espiritual: É a dimensão formativa que funda o ser cristão na experiência de
Deus manifestado em Jesus e que o conduz pelo Espírito através dos caminhos de
um amadurecimento profundo. Por meio dos diversos carismas a pessoa se
fundamenta no caminho da vida e do serviço proposto por Cristo, com um
estilo pessoal. Assim como a Virgem Maria, essa dimensão permite ao cristão
aderir de coração e pela fé aos caminhos alegres, luminosos, dolorosos e
gloriosos de seu Mestre e Senhor.
c) A Dimensão Intelectual: O encontro com Cristo, Palavra feita carne, potencializa o dinamismo da razão que procura o significado da realidade e se abre para o Mistério. Ela se expressa em uma reflexão séria, feita diariamente no estudo que abre, com a luz da fé, abre a inteligência à verdade. Também capacita para o discernimento, o juízo crítico e o diálogo sobre a realidade e a cultura. Assegura de uma maneira especial o conhecimento bíblico-teológico e das ciências humanas para adquirir a necessária competência em vista dos serviços eclesiais que se requeira e para a adequada presença na vida secular.
d) A dimensão
Pastoral e Missionária: Um autêntico caminho cristão preenche de alegria e
esperança o coração e leva o cristão a anunciar a Cristo de maneira constante
em sua vida e em seu ambiente. Projeta para a missão de formar discípulos
missionários para serviço do mundo. Habilita a propor projetos e estilos de
vida cristão atraentes, com intervenções orgânicas e de colaboração fraterna
com todos os membros da comunidade. Contribui para integrar evangelização e
pedagogia, comunicando vida e oferecendo itinerários de acordo com a maturidade
cristã, a idade e outras condições próprias das pessoas ou dos grupos.
Incentiva a responsabilidade dos leigos no mundo para construir o Reino de
Deus. Desperta uma inquietude constante pelos distanciados e pelos que ignoram
o Senhor em suas vidas.
6.2.2.3 Uma formação
respeitosa dos processos
281. Chegar à altura de
uma vida nova em Cristo, identificando-se profundamente com Ele164 e sua
missão, é um caminho longo que requer itinerários diversificados, respeitosos
dos processos pessoais e dos ritmos comunitários, contínuos e graduais. Na
diocese o eixo central deverá ser um projeto orgânico de formação, aprovado
pelo Bispo e elaborado com os organismos diocesanos competentes, levando em
consideração todas as forças vivas da Igreja local: associações, serviços e
movimentos, comunidades religiosas, pequenas comunidades, comissões de pastoral
social e diversos organismos eclesiais que ofereçam a visão do conjunto e da
convergência das diversas iniciativas. Requer-se, também, equipes de formação
convenientemente preparadas que assegurem a eficácia do próprio processo e que
acompanhem as pessoas com pedagogias dinâmicas, ativas e abertas. A presença e
contribuição de leigos e leigas nas equipes de formação apresenta uma riqueza
original, pois, a partir de suas experiências e competências, eles oferecem
critérios, conteúdos e testemunhos valiosos para aqueles que estão se formando.
6.2.2.4 Uma formação que contempla o acompanhamento dos discípulos
282. Cada setor do Povo
de Deus requer que a pessoa seja acompanhada e formada de acordo com a peculiar
vocação e ministério para o qual tenha sido chamada: o bispo é o princípio da
unidade na diocese devido a seu tríplice ministério de ensinar, santificar e
governar; os presbíteros cooperam com o ministério do bispo, no cuidado do povo
de Deus que lhes foi confiado; os diáconos permanentes no serviço vivificante,
humilde e perseverante como ajuda valiosa para os bispos e presbíteros; os
consagrados e consagradas no seguimento radical do Mestre; os leigos e leigas
cumprem sua responsabilidade evangelizadora colaborando na formação de comunidades
cristãs e na construção do Reino de Deus no mundo. Requer-se, portanto,
capacitar aqueles que possam acompanhar espiritual e pastoralmente a outros.
283. Destacamos que a
formação dos leigos e leigas deve contribuir, antes de mais nada, para sua atuação
como discípulos missionários no mundo, na perspectiva do diálogo e da
transformação da sociedade. É urgente uma formação específica para que possam
ter uma incidência significativa nos diferentes campos, sobretudo, “no mundo
vasto da política, da realidade social e da economia, como também da cultura,
das ciências e das artes, da vida internacional, dos meios de comunicação e de
outras realidades abertas à evangelização”165.
6.2.2.5 Uma formação na
espiritualidade da ação missionária
284. É necessário formar
os discípulos em uma espiritualidade da ação missionária, que se baseia na
docilidade ao impulso do Espírito, a sua potência de vida que mobiliza e
transfigura todas as dimensões da existência. Não é uma experiência que se
limita aos espaços privados da devoção, mas que procura penetra-lo
completamente com seu fogo e sua vida. O discípulo e missionário, movido pelo
estímulo e ardor que provêm do Espírito, aprende a expressa-lo no trabalho, no
diálogo, no serviço e na missão cotidiana.
285. Quando o impulso do
Espírito impregna e motiva todas as áreas da existência, então também penetra e
configura a vocação específica de cada pessoa. Assim se forma e desenvolve a
espiritualidade própria de presbíteros, de religiosos e religiosas, de pais de
família, de empresários, de catequistas, etc. Cada uma das vocações tem um modo
concreto e diferente de viver a espiritualidade, que dá profundidade e
entusiasmo para o exercício concreto de suas tarefas. Dessa forma, a vida no
Espírito não nos fecha em uma intimidade cômoda e fechada, mas sim nos torna
pessoas generosas e criativas, felizes no anúncio e no serviço. Torna-nos
comprometidos com os sinais da realidade e capazes de encontrar um profundo
significado a tudo o que nos toca fazer pela Igreja e pelo mundo.
6.3 Iniciação à vida cristã e catequese permanente
6.3.1 Iniciação à vida
cristã
286. São muitos os
cristãos que não participam na Eucaristia dominical nem recebem com
regularidade os sacramentos, nem se inserem ativamente na comunidade eclesial.
Sem esquecer a importância da família na iniciação cristã, este fenômeno nos
desafia profundamente a imaginar e organizar novas formas de aproximação deles
para ajudá-los a valorizar o sentido da vida sacramental, da participação
comunitária e do compromisso cidadão. Temos uma alta porcentagem de católicos
sem consciência de sua missão de ser sal e fermento no mundo, com uma
identidade cristã fraca e vulnerável.
287. Isto constitui um
grande desafio que questiona a fundo a maneira como estamos educando na fé e
como estamos alimentando a experiência cristã; um desafio que devemos encarar
com decisão, com coragem e criatividade, visto que em muitas partes a iniciação
cristã tem sido pobre e fragmentada. Ou educamos na fé, colocando as pessoas
realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para seu seguimento, ou
não cumpriremos nossa missão evangelizadora. Impõem-se a tarefa irrenunciável
de oferecer uma modalidade de iniciação cristã, que além de marcar o que, dê
também elementos para o quem, o como e o onde se realiza. Dessa forma,
assumiremos o desafio de uma nova evangelização, à qual temos sido
reiteradamente convocados.
6.3.2 Proposta para a
iniciação cristã
289. Sentimos a urgência
de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na vida cristã
que comece pelo kerygma que guiado pela Palavra de Deus, que conduza a um
encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito
homem166, experimentado como plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao
seguimento em uma comunidade eclesial e a um amadurecimento de fé na prática
dos sacramentos, do serviço e da missão.
290. Recordamos que o
caminho de formação do cristão na tradição mais antiga da Igreja “teve sempre
um caráter de experiência, na qual era determinante o encontro vivo e
persuasivo com Cristo, anunciado por autênticas testemunhas”167. Trata-se de
uma experiência que introduz o cristão numa profunda e feliz celebração dos
sacramentos, com toda a riqueza de seus sinais. Deste modo, a vida vem se transformando
progressivamente pelos santos mistérios que se celebram, capacitando o cristão
a transformar o mundo. Isto é o que se chama “catequese mistagógica”.
291. Ser discípulo é um
dom destinado a crescer. A iniciação cristã dá a possibilidade de uma aprendizagem
gradual no conhecimento, no amor e no seguimento de Cristo. Dessa forma, ela
forja a identidade cristã com as convicções fundamentais e acompanha a busca do
sentido da vida. É necessário assumir a dinâmica catequética da iniciação
cristã. Uma comunidade que assume a iniciação cristã renova sua vida
comunitária e desperta seu caráter missionário. Isto requer novas atitudes
pastorais por parte dos bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e
agentes de pastoral.
292. Como
características do discípulo que indica a iniciação cristã destacamos; que ele
tenha como centro a pessoa de Jesus Cristo, nosso Salvador e plenitude de nossa
humanidade, fonte de toda maturidade humana e cristã; que tenha o
espírito de oração, seja amante da Palavra, pratique a confissão freqüente e
participe da Eucaristia; que se insira cordialmente na comunidade eclesial e
social, seja solidário no amor e um fervoroso missionário.
294. Assumir esta
iniciação cristã exige não só uma renovação de modalidade catequética da
paróquia. Propomos que o processo catequético de formação adotado pela Igreja
para a iniciação cristã seja assumido em todo o Continente como a maneira
ordinária e indispensável de introdução na vida cristã e como a catequese
básica e fundamental. Depois, virá a catequese permanente que continua o
processo de amadurecimento da fé, na qual se deve incorporar um discernimento
vocacional e a iluminação para projetos pessoais de vida.
6.3.3 Catequese
permanente
295. Quanto a situação
atual da catequese, é evidente que tem havido um progresso. Tem crescido o
tempo que se dedica à preparação para os sacramentos. Tem-se tomado maior
consciência de sua necessidade tanto nas famílias como entre os pastores.
Compreende-se que ela é imprescindível em toda formação cristã. Tem-se constituído
ordinariamente comissões diocesanas e paroquiais de catequese. É admirável o
grande número de pessoas que se sentem chamadas a se fazer catequistas, com
grande entrega. A elas, esta Assembléia manifesta um sincero reconhecimento.
296. No entanto, apesar
da boa vontade, a formação teológica e pedagógica dos catequistas não costuma
ser a desejável. Os materiais são com freqüência muito variados e não se
integram em uma pastoral de conjunto; e nem sempre são portadores de métodos
pedagógicos atualizados. Os serviços de catequese das paróquias frequentemente
carecem de uma colaboração próxima das famílias. Os párocos e demais
responsáveis não assumem com maior empenho a função que lhes corresponde como
primeiros catequistas.
297. Os desafios que
apresenta a situação da sociedade na América latina e no Caribe requerem uma
identidade católica mais pessoal e fundamentada. O fortalecimento desta
identidade passa por uma catequese adequada que promova uma adesão pessoal e
comunitária a Cristo, sobretudo aos mais fracos na fé168. É uma tarefa que
incumbida a toda a comunidade de discípulos, mas de maneira especial a nós que,
como bispos, temos sido chamados a servir à Igreja, pastoreando-a, conduzindo-a
ao encontro com Jesus e ensinando-a a viver tudo o que Ele nos tem mandado (cf.
Mt 28,19-20).
300. Deve ser dada uma
catequese apropriada que acompanhe a fé já presente na religiosidade popular.
Uma maneira concreta pode ser oferecer um processo de iniciação cristã em
visitas às famílias, onde não só seja comunicado elas os conteúdos da fé, mas
que também as conduza à prática da oração familiar, à leitura orante da Palavra
de Deus e ao desenvolvimento das virtudes evangélicas, que as consolidem cada
vez mais como Igrejas domésticas. Para este crescimento na fé, também é conveniente
aproveitar pedagogicamente o potencial educativo presente na piedade popular
mariana. Trata-se de um caminho educativo que, cultivando o amor pessoal à
Virgem, verdadeira “educadora na fé”171 que nos leva a nos assemelhar cada vez
mais a Jesus Cristo, provoque a apropriação progressiva de suas atitudes.
6.4 Lugares de formação
para os discípulos missionários
6.4.1 A Família,
primeira escola da fé
303. É, além disso, um
dever dos pais, através especialmente através de seu exemplo de vida, a
educação dos filhos para o amor com dom de si mesmos e a ajuda que eles prestam
para descobrir sua vocação de serviço, seja na vida laica como na vida
consagrada. Deste modo, opera-se a formação dos filhos como discípulos de Jesus
Cristo, nas experiências da vida diária na família cristã. Os filhos têm o
direito de poder contar com o pai e a mãe para que cuidem deles e os acompanhem
até a plenitude de vida. A “catequese familiar”, implementada de diversas
maneiras, tem-se revelado como uma ajuda eficiente à unidade das famílias,
oferecendo, além disso, uma possibilidade eficiente de formar os pais de
família, os jovens e as crianças, para que sejam testemunhas firmes da fé em
suas respectivas comunidades.
6.4.2 As Paróquias
305. Portanto, deve se
cultivar a formação comunitária especialmente na paróquia. Com diversas
celebrações e iniciativas, principalmente com a Eucaristia dominical, que é
“momento privilegiado do encontro das comunidades com o Senhor
ressuscitado”175, os fiéis devem experimentar a paróquia como uma família na fé
e na caridade, onde mutuamente se acompanhem e se ajudem no seguimento de
Cristo.
306. Se queremos que as paróquias sejam centros de irradiação missionária em seus próprios territórios, elas devem ser também lugares de formação permanente. Isto requer que se organizem nelas várias instâncias formativas que assegurem o acompanhamento e o amadurecimento de todos os agentes pastorais e dos leigos inseridos no mundo. As paróquias vizinhas também podem unir esforços neste sentido, sem desperdiçar as ofertas formativas da Diocese e da Conferência Episcopal.
6.4.3 Pequenas
comunidades eclesiais
307. Constata-se que nos
últimos anos está crescendo a espiritualidade de comunhão e que, com diversas
metodologias, não poucos esforços tem sido feitos para levar os leigos a se
integrar nas pequenas comunidades eclesiais, que vão mostrando frutos
abundantes. Nas pequenas comunidades eclesiais temos um meio privilegiado para
chegar a Nova Evangelização e para chegar a que os batizados vivam como
autênticos discípulos e missionários de Cristo.
308. Elas são um
ambiente propício para se escutar a Palavra de Deus, para viver a fraternidade,
para animar na oração, para aprofundar processos de formação na fé e para
fortalecer o exigente compromisso de ser apóstolos na sociedade de hoje. Elas
são lugares de experiência cristã e evangelização que, em meio à situação
cultural que nos afeta, secularizada e hostil à Igreja, se fazem muito mais
necessários.
309. Se desejamos
pequenas comunidades vivas e dinâmicas, é necessário despertar nelas uma
espiritualidade sólida, baseada na Palavra de Deus, que as mantenham em plena
comunhão de vida e ideais com a Igreja local e, em particular, com a comunidade
paroquial. Por outro lado, conforme Há anos estamos propondo na América Latina,
a Paróquia chegará a ser “comunidade de comunidades”176.
310. Destacamos que é
preciso reanimar os processos de formação de pequenas comunidades no
Continente, pois nelas temos uma fonte segura de vocações ao sacerdócio, à vida
religiosa e à vida leiga com especial dedicação ao apostolado. Através das
pequenas comunidades, poderia-se também conseguir chegar aos afastados, aos
indiferentes e aos que alimentam descontentamento ou ressentimento em relação à
Igreja.
6.4.4 Os movimentos
eclesiais e novas comunidades
311. Os novos movimentos
e comunidades são um dom do Espírito Santo para a Igreja. Neles, os fiéis
encontram a possibilidade de se formar na fé cristã, crescer e se comprometer
apostolicamente até ser verdadeiros discípulos missionários. Assim exercitam o
direito natural e batismal de livre associação, como o indicou o Concílio
vaticano II177 e confirma o Código de Direito Canônico. Seria conveniente
incentivarr a alguns movimentos e associações que mostram hoje certo cansaço ou
fraqueza e convida-los a renovar seu carisma original, que não deixa de
enriquecer a diversidade com que o Espírito se manifesta e atua no povo
cristão.
312. Os movimentos e
novas comunidades constituem uma valiosa contribuição na realização da Igreja
local. Por sua própria natureza expressam a dimensão carismática da Igreja: “na
Igreja não há contraste ou contraposição entre a dimensão institucional e a
dimensão carismática, da qual os movimentos são uma expressão significativa,
porque ambos são igualmente essenciais para a constituição divina do Povo de
Deus”178. Na vida e na ação evangelizadora da Igreja, constatamos que no mundo
moderno devemos responder a novas situações e necessidades da vida cristã.
Neste contexto também os movimentos e novas comunidades são uma oportunidade
para que muitas pessoas afastadas possam ter uma experiência de encontro vital
com Jesus Cristo e, assim, recuperar sua identidade batismal e sua ativa
participação na vida da Igreja179. Neles “podemos ver a multiforme presença e
ação santificadora do Espírito”180.
313. Para aproveitar
melhor os carismas e serviços dos movimentos eclesiais no campo da formação dos
leigos desejamos respeitar seus carismas e sua originalidade, procurando que se
integrem mais plenamente na estrutura originária que acontece na diocese. Ao
mesmo tempo, é necessário que a comunidade diocesana acolha a riqueza
espiritual e apostólica dos movimentos. É verdade que os movimentos devem
manter sua especificidade, mas dentro de uma profunda unidade com a Igreja
local, não só de fé mas de ação. Quanto mais se multiplicar a riqueza dos
carismas, mais os bispos serão chamados a exercer o discernimento espiritual
para favorecer a necessária integração dos movimentos na vida diocesana,
apreciando a riqueza de sua experiência comunitária, formativa e missionária.
Convêm dar especial acolhida e valorização àqueles movimentos eclesiais que já
passaram pelo reconhecimento e discernimento da Santa Sé, considerados como
dons e bens para a Igreja universal.
6.4.5 Os Seminários e
Casas de formação religiosa
314. No que se refere à
formação dos discípulos e missionários de Cristo ocupa um lugar particular a
pastoral vocacional, que acompanha cuidadosamente todos os que o Senhor chama a
servir à Igreja no sacerdócio, na vida consagrada ou no estado de leigo. A
pastoral vocacional, que é responsabilidade de todo o povo de Deus, começa na
família e continua na comunidade cristã, deve se dirigir às crianças e
especialmente aos jovens para ajudá-los a descobrir o sentido da vida e o
projeto que Deus tem para cada um, acompanhando-os em seu processo de
discernimento. Plenamente integrada no âmbito da pastoral ordinária, a pastoral
vocacional é fruto de uma sólida pastoral de conjunto, nas famílias, na
paróquia, nas escolas católicas e nas demais instituições eclesiais. É
necessário intensificar de diversas maneiras a oração pelas vocações, com as
quais também se contribui para criar uma maior sensibilidade e receptividade
diante do chamado do Senhor; assim como promover e coordenar diversas
iniciativas vocacionais181. As vocações são dom de Deus, portanto, em cada
diocese, não devem faltar orações especiais ao “Dono da messe”.
315. Diante da escassez
de pessoas que respondam à vocação ao sacerdócio e à vida consagrada na América
Latina e no Caribe, é urgente dedicar um cuidado especial à promoção
vocacional, cultivando os ambientes nos quais nascem as vocações ao sacerdócio
e à vida consagrada, com a certeza de que Jesus continua chamando discípulos e
missionários para estar com Ele e para enviá-los a pregar o Reino de Deus. Esta
V Conferência faz um chamado urgente a todos os cristãos e especialmente aos
jovens para que estejam abertos a uma possível chamada de Deus ao sacerdócio ou
à vida consagrada; recorda que o Senhor dará a graça necessária para responder
com decisão e generosidade, apesar dos problemas gerados por uma cultura
secularizada, centralizada no consumismo e no prazer. Convidamos as famílias a
reconhecerem a benção de ter um filho chamado por Deus para esta consagração e
a apoiar sua decisão e seu caminho de resposta vocacional. Aos sacerdotes,
estimulamos-os a dar testemunho de vida feliz, alegre, entusiástica e de
santidade no serviço do Senhor.
316. Sem dúvida, os
seminários e as casas de formação constituem um lugar privilegiado – escola e
casa - para a formação de discípulos e missionários. O tempo da
primeira formação é uma etapa onde os futuros presbíteros compartilham a vida a
exemplo da comunidade apostólica ao redor do Cristo ressuscitado: oram juntos,
celebram uma mesma liturgia que culmina na Eucaristia, a partir da palavra de
Deus recebem os ensinamentos que vão iluminando sua mente e modelando seu
coração para o exercício da caridade fraterna e da justiça, prestam serviços
pastorais periodicamente a diversas comunidades, preparando-se assim para viver
uma sólida espiritualidade de comunhão com Cristo Pastor e docilidade à ação do
Espírito Santo, convertendo-se em sinal pessoal e atrativo de Cristo no mundo,
segundo o caminho de santidade próprio do ministério sacerdotal182.
317. Reconhecemos o
esforço dos formadores dos Seminários. Seu testemunho e preparação são
decisivos para o acompanhamento dos seminaristas para um amadurecimento afetivo
que os faça aptos para abraçar o celibato e capazes de viver em comunhão com
seus irmãos na vocação sacerdotal; neste sentido, os cursos de formadores que
se tem implementado são um meio eficaz de ajuda a sua missão183.
319. É necessário um
projeto de formação do Seminário que ofereça aos seminaristas um verdadeiro
processo integral: humano, espiritual, intelectual e pastoral, centrado em Jesus Cristo , Bom
pastor. É fundamental que, durante os anos de formação, os seminaristas sejam
autênticos discípulos, chegando a realizar um verdadeiro encontro pessoal com
Jesus Cristo na oração com a palavra, para que estabeleçam com Ele relações de
amizade e amor, assegurando um autêntico processo de iniciação espiritual,
especialmente, no Período Propedêutico. A espiritualidade que se promove deverá
responder à identidade da própria vocação, seja diocesana ou
religiosa185.
320. Ao longo da
formação, procurar-se-á desenvolver um amor terno e filial a Maria, de maneira
que cada formando chegue a ter com ela uma espontânea familiaridade e a “acolha
em sua casa” como o discípulo amado. Ela oferecerá aos sacerdotes força e
esperança nos momentos difíceis e os estimulará a ser incessantemente discípulos
missionários para o Povo de Deus.
321. Especial atenção
deverá ser prestada ao processo de formação humana para a maturidade, de
tal maneira que a vocação ao sacerdócio ministerial dos candidatos chegue a ser
para cada um deles um projeto de vida estável e definitivo, em meio a uma
cultura que exalta o descartável e o provisório. Diga-se o mesmo da educação
para o amadurecimento da afetividade e da sexualidade. Esta deve levar a
compreender melhor o significado evangélico do celibato consagrado como valor
que configura a Jesus Cristo, portanto, como um estado de amor, fruto do dom
precioso da graça divina, segundo o exemplo da doação nupcial do Filho de Deus;
a acolhê-lo como tal com firme decisão, com magnanimidade e de todo o coração e
a vivê-lo com serenidade e fiel perseverança, com a devida ascese em um caminho
pessoal e comunitário, como entrega a Deus e aos demais com o coração pleno e
indivisível186.
322. Em todo o processo
de formação, o ambiente do Seminário e da pedagogia formativa deverão cuidar do
clima de sã liberdade e de responsabilidade pessoal, evitando criar ambientes
artificiais ou itinerários impostos. A opção do candidato pela vida e
ministério sacerdotal deve amadurecer e se apoiar em motivações verdadeiras e
autênticas, livres e pessoais. A isso se orienta a disciplina nas casas de
formação. As experiências pastorais, discernidas e acompanhadas no processo de
formação são sumamente importantes para confirmar a autenticidade das
motivações no candidato e a ajudá-lo a assumir o ministério como um verdadeiro
e generoso serviço, no qual o ser e o agir, pessoa consagrada e ministério, são
realidades inseparáveis.
323. Ao mesmo tempo, o
Seminário deverá oferecer uma formação intelectual séria e profunda, no campo
da filosofia, das ciências humanas e, especialmente, da teologia e da
missiologia, a fim de que o futuro sacerdote aprenda a anunciar a fé em toda a
sua integridade, fiel ao Magistério da Igreja, com atenção crítica atento ao
contexto cultural de nosso tempo e às grandes correntes de pensamento e de
conduta que deverá evangelizar. Simultaneamente, deverá se reforçar o estudo da
palavra de Deus no acadêmico nos diversos campos de formação, procurando que a
palavra de Deus divina não se reduza só a noções, mas que seja uma verdade de espírito
e vida que ilumine e alimente toda a existência. Portanto, será necessário
contar em cada seminário com o número suficiente de professores bem
preparados187.
324. É indispensável
confirmar que os candidatos sejam capazes de assumir as exigências da vida
comunitária, o que implica diálogo, capacidade de serviço, humildade,
valorização dos carismas alheios, disposição para se deixar interpelar pelos
outros, obediência ao bispo e abertura para crescer em comunhão missionária com
os presbíteros, diáconos, religiosos e leigos, servindo à unidade na
diversidade. A Igreja necessita de sacerdotes e consagrados que nunca percam a
consciência de serem discípulos em comunhão.
325. Os jovens
provenientes de famílias pobres ou de grupos indígenas, requerem uma formação
inculturada, ou seja, devem receber a adequada formação teológica e espiritual
para seu futuro ministério, sem que isso faça perder suas raízes e, desta
forma, possam ser evangelizadores próximos a seus povos e culturas188.
326. É oportuno indicar
a complementaridade entre a formação iniciada no Seminário e o processo de
formação que abrange as diversas etapas de vida do presbítero. É necessário
despertar a consciência de que a formação só termina com a morte. A formação
permanente “é um dever principalmente para os sacerdotes jovens e precisa ter
aquela freqüência e programação de encontros que, simultaneamente, prolongam a
seriedade e a solidez da formação recebida no seminário, levem progressivamente
os jovens presbíteros a compreender e viver a singular riqueza do “dom” de Deus
– o sacerdócio – e a desenvolver suas potencialidades e aptidões ministeriais,
também mediante uma inserção cada vez mais convencida e responsável no
presbitério e, portanto, na comunhão e na co-responsabilidade com todos os
irmãos189” Em relação a isso, requerem-se projetos diocesanos bem articulados e
constantemente avaliados.
327. As casas e os
centros de formação da Vida Religiosa são também lugares privilegiados de
discipulado e de formação dos missionários e missionárias, segundo o carisma
próprio de cada instituto religioso.
6.4.6 A Educação
Católica
329. Diante desta
situação, fortalecendo a estreita colaboração com os pais de família e pensando
em uma educação de qualidade à que tem direito, sem distinção, todos os alunos
e alunas de nossos povos, é necessário insistir no autêntico fim de toda
escola. Ela é chamada a se transformar, antes de mais nada, em lugar
privilegiado de formação e promoção integral, mediante a assimilação
sistemática e crítica da cultura, fato que consegue mediante um encontro vivo e
vital com o patrimônio cultural. Isto supõe que esse encontro se realize na
escola em forma de elaboração, ou seja, confrontando e inserindo os valores
perenes no contexto atual. Na realidade, a cultura, para ser educativa, deve se
inserir nos problemas do tempo no qual se desenvolve a vida do jovem. Desta
maneira, as diferentes disciplinas precisam se apresentar não só um saber por
adquirir, mas valores por assimilar e verdades por descobrir.
330. Constitui uma
responsabilidade estrita da escola, enquanto instituição educativa, destacar a
dimensão ética e religiosa da cultura, precisamente com o objetivo de ativar o
dinamismo espiritual do sujeito e de ajudá-lo a alcançar a liberdade ética que
pressupõe e aperfeiçoa à psicológica.. Mas não se dá liberdade ética, a não ser
na confrontação com os valores absolutos dos quais depende o sentido e o valor
da vida do ser humano. Inclusive no âmbito da educação, manifesta-se a
tendência a assumir a realidade como parâmetro dos valores, correndo dessa
forma o perigo de responder a aspirações secundárias e superficiais, e de
perder de vista as exigências mais profundas do mundo contemporâneo (E.C. 30).
A educação, humaniza e personaliza o ser humano quando consegue que este
desenvolva plenamente seu pensamento e sua liberdade, fazendo-o frutificar em
hábitos de compreensão e em iniciativas de comunhão com a totalidade da ordem
real. Desta maneira, o ser humano humaniza seu mundo, produz cultura,
transforma a sociedade e constrói a história191.
6.4.6.1 Os centros
educativos católicos
332. Portanto, quando
falamos de uma educação cristã, entendemos que o mestre educa para um projeto
de ser humano no qual habite Jesus Cristo com o poder transformador de sua vida
nova. Existem muitos aspectos nos quais se educa e entre os quais consta o
projeto educativo. Existem muitos valores, mas estes valores nunca estão
sozinhos, sempre formam uma constelação ordenada, explícita ou implicitamente.
Se a ordenação tem a Cristo como fundamento e fim, então esta educação está
recapitulando tudo em Cristo e é uma verdadeira educação cristã; se não, pode
falar de Cristo, mas corre o perigo de não ser cristã193.
333. Deste modo, é
produzida uma identificação entre os dois aspectos. Isto significa que não se
concebe a possibilidade de se anunciar o Evangelho sem que este ilumine,
infunda alento e esperança e inspire soluções adequadas aos problemas da
existência; muito menos que possa se pensar em uma verdadeira e plena promoção
do ser humano sem abri-lo a Deus e anunciar-lhe Jesus Cristo194
334. Em suas escolas, a
Igreja é chamada a promover uma educação centrada na pessoa humana que é capaz
de viver na comunidade. Diante do fato de que muitos se encontram excluídos, a
Igreja deverá estimular uma educação de qualidade para todos, formal e
não-formal, especialmente para os mais pobres. Uma educação que ofereça ás
crianças, aos jovens e aos adultos o encontro com os valores culturais do
próprio país, descobrindo ou integrando neles a dimensão religiosa e transcendente.
Para isso, necessitamos de uma pastoral da educação dinâmica e que acompanhe os
processos educativos, que seja voz, que legitime e salvaguarde a liberdade de
educação diante do Estado e o direito a uma educação de qualidade para os mais
despossuídos.
335. Deste modo, estamos
em condições de afirmar que no projeto educativo da escola católica, Cristo o
Homem perfeito, é o fundamento em quem todos os valores humanos encontram sua
plena realização e, a partir daí, sua unidade. Ele revela e promove o sentido
novo da existência e a transforma, capacitando o homem e a mulher a viverem de
maneira divina; ou seja, para pensar, querer e agir segundo o Evangelho,
fazendo das bem-aventuranças a norma de suas vidas. Precisamente pela
referência explícita e compartilhada por todos os membros da comunidade
escolar, a visão cristã – ainda que em grau diverso, e respeitando a liberdade
de consciência e religiosa dos não cristãos presentes nela - a educação é
“católica”, pois os princípios evangélicos se convertem para ela em normas
educativas, motivações interiores e, ao mesmo tempo, em metas finais. Este é o
caráter especificamente católico da educação. Jesus Cristo, pois, eleva e
enobrece a pessoa humana, dá valor a sua existência e constitui o perfeito
exemplo de vida. Esta é a melhor notícia, proposta pelos centros de formação
católica aos jovens195.
336. Portanto, a meta
que a escola católica se propõe com relação às crianças e jovens, é a de
conduzir ao encontro com Jesus Cristo vivo, Filho do Pai, irmão e amigo, Mestre
e Pastor misericordioso, esperança, caminho, verdade e vida e, dessa forma, à
vivência da aliança com Deus e com os homens. Faz isso colaborando na
construção da personalidade dos alunos, tendo Cristo como referência no plano
da mentalidade e da vida. Tal referência, ao se fazer progressivamente
explícita e interiorizada, ajudará a ver a história com Cristo a vê, a julgar a
vida como Ele faz, a escolher e amar como Ele, a cultivar a esperança como Ele
nos ensina e a viver n’Ele a comunhão com o Pai e o Espírito Santo. Pela
fecundidade misteriosa desta referência, a pessoa se constrói na unidade
existencial, isto é, assume suas responsabilidades e procura o significado
último de sua vida. Situada na Igreja, comunidade de cristãos, ela consegue com
liberdade viver intensamente a fé, anunciá-la e celebrá-la com alegria na
realidade de cada dia. Como conseqüência, amadurecem e parecem co-naturais as
atitudes humanas que levam a se abrir sinceramente à verdade, a respeitar e
amar as outras pessoas, a expressar sua própria liberdade na doação de si e no
serviço aos demais para a transformação da sociedade.
338. Propõe-se que nas
instituições católicas a educação na fé seja integral e transversal em todo o
currículo, levando em consideração o processo de formação para encontrar a
Cristo e para viver como discípulos e missionários e inserindo nela verdadeiros
processos de iniciação cristã. Ao mesmo tempo, recomenda-se que a comunidade
educativa (diretores, mestres, pessoal administrativo, alunos, pais de família,
etc) enquanto autêntica comunidade eclesial e centro de evangelização, assuma
seu papel de formadora de discípulos e missionários em todos seus estratos.
Que, a partir dali, em comunhão com a comunidade cristã que é sua matriz,
promova um serviço pastoral no setor em que se insere, especialmente aos
jovens, à família, na catequese e na promoção humana dos mais pobres. Estes
objetivos são essenciais nos processos de admissão de alunos, de suas famílias
e na contratação dos docentes.
339. Um princípio
irrenunciável para a Igreja é a liberdade de ensino. O amplo exercício do
direito á educação, como condição para sua autêntica realização, reivindica por
sua vez, a plena liberdade que deve gozar toda pessoa na escolha educação de
seus filhos que considere mais adequada aos valores que eles mais estimam e que
consideram indispensáveis. Pelo fato de haver dado a vida aos filhos, os pais
assumiram a responsabilidade de oferecer a eles condições favoráveis para seu
crescimento e a séria obrigação de educá-los. A sociedade precisa
reconhecê-los como os primeiros e principais educadores. O dever da educação
familiar, como primeira escola de virtudes sociais, é de tanta transcendência
que, quando falta, dificilmente pode ser suprida. Este princípio é
irrenunciável196.
340. Este direito
intransferível, que implica uma obrigação e que expressa a liberdade da família
na esfera da educação por seu significado e alcance precisa ser decididamente
garantido pelo Estado. Por esta razão, o poder público, a quem compete a
proteção e a defesa das liberdades dos cidadãos, atendendo à justiça
distributiva, deve distribuir as ajudas públicas – que provêm dos impostos de
todos os cidadãos – de tal maneira que a totalidade dos pais, independente de
sua condição social, possam escolher, segundo sua consciência, em meio a uma
pluralidade de projetos educativos, as escolas adequadas para seus filhos. Esse
é o valor fundamental e a natureza jurídica que fundamenta a subvenção escolar.
Portanto, nenhum setor educacional, nem sequer o próprio Estado, tem o
privilégio e a exclusividade de escolher a escola dos mais pobres, sem com isso
infringir importantes direitos. Deste modo, respeitam-se direitos naturais da
pessoa humana, da convivência pacífica dos cidadãos e do progresso de todos.
6.4.6.2 As universidades
e centros superiores de educação católica
341. Segundo sua própria
natureza, a Universidade Católica presta uma importante ajuda à Igreja em sua
missão evangelizadora. Trata-se de um vital testemunho de ordem institucional
de Cristo e de sua mensagem, tão necessários e importantes para as culturas
impregnadas pelo secularismo. As atividades fundamentais de uma universidade
católica deverão se vincular e se harmonizar com a missão evangelizadora da
Igreja. Essa missão se realiza através de uma pesquisa realizada à luz da
mensagem cristã, que coloque os novos descobrimentos humanos a serviço das
pessoas e da sociedade. Dessa forma oferece uma formação dada em um contexto de
fé, que prepara pessoas capazes de um juízo racional e crítico, conscientes da
dignidade transcendental da pessoa humana. Isto implica uma formação
profissional que compreende os valores éticos e a dimensão de serviço às
pessoas e à sociedade; o diálogo com a cultura, que favoreçe uma melhor
compreensão e transmissão da fé; e a pesquisa teológica que ajuda a fé a se
expressar em linguagem significativa para estes tempos. Porque é cada vez mais
consciente de sua missão salvífica neste mundo, a Igreja quer sentir estes
centros pertos de si mesma e deseja tê-los presentes e operantes na difusão da
mensagem autêntica de Cristo197.
342. As universidades
católicas, por conseguinte, terão que desenvolver com fidelidade sua
especificidade cristã, visto que possuem responsabilidades evangélicas que
instituições de outro tipo não estão obrigadas a realizar. Entre elas,
encontra-se, sobretudo, o diálogo fé e razão, fé e cultura e a formação de
professores, alunos e pessoal administrativo através da Doutrina Social e Moral
da Igreja, para que sejam capazes de compromisso solidário com a dignidade
humana, de serem solidários com a comunidade e de mostrar profeticamente a
novidade que representa o cristianismo na vida das sociedades latino-americanas
e caribenhas. Para isso, é indispensável que se cuide do perfil humano,
acadêmico e cristão dos que são os principais responsáveis pela pesquisa e
docência.
343.É necessária uma
pastoral universitária que acompanhe a vida e o caminhar de todos os membros da
comunidade universitária, promovendo um encontro pessoal e comprometido com
Jesus Cristo e múltiplas iniciativas solidárias e missionárias. Também deve-se
procurar uma presença próxima e dialogante com membros de outras universidades
públicas e centros de estudo.
344. Nas últimas décadas
na América Latina e no Caribe observamos o surgimento de diversos Institutos de
Teologia e Pastoral, orientados para a formação e atualização de agentes de pastoral.
Neste caminho, tem-se conseguido criar espaços de diálogo, discussão e busca de
respostas adequadas aos enormes desafios enfrentados pela evangelização no
Continente. Ao mesmo tempo, tem sido possível formar inumeráveis líderes a
serviço das Igrejas locais.
345. Convidamos a se
valorizar a rica reflexão pós-conciliar da Igreja presente na América Latina e
no Caribe, assim como a reflexão filosófica, teológica e pastoral de nossas
Igrejas e de seus centros de formação e pesquisa, a fim de fortalecer nossa
própria identidade, desenvolver a criatividade pastoral e potencializar o
nosso. É necessário fomentar o estudo e a pesquisa teológica e pastoral frente
aos desafios da nova realidade social, plural, diferenciada e globalizada,
procurando novas respostas que dêem sustentação à fé e à experiência do
discipulado dos agentes de pastoral. Sugerimos também uma maior utilização dos
serviços que oferecem os institutos de formação teológica pastoral existentes,
promovendo o diálogo entre os mesmos e destinar mais recursos e esforços
conjuntos na formação de leigos e leigas.
346. Esta V Conferência
agradece o inestimável serviço que diversas instituições de educação católica
prestam na promoção humana e na evangelização das novas gerações, como sua
contribuição à cultura de nossos povos e apoio às dioceses, congregações
religiosas e organizações de leigos católicos que mantêm escolas,
universidades, institutos de educação superior e de capacitação não formal, a
prosseguirem incansavelmente em sua abnegada e insubstituível missão
apostólica.
TERCEIRA PARTE
A VIDA DE JESUS CRISTO
PARA NOSSOS POVOS
CAPÍTULO 7
A MISSÃO DOS DISCÍPULOS
A SERVIÇO DA VIDA PLENA
347. “A Igreja peregrina
é missionária por natureza, porque toma sua origem da missão do Filho e do
Espírito Santo, segundo o desígnio do Pai”198. Por isso, o impulso missionário
é fruto necessário à vida que a Trindade comunica aos discípulos.
7.1 Viver e comunicar a
vida nova em Cristo a nossos povos
349. O chamado de Jesus
no Espírito e o anúncio da Igreja apelam sempre à nossa acolhida, confiados
pela fé. “Aquele que crê em mim tem a vida eterna”. O batismo não só purifica
dos pecados. Faz renascer o batizado, conferindo-lhe vida nova em Cristo, que o
incorpora à comunidade dos discípulos e missionários de Cristo, à Igreja, e o
faz filho de Deus, permite reconhecer a Cristo como Primogênito e Cabeça de
toda a humanidade. Sermos humanos implica vivermos fraternalmente e sempre
atentos às necessidades dos mais fracos.
350. Nossos povos não
querem andar pelas sombras da morte. Têm sede de vida e de felicidade em Cristo. Buscam-no
como fonte de vida. Desejam essa vida nova em Deus, para a qual o discípulo do
Senhor nasce pelo batismo e renasce pelo sacramento da reconciliação. Procuram
essa vida que se fortalece, quando é confirmada pelo Espírito de Jesus e quando
o discípulo renova sua aliança de amor em Cristo, com o Pai e com os irmãos, em
cada celebração eucarística. Acolhendo a Palavra de vida eterna e alimentados
pelo Pão descido do céu, quer viver a plenitude do amor e conduzir todos ao
encontro com Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida.
351. No entanto, no
exercício de nossa liberdade, às vezes recusamos essa vida nova (cf. Jo 5,40)
ou não perseveramos no caminho (cf. Hb 3,12-14). Com o pecado, optamos por um
caminho de morte. Por isso, o anúncio de Jesus sempre convoca à conversão, que
nos faz participar do triunfo do Ressuscitado e inicia um caminho de
transformação.
352. Dos que vivem em
Cristo se espera um testemunho muito crível de santidade e de
compromisso. Desejando e procurando essa santidade não vivemos menos, mas
melhor, porque, quando Deus pede mais, é porque está oferecendo muito mais:
“Não tenham medo de Cristo! Ele não tira nada e nos dá tudo!”199.
7.1.1 Jesus a serviço da
vida
353. Jesus, o Bom
Pastor, quer nos comunicar a sua vida e se colocar a serviço da vida. Vemos
como ele se aproxima do cego no caminho (cf. Mc 10,46-52), quando dignifica a
samaritana (cf. Jo 4,7-26), quando cura os enfermos (cf. Mt 11,2-6), quando
alimenta o povo faminto (cf. Mc 6,30-44), quando liberta os endemoninhados (cf.
Mc 5,1-20). Em seu Reino
de vida Jesus inclui a todos: come e bebe com os pecadores (cf. Mc 2,16), sem
se importar que o tratem como comilão e bêbado (cf. Mt 11,19); toca leprosos
(cf. Lc 5,13), deixa que uma prostituta unja seus pés (cf. Lc 7,36-50) e,
de noite, recebe Nicodemos para convida-lo a nascer de novo (cf. Jo 3,1-15).
Igualmente, convida a seus discípulos à reconciliação (cf. Mt 5,24), ao amor
pelos inimigos (cf. Mt 5,44) e a optarem pelos mais pobres (cf. Lc 14,15-24).
354. Em sua palavra e em
todos os sacramentos Jesus nos oferece um alimento para o caminho. A Eucaristia
é o centro vital do universo, capaz de saciar a fome de vida e de felicidade:
“Aquele que come de mim, viverá” (Jo 6,57). Nesse banquete feliz participamos
da vida eterna e, assim, nossa existência cotidiana se converte em uma Missa prolongada.
Mas todos os dons de Deus requerem uma disposição adequada para que possam
produzir frutos de mudança. Especialmente, nos exigem um espírito comunitário,
que abramos os olhos para reconhecê-lo e servi-lo nos mais pobres: “No mais
humilde encontramos o próprio Jesus”200. Por isso, São João Crisóstomo
exortava: “Querem em verdade honrar o corpo de Cristo? Não consintam que esteja
nu. Não o honrem no templo com mantos de seda enquanto fora o deixam passar
frio e nudez”201.
7.1.2 Várias dimensões
da vida em Cristo
369. Jesus Cristo é a
plenitude que eleva a condição humana à condição divina para sua glória: “Eu
vim para dar vida aos homens e para que a tenham em abundância” (Jo 10,10). Sua
amizade não nos exige que renunciemos a nossos desejos de plenitude vital,
porque Ele ama nossa felicidade também nesta terra. Diz o Senhor que Ele criou
tudo “para que o desfrutemos” (1 Tm 6,17).
357. Mas o consumismo
hedonista e individualista, que coloca a vida humana em função de um prazer
imediato e sem limites, obscurece o sentido da vida e a degrada. A vitalidade
que Cristo oferece nos convida a ampliar nossos horizontes e a reconhecer que
abraçando a cruz cotidiana entramos nas dimensões mais profundas da existência.
O Senhor que nos convida a valorizar as coisas e a progredir, também nos
previne sobre a obsessão por acumular: Não amontoem tesouros nesta terra” (Mt
6,19). “de que serve ao homem ganhar o mundo, mas perder a sua vida?” (Mt
16,26). Jesus Cristo nos oferece muito, inclusive muito mais do que esperamos.
À Samaritana, ele dá mais do que a água do poço. À multidão faminta ele oferece
mais do que o alívio da fome. Entrega-se a si mesmo como a vida em abundância. A vida
nova em Cristo é participação na vida de amor do Deus Uno e Trino. Começa no
batismo e chega a sua plenitude na ressurreição final.
7.1.3 A serviço de uma
vida plena para todos
358. Mas as condições de
vida de muitos abandonados, excluídos e ignorados em sua miséria e sua dor,
contradizem este projeto do Pai e desafiam os cristãos a um maior compromisso a
favor da cultura da vida. O Reino de vida que Cristo veio trazer é incompatível
com essas situações desumanas. Se pretendemos fechar os olhos diante destas
realidades, não somos defensores da vida do Reino e nos situamos no caminho da
morte: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos.
Aquele que não ama, permanece na morte” (1 Jo 3,14). É necessário sublinhar “a
inseparável relação entre o amor a Deus e o amor ao próximo”204, que “convida a
todos a suprimir as graves dificuldades sociais e as enormes diferenças no
acesso aos bens”205. Tanto a preocupação por desenvolver estruturas mais justas
como por transmitir os valores sociais do Evangelho situam-se neste contexto de
serviço fraterno à vida digna.
359. Descobrimos, dessa
forma, uma lei profunda da realidade: a vida só se desenvolve plenamente na
comunhão fraterna e justa. Porque “Deus, em Cristo, não redime só a pessoa
individual, mas também as relações sociais entres os seres humanos”206. Diante
de diversas situações que manifestam a ruptura entre irmãos, compele-nos que a
fé católica de nossos povos latino-americanos e caribenhos se manifeste em uma
vida mais digna para todos. O rico magistério social da Igreja nos indica que
não podemos conceber uma oferta de vida em Cristo sem um dinamismo de
libertação integral, de humanização, de reconciliação e de inserção social.
7.1.4 Uma missão para
comunicar vida
361. O projeto de Jesus
é instaurar o Reino de seu Pai. Por isso, pede a seus discípulos: “Proclamem
que está chegando o Reino dos céus!” (Mt 10,7). Trata-se do Reino da vida.
Porque a proposta de Jesus Cristo a nossos povos, o conteúdo fundamental desta
missão, é a oferta de uma vida plena para todos. Por isso, a doutrina, as
normas, as orientações éticas e toda a atividade missionária das Igrejas, deve
deixar transparecer esta atrativa oferta de uma vida mais digna, em Cristo,
para cada homem e para cada mulher da América Latina e do Caribe.
362. Assumimos o
compromisso de uma grande missão em todo o Continente, que nos exigirá
aprofundar e enriquecer todas as razões e motivações que permitam converter a
cada cristão em um discípulo missionário. Necessitamos desenvolver a dimensão
missionária da vida de Cristo. A Igreja necessita de uma forte comoção que a
impeça de se instalar na comodidade, no estancamento e na indiferença, à margem
do sofrimento dos pobres do Continente. Necessitamos que cada comunidade cristã
se transforme num poderoso centro de irradiação da vida em Cristo. Esperamos
um novo Pentecostes que nos livre do cansaço, da desilusão, da acomodação ao
ambiente; esperamos uma vinda do Espírito que renove nossa alegria e nossa
esperança. Por isso, é imperioso assegurar calorosos espaços de oração
comunitária que alimentem o fogo de um ardor incontido e tornem possível um
atrativo testemunho de unidade “para que o mundo creia” (Jo 17,21).
364. Detemos o olhar em
Maria e reconhecemos nela uma imagem perfeita da discípula missionária. Ela nos
exorta a fazer o que Jesus nos diz (cf. Jo 2,5) para que Ele possa derramar sua
vida na América Latina e no Caribe. Junto com ela queremos estar atentos uma
vez mais à escuta do Mestre, e ao redor dela, voltarmos a receber com
estremecimento ao mandado missionário de seu filho: “Vão e façam, discípulos de
todos os povos” (Mt 28,19). Escutamos Jesus como comunidade de discípulos
missionários que experimentaram o encontro vivo com Ele e queremos compartilhar
com os demais essa alegria incomparável todos os dias.
7.2 Conversão pastoral e
renovação missionária das comunidades
365. Esta firme decisão
missionária deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos
pastorais de dioceses, paróquias, comunidades religiosas, movimentos e de
qualquer instituição da Igreja. Nenhuma comunidade deve se isentar de entrar
decididamente, com todas suas forças, nos processos constantes de renovação
missionária e de abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a
transmissão da fé.
369. Encontramos o
modelo paradigmático desta renovação comunitária nas primitivas comunidades
cristãs (cf. At 2,42-47), que souberam buscar novas formas para evangelizar de
acordo com as culturas e as circunstâncias. Ao mesmo tempo, motiva-nos a
eclesiologia de comunhão do Concílio Vaticano II, o caminho sinodal no
pós-concílio e as Conferências Gerais anteriores do Episcopado Latino-americano
e do Caribe. Não esqueçamos que como nos assegura Jesus, “onde estiverem dois
ou três reunidos em meu nome, ali estarei no meio deles” (Mt 18,20).
371. O projeto pastoral
da Diocese, caminho de pastoral orgânica, deve ser uma resposta consciente e
eficaz para atender as exigências do mundo de hoje com “indicações
programáticas concretas, objetivos e métodos de trabalho, de formação e
valorização dos agentes e da procura dos meios necessários que permitam que o
anúncio de Cristo chegue às pessoas, modele as comunidades e incida profundamente
na sociedade e na cultura mediante o testemunho dos valores evangélicos”210. Os
leigos devem participar do discernimento, da tomada de decisões, do
planejamento e da execução211. Este projeto diocesano exige um acompanhamento
constante por parte do bispo, dos sacerdotes e dos agentes pastorais, com uma
atitude flexível que lhes permita se manter atentos às exigências da realidade
sempre mutável.
372. Levando em
consideração as dimensões de nossas paróquias é aconselhável a setorização em
unidades territoriais menores, com equipes próprias de animação e de
coordenação que permitam uma maior proximidade com as pessoas e grupos que
vivem na região. É recomendável que os agentes missionários promovam a criação
de comunidades de famílias que fomentem a colocação em comum de sua fé cristã e
das respostas aos problemas. Reconhecemos como um fenômeno importante de nosso
tempo o aparecimento e difusão de diversas formas de voluntariado missionário
que se ocupam de uma pluralidade de serviços. A Igreja apóia as redes e
programas de voluntariado nacional e internacional que surgiram em muitos
países, na esfera das organizações da sociedade civil, para o bem dos mais
pobres de nosso continente, à luz dos princípios de dignidade,
subsidiariedade e solidariedade, em conformidade com a Doutrina Social da
Igreja. Não se trata só de estratégias para procurar êxitos pastorais, mas da
fidelidade na imitação do Mestre, sempre próximo, acessível, disponível a
todos, desejoso de comunicar vida em cada região da terra.
7.3. Nosso compromisso
com a missão ad gentes
373. Conscientes e
agradecidos porque o Pai amou tanto ao mundo que enviou seu Filho para salva-lo
(cf. Jo 3,16), queremos ser continuadores de sua missão, visto que esta é a
razão de ser da Igreja e que define sua identidade mais profunda.
374. Como discípulos
missionários, queremos que a influência de Cristo chegue até aos confins da
terra. Descobrimos a presença do Espírito Santo em terras de missão mediante
sinais:
1) A presença dos
valores do Reino de Deus nas culturas, recriando-as a partir de dentro para
transformar as situações anti-evangélicas.
2) Os esforços de
homens e mulheres que encontram em suas crenças religiosas o impulso para seu
compromisso histórico.
3) O nascimento da
comunidade eclesial.
4) O testemunho de
pessoas e comunidades que anunciam Jesus Cristo com a santidade de suas vidas.
375. Sua Santidade Bento
XVI confirmou que a missão ad gentes se abre a novas dimensões: “O campo da
Missão ad gentes tem se ampliado notavelmente e não se pode defini-lo
baseando-se só em considerações geográficas ou jurídicas. Na verdade, os
verdadeiros destinatários da atividade missionária do povo de Deus não são só
os povos não cristãos e das terras distantes, mas também nos campos
sócio-culturais e, sobretudo, os corações”212.
376. Ao mesmo tempo, o
mundo espera de nossa Igreja latino-americana e caribenha um compromisso mais
significativo com a missão universal em todos os Continentes. Para não cair na
armadilha de nos fechar em nós mesmos, devemos nos formar como discípulos
missionários sem fronteiras, dispostos a ir “á outra margem”, àquela na qual
Cristo não é ainda reconhecido como Deus e Senhor, e a Igreja não está
presente213.
377. Os discípulos, que
por essência são também missionários em virtude do Batismo e da Confirmação,
são formados com um coração universal, aberto a todas as culturas e a todas as
verdades, cultivando a capacidade de contato humano e de diálogo. Estamos
dispostos com a coragem que nos dá o Espírito, a anunciar a Cristo onde não é
aceito, com nossa vida, com nossa ação, com nossa profissão de fé e com sua
Palavra. Os emigrantes são igualmente discípulos e missionários, e são chamados
a ser uma nova semente de evangelização, a exemplo de tantos emigrantes e
missionários que trouxeram a fé cristã a nossa América.
378. Queremos estimular
as Igrejas locais para que apóiem e organizem os centros missionários nacionais
e atuem em estreita colaboração com as Obras Missionais Pontifícias e outras
instâncias eclesiais cooperantes, cuja importância e dinamismo para a animação
e a cooperação missionária reconhecemos e agradecemos de coração. Por
ocasião dos cinqüenta anos da encíclica Fidei Donum, agradecemos a Deus pelos
missionárias e missionárias que vieram ao Continente e aqueles que hoje estão
presentes nele, dando testemunho do espírito missionário de suas Igrejas locais
ao serem enviados por elas.
379. Nosso desejo é que
esta V Conferência seja um estímulo para que muitos discípulos de nossas
Igrejas vão e evangelizem na “outra margem”. A fé se fortalece quando é
transmitida e é preciso que entremos em nosso continente em uma nova primavera
da missão ad gentes. Somos Igrejas pobres, mas “devemos dar a partir de nossa
pobreza e a partir da alegria de nossa fé”214 e isto sem colocar sobre alguns poucos
enviados o compromisso que é de toda a comunidade cristã. Nossa capacidade de
compartilhar nossos dons espirituais, humanos e materiais com outras Igrejas,
confirmará a autenticidade de nossa nova abertura missionária. Por isso,
estimulamos a participação na celebração dos congressos missionários.
CAPÍTULO 8
O REINO DE DEUS E A
PROMOÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA
380. A missão do anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo tem uma destinação universal. Seu mandado de caridade alcança todas as dimensões da existência, todas as pessoas, todos os ambientes da convivência e todos os povos. Nada do humano pode lhe parecer estranho. A Igreja sabe, por revelação de Deus e pela experiência humana da fé, que Jesus Cristo é a resposta total, superabundante e satisfatória às perguntas humanas sobre a verdade, o sentido da vida e da realidade, a felicidade, a justiça e a beleza. São as inquietudes que estão arraigadas no coração de toda pessoa e que pulsam no mais profundo da cultura dos povos. Por isso, todo sinal autêntico de verdade, bem e beleza na aventura humana vem de Deus e clama por Deus.
381.Procurando aproximar
da vida de Jesus Cristo como resposta aos desejos de nossos povos, destacamos a
seguir alguns grandes campos de atividade, prioridades e tarefas para a missão dos
discípulos de Jesus Cristo no hoje da América Latina e do Caribe.
8. 1 Reino de Deus,
justiça social e caridade cristã
382. “O prazo se
cumpriu. O Reino de Deus está chegando. Convertam-se e creiam no Evangelho” (Mc
1,15). A voz do Senhor continua nos chamando como discípulos missionários e nos
desafia a orientar toda nossa vida a partir da realidade transformadora do
Reino de Deus que se faz presente em Jesus. Acolhemos
com muita alegria esta boa nova. Deus amor é Pai de todos os homens e mulheres
de todos os povos e raças. Jesus Cristo é o Reino de Deus que procura
demonstrar toda sua força transformadora em nossa Igreja e em
nossas sociedades. N'Ele, Deus tem nos escolhido para que sejamos seus filhos
com a mesma origem e destino, com a mesma dignidade, com os mesmos direitos e
deveres vividos no mandamento supremo do amor. O Espírito colocou este germe do
Reino em nosso Batismo
e o faz crescer pela graça da conversão permanente graças à Palavra de Deus e
aos sacramentos.
383. Sinais evidentes da
presença de Deus são: a experiência pessoal e comunitária das bem-aventuranças,
a evangelização dos pobres, o conhecimento e cumprimento da vontade do Pai, o
martírio pela fé, o acesso de todos aos bens da criação, o perdão mútuo,
sincero e fraterno, aceitando e respeitando a riqueza da pluralidade e a luta
para não sucumbir à tentação e não ser escravos do mal.
384. O fato de ser
discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nossos povos, n'Ele, tenham
vida leva-nos a assumir evangelicamente e a partir da perspectiva do Reino as
tarefas prioritárias que contribuem para a dignificação do ser humano e a
trabalhar junto com os demais cidadãos e instituições para o bem do ser humano.
O amor de misericórdia para com todos os que vêem vulnerada sua vida em qualquer
de suas dimensões, como bem nos mostra o Senhor em todos seus gestos de
misericórdia, requer que socorramos as necessidades urgentes, ao mesmo tempo
que colaboremos com outros organismos ou instituições para organizar estruturas
mais justas nos âmbitos nacionais e internacionais. É urgente criar estruturas
que consolidem uma ordem social, econômica e política na qual não haja
iniquidade e onde haja possibilidade para todos. Igualmente, requerem-se novas
estruturas que promovam uma autêntica convivência humana, que impeçam a
prepotência de alguns e que facilitem o diálogo construtivo para os necessários
consensos sociais.
388. Proclamamos que
todo ser humano existe pura e simplesmente pelo amor de Deus que o criou e pelo
amor de Deus que o conserva em cada instante. A criação do homem e da mulher a
sua imagem e semelhança é um acontecimento divino de vida, e sua fonte é o amor
fiel do Senhor. Por conseguinte, só o Senhor é o autor e o dono da vida, e o
ser humano, sua imagem vivente, é sempre consagrado, desde sua concepção, em
todas as etapas da existência, até sua morte natural e depois da morte. O olhar
cristão sobre o ser humano permite perceber seu valor que transcende todo o
universo: “Deus nos mostrou de modo insuperável como ama cada homem, e com isso
confere a ele uma dignidade infinita”216.
389. Nossa missão, para
que nossos povos tenham vida n'Ele, manifesta nossa convicção de que o sentido,
a fecundidade e a dignidade da vida humana se encontra no Deus vivo revelado em
Jesus. É urgente a tarefa de entregar a nossos povos a vida plena e feliz que
Jesus nos traz, para que cada pessoa humana viva de acordo com a dignidade que
Deus lhe deu. Fazemos isso com a consciência de que essa dignidade alcançará
sua plenitude quando Deus for tudo em todos. Ele é o Senhor da vida e da história,
vencedor do mistério do mal e acontecimento salvífico que nos faz capazes de
emitir um juízo verdadeiro sobre a realidade, que salvaguarde a dignidade das
pessoas e dos povos.
390. Nossa fidelidade ao
Evangelho, exige que proclamemos a verdade sobre o ser humano e sobre a
dignidade de toda pessoa humana em todos os espaços públicos e privados do
mundo de hoje e a partir de todas as instâncias da vida e da missão da
Igreja.
391. Dentro desta ampla
preocupação pela dignidade humana, situa-se nossa angústia pelos milhões de
latino-americanos e latino-americanas que não podem levar uma vida que responda
a essa dignidade. A opção preferencial pelos pobres é uma das peculiaridades
que marca a fisionomia da Igreja latino-americana e caribenha. De fato, João
Paulo II, dirigindo-se a nosso continente, sustentou que “converter-se ao
Evangelho para o povo cristão que vive na América, significa revisar todos os
ambientes e dimensões de sua vida, especialmente tudo o que pertence a ordem
social e á obtenção do bem comum”217.
392. Nossa fé proclama
que “Jesus Cristo é o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem”218. Por
isso, “a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica
naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza”219.
Esta opção nasce de nossa fé em
Jesus Cristo , o Deus feito homem, que se fez nosso irmão (cf.
Hb 2,11-12). Ela, no entanto, não é exclusiva, nem excludente.
393. Se esta opção está
implícita na fé cristológica, os cristãos, como discípulos e missionários, são
chamados a contemplar nos rostos sofredores de nossos irmãos, o rosto de Cristo
que nos chama a servi-lo neles: “Os rostos sofredores dos pobres são rostos
sofredores de Cristo”220. Eles desafiam o núcleo do trabalho da Igreja, da
pastoral e de nossas atitudes cristãs. Tudo o que tenha relação com Cristo, tem
relação com os pobres e tudo o que está relacionado com os pobres reivindica a
Jesus Cristo: “Quando fizeram a um deste meus irmãos menores, fizeram a mim”
(Mt 25,40). João Paulo II destacou que este texto bíblico “ilumina o mistério
de Cristo”221. Porque em Cristo, o maior se fez menor, o forte se fez fraco, o
rico se fez pobre.
394. De nossa fé em
Cristo nasce também a solidariedade como atitude permanente de encontro,
irmandade e serviço. Ela há de se manifestar em opções e gestos visíveis, principalmente
na defesa da vida e dos direitos dos mais vulneráveis e excluídos, e no
permanente acompanhamento em seus esforços por serem sujeitos de mudança e de
transformação de sua situação. O serviço de caridade da Igreja entre os pobres
“é um campo de atividade que caracteriza de maneira decisiva a vida cristã, o
estilo eclesial e a programação pastoral”322.
395. O Santo Padre nos
recorda que a Igreja está convocada a ser “advogada da justiça e defensora dos
pobres”223 diante das “intoleráveis desigualdades sociais e econômicas”224, que
“clamam ao céu”225. Temos muito que oferecer, visto que “não há dúvida de que a
Doutrina Social da Igreja é capaz de despertar esperança em meio às situações
mais difíceis, porque se não há esperança para os pobres, não haverá para
ninguém, nem sequer para os chamados ricos”226. A opção preferencial
pelos pobres exige que prestemos especial atenção àqueles profissionais
católicos que são responsáveis pelas finanças das nações, naqueles que fomentam
o emprego, nos políticos que devem criar as condições para o desenvolvimento
econômico dos países, a fim de lhes dar orientações éticas coerentes com sua
fé.
396. Comprometemo-nos a
trabalhar para que a nossa Igreja Latino-americana e Caribenha continue sendo,
com maior afinco, companheira de caminho de nossos irmãos mais pobres,
inclusive até o martírio. Hoje queremos ratificar e potencializar a opção
preferencial pelos pobres feita nas Conferências anteriores227. Que sendo
preferencial implique que deva atravessar todas nossas estruturas e prioridades
pastorais. A Igreja Latino-americana é chamada a ser sacramento de amor, de
solidariedade e de justiça entre nossos povos.
397. Nesta época costuma
acontecer de defendermos de forma demasiada nossos espaços de privacidade e
lazer, e nos deixemos contagiar facilmente pelo consumismo individualista. Por
isso, nossa opção pelos pobres corre o risco de ficar em um plano teórico ou
meramente emotivo, sem verdadeira incidência em nossos comportamentos e em
nossas decisões. É necessária uma atitude permanente que se manifeste em opções
e gestos concretos228, e evite toda atitude paternalista. É solicitado que
dediquemos tempo aos pobres, prestar a eles uma amável atenção, escutá-los com
interesse, acompanhá-los nos momentos difíceis, escolhê-los para compartilhar
horas, semanas ou anos de nossas vidas e, procurando, a partir deles, a
transformação de sua situação. Não podemos esquecer que o próprio Jesus propôs
isso com seu modo de agir e com suas palavras: “Quando deres um banquete,
convida os pobres, os inválidos, os coxos e os cegos” (Lc 14,13).
398. Só a proximidade
que nos faz amigos nos permite apreciar profundamente os valores dos pobres de
hoje, seus legítimos desejos e seu modo próprio de viver a fé. A opção pelos
pobres deve nos conduzir à amizade com os pobres. Dia a dia os pobres se fazem
sujeitos da evangelização e da promoção humana integral: educam seus filhos na
fé, vivem uma constante solidariedade entre parentes e vizinhos, procuram
constantemente a Deus e dão vida ao peregrinar da Igreja. À luz do Evangelho
reconhecemos sua imensa dignidade e seu valor sagrado aos olhos de Cristo,
pobre como eles e excluído como eles. Desta experiência cristã compartilharemos
com eles a defesa de seus direitos.
8.4 Uma renovada
pastoral social para a promoção humana integral
399. Assumindo com nova
força esta opção pelos pobres, manifestamos que todo processo evangelizador
envolve a promoção humana e a autêntica libertação “sem a qual não é possível
uma ordem justa na sociedade”229. Entendemos, além disso, que a verdadeira
promoção humana não pode se reduzir a aspectos particulares: “Deve ser
integral, isto é, promover a todos os homens e a todo homem”230, a partir da vida nova
em Cristo que transforma a pessoa de tal maneira que “a faz sujeito de
seu próprio desenvolvimento”231. Para a Igreja, o serviço da caridade, assim
como o anúncio da Palavra e a celebração dos sacramentos, “é expressão
irrenunciável da própria essência”232.
400. Portanto, a partir
de nossa condição de discípulos e missionários, queremos estimular o Evangelho
da vida e da solidariedade em nossos planos pastorais, à luz da Doutrina Social
da Igreja. Além disso, promover caminhos eclesiais mais efetivos, com a
preparação e compromisso dos leigos para intervir nos assuntos sociais. As
palavras de João Paulo II nos enchem de esperança: “Ainda que imperfeito e
provisório, nada do que se possa realizar mediante o esforço solidário de todos
e a graça divina em um momento dado da história, para fazer mais humana a vida
dos homens, terá sido perdido ou terá sido em vão”233
401. As Conferências
Episcopais e as igrejas locais tem a missão de promover renovados esforços para
fortalecer uma Pastoral Social estruturada, orgânica e integral que, com a
assistência e a promoção humana234, faça-se presente nas novas realidades de
exclusão e de marginalização em que vivem os grupos mais vulneráveis, onde a
vida está mais ameaçada. No centro dessa ação está cada pessoa, que é acolhida
e servida com cordialidade cristã. Nesta atividade a favor da vida de
nossos povos, a Igreja católica apóia a colaboração mútua com outras
comunidades cristãs.
403. Nesta tarefa e com
criatividade pastoral, devem-se elaborar ações concretas que tenham incidência
nos Estados para a aprovação de políticas sociais e econômicas que atendam as
várias necessidades da população e que conduzam para um desenvolvimento
sustentável. Com a ajuda de diferentes instâncias e organizações, a Igreja pode
fazer uma permanente leitura cristã e uma aproximação pastoral à realidade de
nosso continente, aproveitando o rico patrimônio da Doutrina Social da Igreja.
Desta maneira, terá elementos concretos para exigir daqueles que têm a
responsabilidade de elaborar e aprovar as políticas que afetam nossos povos,
que o façam a partir de uma perspectiva ética, solidária e autenticamente
humanista. Nesse aspecto os leigos e as leigas possuem um papel
fundamental, assumindo tarefas pertinentes na sociedade.
404. Estimulamos os
empresários que dirigem as grandes e médias empresas e aos microempresários, os
agentes econômicos da gestão produtiva e comercial, tanto da ordem privada
quanto comunitária, por serem criadores de riqueza em nossas nações, quando se
esforçam em gerar emprego digno, em facilitar a democracia e em promover a
aspiração a uma sociedade mais justa e a uma convivência cidadã com bem-estar e
em paz. Igualmente
estimulamos os que não investem seu capital em ação especulativas mas em criar
fontes de trabalho, preocupando-se com os trabalhadores, considerando-os 'a
eles e a suas famílias' a maior riqueza da empresa, que, como cristãos, vivem
modestamente por terem feito da austeridade um valor inestimável, que colaboram
com os governos na preocupação e conquista do bem comum e se forem pródigos em
obras de solidariedade e de misericórdia.
405. Por fim, não
podemos nos esquecer que a maior pobreza é a de não reconhecer a presença do
mistério de Deus e de seu amor na vida do homem e seu amor, que é o único que
verdadeiramente salva e liberta. Na verdade, “quem exclui a Deus de seu
horizonte falsifica o conceito de realidade e, consequentemente,só pode
terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas235. A verdade desta
afirmação parece evidente diante do fracasso de todos os sistemas que colocam
Deus entre parêntesis.
8.5 Globalização da
solidariedade e justiça internacional
a). Apoiar a
participação da sociedade civil para a re-orientação e conseqüente reabilitação
ética da política. Por isso, são muito importantes os espaços de participação
da sociedade civil para a vigência da democracia, uma verdadeira economia
solidária e um desenvolvimento integral, solidário e sustentável.
b). Formar na ética
cristã que estabelece como desafio a conquista do bem comum a criação de
oportunidades para todos, a luta contra a corrupção, a vigência dos direitos do
trabalho e sindicais; é necessário colocar como prioridade a criação de
oportunidades econômicas para setores da população tradicionalmente
marginalizados, como as mulheres e os jovens, a partir do reconhecimento de sua
dignidade. Por isso, é necessário trabalhar por uma cultura da responsabilidade
em todo nível que envolva pessoas, empresas, governos e o próprio sistema
internacional.
c). Trabalhar pelo bem
comum global é promover uma justa regulação da economia, das finanças e do
comércio mundial. É urgente prosseguir no desendividamento externo para
favorecer os investimentos em desenvolvimento e gasto social236, prever
regulações globais para prevenir e controlar os movimentos especulativos de
capitais, para a promoção de um comércio justo e a diminuição das barreiras
protecionistas dos poderosos, para assegurar preços adequados das matérias primas
que os países empobrecidos produzem e de normas justas para atrair e regular os
investimentos e serviços entre outros.
d). Examinar atentamente
os Tratados inter-governamentais e outras negociações a respeito do livre
comércio. A Igreja do país latino-americano envolvido, à luz de um balanço de
todos os fatores que estão em jogo, precisa encontrar os caminhos mais eficazes
para alertar os responsáveis políticos e a opinião pública a respeito das
eventuais conseqüências negativas que podem afetar os setores mais
desprotegidos e vulneráveis da população.
e). Chamar todos os
homens e mulheres de boa vontade a colocarem em prática princípios fundamentais
como o bem comum (a casa é de todos), a subsidiariedade, a solidariedade
intergeracional e intrageracional.
8.6 Rostos sofredores
que doem em nós
8.6.1 Pessoas que vivem
na rua nas grandes cidades
407. Nas grandes cidades
é cada vez maior o número das pessoas que vivem na rua. Requerem cuidado
especial, atenção e trabalho de promoção humana por parte da Igreja, de tal
modo que enquanto se-lhes proporciona ajuda no necessário para a vida, que
também sejam incluídos em projetos de participação e promoção nos quais eles
próprios sejam sujeitos de sua re-inserção social.
408. Queremos chamar a
atenção dos governos locais e nacionais para que elaborem políticas que
favoreçam a atenção a estes seres humanos, assim como atendam as causas que
produzem este flagelo que afeta milhões de pessoas em toda nossa América Latina
e no Caribe.
410. É dever social do
Estado criar uma política inclusiva das pessoas da rua. Nunca se aceitará
como solução a esta grave problemática social a violência e inclusive o
assassinato dos meninos e jovens da rua, como tem sucedido lamentavelmente em
alguns países de nosso continente.
8.6.2 Migrantes
411. É expressão de
caridade, também eclesial, o acompanhamento pastoral dos migrantes. Há milhões
de pessoas que por diferentes motivos estão em constante mobilidade. Na América
Latina e Caribe os emigrantes, deslocados e refugiados sobretudo por causas
econômicas, políticas e de violência constituem um fato novo e dramático.
413. Para conseguir este
objetivo, faz-se necessário reforçar o diálogo e a cooperação de saída e de
acolhida entre as Igrejas, a fim de dar uma atenção comunitária e pastoral aos
que estão em mobilidade, apoiando-os em sua religiosidade e valorizando suas
expressões culturais em tudo aquilo que se refira ao Evangelho. É necessário,
que nos Seminários e Casas de formação se tome consciência sobre a realidade da
mobilidade humana, para dar a esse fenômeno uma resposta pastoral. Também se
requer a preparação de leigos que com sentido cristão, profissionalismo e
capacidade de compreensão, possam acompanhar aqueles que chegam, como também as
famílias que deixam nos lugares de saída237. Cremos que “a realidade das
migrações não deve nunca ser vista só como um problema, mas também e sobretudo,
como um grande recurso para o caminho da humanidade”238.
414. Entre as tarefas da
Igreja a favor dos migrantes está indubitavelmente a denúncia profética dos
atropelos que sofrem frequentemente, como também o esforço por incidir, junto
aos organismos da sociedade civil, nos governos dos países, para conseguir uma
política migratória que leve em consideração os direitos das pessoas em mobilidade. Deve
ter presente também os deslocados pela violência. Nos países açoitados pela
violência se requer a ação pastoral para acompanhar as vítimas e oferecer-lhes
acolhida e capacita-los para que possam viver de seu trabalho. Ao mesmo tempo,
deverá aprofundar seu esforço pastoral e teológico para promover uma cidadania
universal na qual não haja distinção de pessoas.
415. Os migrantes devem
ser acompanhados pastoralmente por suas Igrejas de origem e estimulados a se
fazer discípulos e missionários nas terras e comunidades que os acolhem,
compartilhando com eles as riquezas de sua fé e de suas tradições religiosas.
Os migrantes que partem de nossas comunidades podem oferecer uma valiosa
contribuição missionária às comunidades que os acolhem.
416. As generosas
remessas enviadas pelos imigrantes latino-americanos a partir dos Estados
Unidos, Canadá, países europeus e outros, evidencia sua capacidade de
sacrifício e amor solidário a favor das próprias famílias e pátrias de origem.
É, geralmente, ajuda dos pobres para os pobres.
8.6.3 Enfermos
418. Desde o início da
evangelização este duplo mandado tem sido cumprido. O combate à enfermidade tem
como finalidade conseguir a harmonia física, psíquica, social e espiritual para
o cumprimento da missão recebida. A Pastoral da Saúde é a resposta às grandes
interrogações da vida, como são o sofrimento e a morte, à luz da morte e da
ressurreição do Senhor.
421. Deve-se, portanto,
estimular nas Igrejas locais a Pastoral da Saúde que inclua diferentes campos
de atenção. Consideramos de grande prioridade fomentar uma pastoral com pessoas
que vivem com o HIV - Aids, em seu amplo contexto e em seus significados
pastorais: que promova o acompanhamento compreensivo, misericordioso e a defesa
dos direitos das pessoas infectadas; que implemente a informação, promova
a educação e a prevenção, com critérios éticos, principalmente entre as novas
gerações para que desperte a consciência de todos para conter a pandemia. A
partir desta V Conferência pedimos aos governos o acesso gratuito e universal
aos medicamentos para a Aids e a doses oportunas.
8.6.4 Dependentes de
drogas
422. O problema da droga
é como uma mancha de óleo que invade tudo. Não reconhece fronteiras, nem
geográficas, nem humanas. Ataca igualmente a países ricos quanto pobres, a
crianças, jovens, adultos e idosos, a homens e mulheres. A Igreja não pode
permanecer indiferente diante deste flagelo que está destruindo a humanidade,
especialmente as novas gerações. Sua tarefa deve ser direcionada em três
direções: prevenção, acompanhamento e apoio das políticas governamentais para
reprimir esta pandemia. Na prevenção, insiste na educação nos valores que devem
conduzir às novas gerações, especialmente o valor da vida e do amor, a própria
responsabilidade e a dignidade dos filhos de Deus. No acompanhamento, a Igreja
está ao lado do dependente para ajudá-lo a recuperar sua dignidade e vencer
esta enfermidade. No apoio à erradicação da droga, não deixa de denunciar a
criminalidade sem nome dos narco-traficantes que comercializam com tantas vidas
humanas, tendo como objetivo o lucro e a força em suas mais baixas expressões.
423. Na América Latina e
no Caribe, a Igreja deve promover uma luta frontal contra o consumo e tráfico
de drogas, insistindo no valor da ação preventiva e reeducativa, assim como
apoiando os governos e entidades civis que trabalham neste sentido, exortando o
estado em sua responsabilidade de combater o narcotráfico e prevenir o uso de
todo tipo de droga. A ciência tem indicado a religiosidade como um fator de
proteção e recuperação importante para o usuário de drogas.
424. Denunciamos que a
comercialização da droga se tornou algo cotidiano em alguns de nossos países
devido aos enormes interesses econômicos ao redor dela. Conseqüência disso é o
grande número de pessoas, em sua maioria crianças e jovens, que agora se
encontram escravizados e vivendo em situações muito precárias, que recorrem a
droga para acalmar sua fome ou para escapar da cruel e desesperadora realidade
em que vivem239.
425. É responsabilidade
do Estado combater com firmeza e com base legal, a comercialização indiscriminada
da droga e o consumo ilegal da mesma. Lamentavelmente, a corrupção também se
faz presente nesta esfera, e aqueles que deveriam estar na defesa de uma vida
mais digna, às vezes fazem uso ilegítimo de suas funções para se beneficiar
economicamente.
426. Estimulamos todos
os esforços que se realizam a partir do Estado, da sociedade civil e das
Igrejas em acompanhar estas pessoas. A Igreja Católica tem muitas obras que
respondem a esta problemática a partir do nosso ser discípulos e missionários
de Jesus, ainda que não de maneira suficiente diante da magnitude do problema;
são experiências que reconciliam os dependentes com a terra, com o trabalho,
com a família e com Deus. Merecem especial atenção, neste sentido, as
Comunidades terapêuticas, por sua visão humanística e transcendente da pessoa.
8.6.5 Detido em prisões
427. Uma realidade que
golpeia a todos os setores da população, mas principalmente o mais pobre, é a
violência produto das injustiças e outros males que durante longos anos está
sendo semeado nas comunidades. Isto induz a uma maior criminalidade e, por fim,
a que sejam muitas as pessoas que tem que cumprir penas em recintos
penitenciários desumanos, caracterizados pelo comércio de armas, drogas,
aglomeração, torturas, ausência de programas de reabilitação, crime organizado
que impede um processo de reeducação e de inserção na vida produtiva da
sociedade. No momento atual, os cárceres são com freqüência, lamentavelmente,
escolas para aprender a delinqüir.
428. É necessário que os
Estados considerem com seriedade e verdade a situação do sistema de justiça e a
realidade carcerária. É necessário uma maior agilidade nos procedimentos
judiciais, uma atenção personalizada da pessoa civil e militar que, em
condições muito difíceis, trabalha nos recintos penitenciários, e o reforço da
formação ética e dos valores correspondentes.
430. Recomenda-se às
Conferências Episcopais e Dioceses fomentar as comissões de pastoral
penitenciária, que sensibilizem a sociedade sobre a grave problemática
carcerária, estimulem processos de reconciliação dentro do recinto
penitenciário e incidam nas políticas locais e nacionais no que se refere à
segurança cidadã e à problemática penitenciária.
CAPÍTULO 9
FAMÍLIA, PESSOAS E VIDA
431. Não podemos nos
deter aqui para analisar todas as questões que integram a atividade pastoral da
Igreja, nem podemos propor projetos acabados ou linhas de ação exaustivas. Só
nos deteremos a fim de mencionar algumas questões que alcançaram particular
relevância nos últimos tempos, para que, posteriormente, as Conferências
Episcopais e outros organismos locais avancem em considerações mais amplas,
concretas e adaptadas às necessidades do próprio território.
9.1 O matrimônio e a
família
434. Cremos que “a
família é imagem de Deus que, em seu mistério mais íntimo não é uma solidão,
mas uma família”242. Na comunhão de amor das três Pessoas divinas, nossas
famílias tem sua origem, seu modelo perfeito, sua motivação mais bela e seu
último destino.
435. Visto que a família
é o valor mais querido por nossos povos, cremos que se deve assumir a
preocupação por ela como um dos eixos transversais de toda ação evangelizadora
da Igreja. Em toda diocese se requer uma pastoral familiar “intensa e
vigorosa”243 para proclamar o evangelho da família, promover a cultura da vida
e trabalhar para que os direitos das famílias sejam reconhecidos e respeitados.
436. Esperamos que os
legisladores, governantes e profissionais da saúde, conscientes da dignidade da
vida humana e do fundamento da família em nossos povos, defendam-na e
protejam-na dos crimes abomináveis do aborto e da eutanásia; esta é sua
responsabilidade. Por isso, diante de leis e disposições governamentais que são
injustas à luz da fé e da razão, deve-se favorecer a objeção de consciência.
Devemos nos ater à “coerência eucarística”, isto é, ser conscientes de que não
podem receber a sagrada comunhão e ao mesmo tempo agir com atos ou palavras
contra os mandamentos, em particular quando se propicia o aborto, a eutanásia e
outros graves delitos contra a vida e a família. Esta responsabilidade pesa de
maneira particular sobre os legisladores, governantes e os profissionais da
saúde244.
437. Para tutelar e
apoiar a família, a pastoral familiar pode estimular, entre outras, as
seguintes ações:
a) Comprometer de
uma maneira integral e orgânica ás outras pastorais, os movimentos e
associações matrimoniais e familiares a favor das famílias.
b) Estimular
projetos que promovam famílias evangelizadas e evangelizadoras.
c) Renovar a
preparação remota e próxima para o sacramento do matrimônio e da vida familiar
com itinerários pedagógicos de fé 245.
d) Promover, em
diálogo com os governos e a sociedade, políticas e leis a favor da vida, do
matrimônio e da família246.
e) Estimular e promover a educação integral dos membros da família, especialmente daqueles membros da família que estão em situações difíceis, incluindo a dimensão do amor e da sexualidade247.
e) Estimular e promover a educação integral dos membros da família, especialmente daqueles membros da família que estão em situações difíceis, incluindo a dimensão do amor e da sexualidade247.
f) Estimular
centros paroquiais e diocesanos com uma pastoral de atenção integral à família,
especialmente aquelas que estão em situações difíceis: mães adolescentes e
solteiras, viúvas e viúvos, pessoas da terceira idade, crianças abandonadas,
etc.
g) Estabelecer
programas de formação, atenção e acompanhamento para a paternidade e a
maternidade responsáveis.
h) Estudar as causas das crises familiares para encará-las em todos os seus fatores.
h) Estudar as causas das crises familiares para encará-las em todos os seus fatores.
i) Continuar
oferecendo formação permanente, doutrinal e pedagógica para os agentes de
pastoral familiar.
j) Acompanhar com
cuidado, prudência e amor compassivo, seguindo as orientações do Magistério248,
os casais que vivem em situação irregular, conscientes que os divorciados e
casados novamente não são permitidos comungar249. Requerem-se mediações para
que a mensagem de salvação chegue a todos. É urgente estimular ações eclesiais,
com um trabalho interdisciplinar de teologia e ciências humanas, que ilumine a
pastoral e a preparação de agentes especializados para o acompanhamento destes
irmãos.
k) Diante das
petições de nulidade matrimonial, fazer com que os Tribunais eclesiásticos
sejam acessíveis e tenham uma correta e rápida atuação 250.
l) Ajudar a criar
possibilidades para que os meninos e meninas órfãos e abandonados consigam,
pela caridade cristã, condições de acolhida e adoção e possam viver em família.
m) Organizar casas
de acolhida e um acompanhamento específico para socorrer com compaixão e
solidariedade ás meninas e adolescentes grávidas, ás mães “solteiras”, os lares
incompletos.
n) Ter presente que
a Palavra de Deus, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, solicita-nos uma
atenção especial em relação às viúvas. Procurar uma maneira para que elas
recebam uma pastoral que as ajude a enfrentar esta situação, muitas vezes de
desamparo e de solidão.
9.2 As crianças
439. Vemos com dor a
situação de pobreza, de violência intra-familiar (sobretudo em famílias
irregulares ou desintegradas), de abuso sexual, pela qual passa um bom número
de nossas crianças: os setores de infância trabalhadora, crianças de rua,
crianças portadora de HIV, órfãos, soldados, e crianças enganadas e expostas à
pornografia e prostituição forçada, tanto virtual quanto real. Sobretudo, a
primeira infância (0 a
6 anos) requer um cuidado e atenção especiais. Não se pode permanecer
indiferente diante do sofrimento de tantas crianças inocentes.
440. Por outro lado, a
infância, ao ser a primeira etapa da vida do recém-nascido, constitui uma
ocasião maravilhosa para a transmissão da fé. Vemos com gratidão a valiosa ação
de tantas instituições a serviço da infância.
a) Inspirar-se na
atitude de Jesus para com as crianças, de respeito e acolhida como os
prediletos do Reino, atendendo a sua formação integral. De importância para
toda sua vida é o exemplo de oração de seus pais e avós, que têm a missão de
ensinar a seus filhos e netos as primeiras orações.
b) Estabelecer, onde não
existam, O Departamento ou Seção da Infância para desenvolver ações pontuais e
orgânicas a favor dos meninos e meninas.
c) Promover processos de
reconhecimento da infância como um setor decisivo de especial cuidado por parte
da Igreja, da Sociedade e do Estado.
d) Tutelar a dignidade e
os direitos naturais inalienáveis dos meninos e das meninas, sem prejuízo dos
legítimos direitos dos pais. Cuidar para que os meninos recebam a educação
adequada a sua faixa etária no âmbito da solidariedade, da afetividade e da
sexualidade humana.
e) Apoiar as
experiências pastorais de atenção à primeira infância.
f) Estudar e considerar
as pedagogias adequadas para a educação na fé das crianças, especialmente em
tudo aquilo relacionado à iniciação cristã, privilegiando o momento da primeira
comunhão.
g) Valorizar a
capacidade missionária dos meninos e das meninas, que não só evangelizam seus
próprios companheiros, mas que também podem ser evangelizadores de seus
próprios pais.
h) Promover e difundir processos permanentes de pesquisa sobre a infância, que façam sustentável, tanto o reconhecimento de seu cuidado, como as iniciativas a favor da defesa e de sua promoção integral.
i) Fomentar a
instituição da Infância Missionária.
9.3 Os adolescentes e
jovens
442. Merece especial atenção a etapa da adolescência. Os adolescentes não são crianças nem são jovens. Estão na idade da procura de sua própria identidade, de independência frente a seus pais, de descoberta do grupo. Nesta idade, facilmente podem ser vítimas de falsos líderes constituindo grupos. É necessário estimular a pastoral dos adolescentes, com suas próprias características, que garanta sua perseverança e o crescimento na fé. O adolescente procura uma experiência de amizade com Jesus.
443. Os jovens e adolescentes constituem a grande maioria da população da América latina e do Caribe. Representam um enorme potencial para o presente e futuro da Igreja e de nossos povos como discípulos e missionários do Senhor Jesus. Os jovens são sensíveis para descobrir sua vocação a ser amigos e discípulos de Cristo. São chamados a ser “sentinelas da manhã251”, comprometendo-se na renovação do mundo à luz do Plano de Deus. Não temem o sacrifício nem a entrega da própria vida, mas sim uma vida sem sentido. Por sua generosidade, são chamados a servir a seus irmãos, especialmente aos mais necessitados, com todo seu tempo e sua vida. Tem capacidade para se opor às falsas ilusões de felicidade e aos paraísos enganosos das drogas, do prazer, do álcool e de todas as formas de violência. Em sua procura pelo sentido da vida, são capazes e sensíveis para descobrir o chamado particular que o Senhor Jesus lhes faz. Como discípulos missionários, as novas gerações são chamadas a transmitir a seus irmãos jovens, sem distinção alguma, a corrente de vida que procede de Cristo e a compartilhá-la em comunidade, construindo a Igreja e a sociedade.
444. Por outro lado,
constatamos com preocupação que inumeráveis jovens do nosso continente passam
por situações que os afetam significativamente: as sequelas da pobreza, que
limitam o crescimento harmônico de suas vidas e geram exclusão; a socialização
cuja transmissão de valores já não acontece primariamente nas instituições
tradicionais, mas em novos ambientes não isentos de uma forte carga de
alienação; e sua permeabilidade às formas novas de expressões culturais,
produto da globalização, que afeta sua própria identidade pessoal e social. São
presa fácil das novas propostas religiosas e pseudo-religiosas. As crises,
pelas quais passa a família hoje em dia, produz profundas carências afetivas e
conflitos emocionais.
445. Estão muito
afetados por uma educação de baixa qualidade, que os deixa por baixo dos níveis
necessários de competitividade, somado aos enfoques antropológicos
reducionistas, que limitam seus horizontes de vida e dificultam a tomada de
decisões duradouras. Vê-se ausência de jovens na esfera política devido á
desconfiança que geram as situações de corrupção, o desprestígio dos políticos
e a procura de interesses pessoais frente ao bem comum. Constata-se com
preocupação suicídios de jovens. Outros não tem possibilidades de estudar ou
trabalhar e muitos deixam seus países por não encontrar neles um futuro, dando
assim ao fenômeno da mobilidade humana e da migração um rosto juvenil. Preocupa
também o uso indiscriminado e abusivo que muitos jovens fazem da comunicação
virtual.
446. Diante destes
desafios sugerimos algumas linhas de ação:
a) Renovar, em
estreita união com a família, de maneira eficaz e realista, a opção
preferencial pelos jovens, em continuidade com as Conferências Gerais
anteriores, dando novo impulso à Pastoral da Juventude nas comunidades
eclesiais (dioceses, paróquias, movimentos, etc).
b) Estimular os
Movimentos eclesiais que tem uma pedagogia orientada à evangelização dos jovens
e convida-los a colocar mais generosamente suas riquezas carismáticas,
educativas e missionárias a serviço das Igrejas locais.
c) Propor aos
jovens o encontro com Jesus Cristo vivo e seu seguimento na Igreja, à luz do
Plano de Deus, que garanta a realização plena de sua dignidade de ser humano,
que estimule-os a formar sua personalidade e que proponha a eles uma opção
vocacional específica: o sacerdócio, a vida consagrada ou o matrimônio. Durante
o processo de acompanhamento vocacional, irá aos poucos introduzindo
gradualmente os jovens na oração pessoal e na lectio divina, na freqüência aos
sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação, da direção espiritual e do
apostolado.
d) Privilegiar na
Pastoral da Juventude processos de educação e amadurecimento na fé como
resposta de sentido e orientação da vida e garantia de compromisso missionário.
De maneira especial, buscar-se-á implementar uma catequese atrativa para os
jovens que os introduza no conhecimento do mistério de Cristo, buscando mostrar
a eles a beleza da Eucaristia dominical que os leve a descobrir nela Cristo
vivo e o mistério fascinante da Igreja.
e) A pastoral da
Juventude ajudará os jovens a se formar de maneira gradual, para a ação social
e política e a mudança de estruturas, conforme a Doutrina Social da Igreja,
fazendo própria a opção preferencial e evangélica pelos pobres e necessitados.
f) É imperativa a
capacitação dos jovens para que tenham oportunidades no mundo do trabalho e
evitar que caiam na droga e na violência.
g) Nas metodologias
pastorais, procurar uma maior sintonia entre o mundo adulto e o mundo dos
jovens.
h) Assegurar a
participação dos jovens em peregrinações, nas Jornadas nacionais e mundiais da
Juventude, com a devida preparação espiritual e missionária e com a companhia
de seus pastores.
9.4 O bem-estar dos
idosos
447. O acontecimento da
apresentação no templo (cf. Lc 2,41-50) coloca-nos diante do encontro das
gerações: as crianças e os anciãos. A criança que surge para a vida, assumindo
e cumprindo a Lei, e os anciãos, que a festejam com a alegria do Espírito
Santo. Crianças e anciãos constroem o futuro dos povos. As crianças porque
levarão adiante a história, os anciãos porque transmitem a experiência e a
sabedoria presente em suas vidas.
448. O respeito e a
gratidão dos anciãos deve ser testemunhado em primeiro lugar por sua própria
família. A Palavra de Deus nos desafia de muitas maneiras a respeitar e
valorizar os mais velhos e anciãos. Convida-nos, inclusive, a aprender deles,
com gratidão e a acompanhá-los em sua solidão e fragilidade. A frase de Jesus:
“aos pobres sempre terão com vocês e poderão socorrê-los quando quiserem” (Mc
14,7), pode muito bem ser entendida, porque fazem parte de cada família, povo e
nação. No entanto, muitas vezes, são esquecidos ou descuidados pela sociedade e
até mesmo por seus próprios familiares.
449. Muitos de nossos
idosos gastaram sua vida pelo bem de sua família e da comunidade, a partir de
seu lugar e vocação. Muitos são verdadeiros discípulos missionários de Jesus,
por seu testemunho e suas obras. Merecem ser reconhecidos como filhos e filhas
de Deus, chamados a compartilhar a plenitude do amor e a serem queridos em
particular pela cruz de suas doenças, da capacidade diminuída ou da solidão. A família
não deve olhar só as dificuldades que traz conviver com eles ou o ter que
atende-los. A sociedade não pode considerá-los como um peso ou uma carga. É
lamentável que em alguns países não haja políticas sociais que se ocupem
suficientemente dos idosos já aposentados, pensionistas, enfermos ou
abandonados. Portanto, exortamos a criação de políticas sociais justas e
solidárias, que atendam a estas necessidades.
453. Lamentamos que
inumeráveis mulheres de toda condição não sejam valorizadas em sua dignidade,
fiquem com freqüência sozinhas e abandonadas, não se reconheçam nelas
suficientemente seu abnegado sacrifício e inclusive heróica generosidade no
cuidado e educação dos filhos nem na transmissão da fé na família. Muito menos
se valoriza nem se promove adequadamente sua indispensável e peculiar
participação na construção de uma vida social mais humana e na edificação da
Igreja. Ao mesmo tempo, sua urgente dignificação e participação pretende ser
distorcida por correntes ideológicas, mascadas pela marca cultural das
sociedades de consumo e do espetáculo, que são capazes de submeter as mulheres
a novas formas de escravidão. Na América Latina e no Caribe é necessário
superar uma mentalidade machista que ignora a novidade do cristianismo, onde se
reconhece e proclama a “igual dignidade e responsabilidade da mulher em relação
ao homem”252.
454. Nesta hora da
América Latina e do Caribe é imperativo escutar o clamor, muitas vezes
silenciado, de mulheres que são submetidas a muitas formas de exclusão e de
violência em todas as suas formas e em todas as etapas de suas vidas. Entre
elas, as mulheres pobres, indígenas e afro-americanas tem sofrido uma dupla
marginalização. É necessário que todas as mulheres possam participar plenamente
na vida eclesial, familiar, cultural, social e econômica, criando espaços e
estruturas que favoreçam uma maior inclusão.
455. As mulheres
constituem, geralmente, a maioria de nossas comunidades. São as primeiras
transmissoras da fé e colaboradoras dos pastores, que devem atendê-las,
valorizá-las e respeitá-las.
456. É necessário
valorizar a maternidade como missão excelente das mulheres. Isto não se opõe a
seu desenvolvimento profissional e ao exercício de todas as suas dimensões, o
qual permite ser fiéis ao plano original de Deus que dá ao casal humano, de
forma conjunta, a missão de melhorar a terra. A mulher é insubstituível no lar,
na educação dos filhos e na transmissão da fé. Mas isto não exclui a
necessidade de sua participação ativa na construção da sociedade. Para isso é
necessário propiciar uma formação integral de maneira que as mulheres possam
cumprir sua missão na família e na sociedade.
458. Propomos algumas
ações pastorais:
a) Estimular a
organização da pastoral de maneira que ajude a descobrir e desenvolver em cada
mulher e nos âmbitos eclesiais e sociais o “gênio feminino253” e promova o mais
amplo protagonismo das mulheres.
b) Garantir a
efetiva presença da mulher nos ministérios que na Igreja são confiados aos
leigos, assim como também nas instâncias de planejamento e decisão pastorais,
valorizando sua contribuição.
c) Acompanhar as
associações femininas que lutam para superar situações difíceis, de
vulnerabilidade ou de exclusão.
d) Promover o
diálogo com autoridade para a elaboração de programas, leis e políticas
públicas que permitam harmonizar a vida de trabalho da mulher com seus deveres
de mãe de família.
459. O homem, a partir
de sua especificidade, é chamado pelo Deus da vida a ocupar um lugar original e
necessário na construção da sociedade, na geração da cultura e na realização da
história. Profundamente motivados pela bela realidade do amor que tem sua fonte
em Jesus Cristo ,
o homem se sente fortemente convidado a formar uma família. Ali, em uma
essencial disposição de reciprocidade e complementaridade, vivem e valorizam
para a plenitude de sua vida, a ativa e insubstituível riqueza da contribuição
da mulher, que lhes permite reconhecer mais nitidamente sua própria identidade.
460. Enquanto batizado,
o homem deve se sentir enviado pela Igreja a todos os campos de atividade que
constituem sua vocação e missão dando testemunho como discípulo e missionário
de Jesus Cristo na família. No entanto, em não poucos casos,
desafortunadamente, termina renunciando a esta responsabilidade e delegando-a
às mulheres ou esposas.
461. Tradicionalmente,
devemos reconhecer que uma porcentagem significativa deles na América latina e
Caribe, se mantém á margem da Igreja e do compromisso que nela são chamados a
realizar. Deste modo, afastam-se de Jesus Cristo, da vida plena que tanto
desejam e procuram. Esta condição de distância ou indiferença por parte dos
homens, que questiona fortemente o estilo de nossa pastoral convencional,
contribui para que vá crescendo a separação entre fé e cultura, a gradual perda
do que interiormente é essencial e doador de sentido, a fragilidade para
resolver adequadamente conflitos e frustrações, à fraqueza para resistir ao
embate e seduções de uma cultura consumista, frívola e competitiva, etc. Tudo
isto os faz vulneráveis diante da proposta de estilos de vida que, propondo-se
como atrativos, terminam sendo desumanizadores. Em um número cada vez mais
freqüente deles, vai se abrindo passagem à tentação de ceder à violência,
infidelidade, abuso do poder, dependência de drogas, alcoolismo, machismo,
corrupção e abandono de seu papel de pais.
462. Por outro lado, uma
grande porcentagem de homens se sentem cobrados na família, no trabalho e socialmente.
Carentes de maior compreensão, acolhida e afeto da parte dos seus, de serem
valorizados de acordo com o que contribuíram materialmente e sem espaços vitais
onde compartilhar seus sentimentos mais profundos com toda liberdade,
eles são expostos a uma situação de profunda insatisfação que os deixa a mercê
do poder desintegrador da cultura atual. Diante desta situação, e em
consideração às conseqüências mencionadas traz para a vida matrimonial e para
os filhos, faz-se necessário estimular em todas nossas Igrejas locais uma
especial atenção pastoral para o pai de família.
463. Propõem-se algumas
ações pastorais:
a) Revisar os
conteúdos das diversas catequeses preparatórias aos sacramentos, como as
atividades e movimentos eclesiais relacionados com a pastoral familiar, para
favorecer o anúncio e a reflexão ao redor da vocação que o homem é chamado e
viver no matrimônio, na família, na Igreja e na sociedade.
b) Aprofundar nas
instâncias pastorais pertinentes, o papel específico que cabe ao homem na
construção da família enquanto Igreja Doméstica, especialmente como discípulo e
missionário evangelizador de seu lar.
c) Promover em
todos os campos de atividade da educação católica e da pastoral de jovens, o
anúncio e o desenvolvimento dos valores e atitudes que facilitem aos jovens e
às jovens gerarem competências que lhes permitam favorecer o papel de homem na
vida matrimonial, no exercício da paternidade e na educação da fé de seus
filhos.
d) Desenvolver nas
universidades católicas, à luz da antropologia e da moral cristã, a pesquisa e
a reflexão necessárias que permitam conhecer a situação atual do mundo dos
homens, das conseqüências do impacto dos atuais modelos culturais em sua
identidade e missão, e pistas que possam colaborar no projeto de orientações pastorais
a respeito.
e) Denunciar uma
mentalidade neoliberal que não vê no pai de família mais do que um instrumento
de produção e ganância, relegando-o inclusive na família a um papel de mero
provedor. A crescente prática de políticas públicas e iniciativas privadas de
promover inclusive o domingo como dia de trabalho, é uma medida profundamente
destrutiva da família e dos pais.
f) Favorecer na
vida da Igreja a ativa participação dos homens, gerando e promovendo espaços e
serviços nos campos assinalados.
464. O ser humano,
criado a imagem e semelhança de Deus, também possui uma altíssima dignidade que
não podemos pisotear e que somos convocados a respeitar e a promover. A vida é
presente gratuito de Deus, dom e tarefa que devemos cuidar desde a concepção,
em todas as suas etapas até a morte natural, sem relativismos.
466. Não podemos escapar
deste desafio de diálogo entre a fé, a razão e as ciências. Nossa prioridade
pela vida e pela família, carregadas de problemáticas que são debatidas nas
questões éticas e na bioética, conduz-nos a iluminá-las com o Evangelho e o
Magistério da Igreja254.
467. Hoje, assistimos
hoje a novos desafios que nos pedem para ser vozes dos que não têm voz. A
criança que está crescendo no seio materno e nas pessoas que se encontram no
ocaso de suas vidas, são uma voz de vida digna que grita ao céu e que não pode
deixar de nos estremecer. A liberalização e banalização das práticas abortivas
são crimes abomináveis, assim como a eutanásia, a manipulação genética e
embrionária, ensaios médicos contrários a ética, pena de morte e tantas outras
maneiras de atentar contra a dignidade e a vida do ser humano. Se quisermos
sustentar um fundamento sólido e inviolável para os direitos humanos, é
indispensável reconhecer que a vida humana deve ser defendida sempre, desde o
momento da fecundação. De outra maneira, as circunstâncias e conveniências dos
poderosos sempre encontrarão desculpas para maltratar as pessoas255.
468. Os desejos de vida,
de paz, de fraternidade e de felicidade não encontram resposta em meios aos
ídolos do lucro e da eficácia, da insensibilidade diante do sofrimento alheio,
dos ataques à vida intra-uterina, a mortalidade infantil, a deterioração de
alguns hospitais e todas as modalidade de violência contra crianças, jovens,
homens e mulheres. Isto sublinha a importância da luta pela vida e pela
dignidade e integridade da pessoa humana. A defesa fundamental da dignidade e
destes valores começa na família.
a) Continuar a
promoção, nas Conferências Episcopais e nas dioceses, de cursos sobre família e
questões éticas para os Bispos e para os agentes de pastorais que possam ajudar
a fundamentar com solidez os diálogos a respeito dos problemas e situações
particulares sobre a vida.
b) Procurar que
presbíteros, diáconos, religiosos e leigos busquem estudos universitários de
moral familiar, questões éticas e, quando seja possível, cursos mais
especializados de bioética256.
c) Promover foros,
painéis, seminários e congressos que estudem, reflitam e analisem temas
concretos da atualidade sobre a vida em suas diversas manifestações e,
sobretudo, no ser humano, especialmente no que se refere ao respeito pela vida
desde a concepção até sua morte natural.
d) Pedir às
universidades católicas para organizar programas de bioética acessíveis a todos
e tomem posição pública diante dos grandes temas da bioética.
e) Criar nas
Conferências Episcopais um comitê de ética e bioética, com pessoas preparadas
no tema, que garantam fidelidade e respeito à doutrina do Magistério da Igreja
sobre a vida, para que seja a instância que pesquise, estude, discuta e
atualize a comunidade no momento que o debate público seja necessário. Este
comitê enfrentará as realidades que se apresentarão na localidade, no país ou
no mundo, para defender e promover a vida no momento oportuno.
f) Oferecer aos
matrimônios programas de formação em paternidade responsável e sobre o uso dos
métodos naturais de regulação da natalidade, como pedagogia exigente de vida e
de amor257.
g) Apoiar e
acompanhar pastoralmente e com especial ternura e solidariedade as mulheres que
decidiram não abortar e acolher com misericórdia aquelas que abortaram para
ajudá-las a curar suas graves feridas e convida-las a ser defensoras da vida. O
aborto faz duas vítimas: certamente, a criança, mas, também, a mãe.
h) Promover a
formação e ação de leigos competentes, anima-los a que se organizem para
defender a vida e a família e estimula-los a participar em organismos nacionais
e internacionais.
i) Assegurar que se
incorpore a objeção de consciência nas legislações e cuidar para que seja
respeitada pelas administrações públicas.
9.8 O cuidado com o
meio-ambiente
470. Como discípulos de
Jesus, sentimo-nos convidados a dar graças pelo dom da criação, reflexo da
sabedoria e da beleza do Logos criador. No desígnio maravilhoso de Deus, o
homem e a mulher são convocados a viver em comunhão com Ele, em comunhão entre
eles e com toda a criação. O Deus da vida encomendou ao ser humano sua obra
criadora para que “a cultivasse e a guardasse” (Gn 2,15). Jesus conhecia bem a
preocupação do Pai pelas criaturas que Ele alimenta (cf. Lc 12,24) e embeleza
(cf. Lc 12,27). E enquanto andava pelos caminhos de sua terra não só se detinha
para contemplar a beleza da natureza, mas também convidava seus discípulos a
reconhecer a mensagem escondida nas coisas (cf. Lc 12,24-27; Jo 4,35). As
criaturas do Pai dão glória “somente com sua existência”258, e por isso o ser
humano deve fazer uso delas com cuidado e delicadeza259.
474. Diante desta
situação, oferecemos algumas propostas e orientações:
a) Evangelizar
nossos povos para descubram o dom da criação, sabendo contempla-la e cuidar
dela como casa de todos os seres vivos e matriz da vida do planeta, a fim de
exercitar responsavelmente o senhorio humano sobre a terra e sobre os recursos
para que possam render todos os seus frutos em uma destinação universal,
educando para um estilo de vida de sobriedade e austeridade solidárias.
b) Aprofundar a
presença pastoral nas populações mais frágeis e ameaçadas pelo desenvolvimento
predatório e apoiá-las em seus esforços para conseguir uma eqüitativa
distribuição da terra, da água e dos espaços urbanos.
c) Procurar um
modelo de desenvolvimento alternativo261, integral e solidário, baseado em uma
ética que inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e
humana, que se fundamente no evangelho da justiça, da solidariedade e do
destino universal dos bens, e que supere a lógica utilitarista e
individualista, que não submete os poderes econômicos e tecnológicos a
critérios éticos. Portanto, estimular nossos homens do campo a se organizarem
de tal maneira que possam conseguir sua justa reivindicação.
d) Empenhar nossos
esforços na promulgação de políticas públicas e participações cidadãs que
garantam a proteção, conservação e restauração da natureza.
e) Determinar
medidas de monitoramento e de controle social sobre a aplicação dos padrões
ambientais internacionais nos países.
475. Criar nas Américas
consciência sobre a importância da Amazônia para toda a humanidade.
Estabelecer entre as Igrejas locais de diversos países sul-americanos que estão
na bacia amazônica uma pastoral de conjunto com prioridades diferenciadas para
criar um modelo de desenvolvimento que privilegie os pobres e sirva ao bem
comum. Apoiar a Igreja que vive na Amazônia, com os recursos humanos e
financeiros necessários para que siga proclamando o evangelho da vida e
desenvolva seu trabalho pastoral na formação de leigos e sacerdotes através de
seminários, cursos, intercâmbios, visitas às comunidades e material educativo.
CAPÍTULO 10
NOSSOS POVOS E A CULTURA
10.1 A cultura e sua evangelização
478. Com o Santo Padre
damos graças pelo fato de que a Igreja, “ajudando os fiéis cristãos a viverem
sua fé com alegria e coerência” tem sido, ao longo de sua história neste
continente, criadora e animadora de cultura: “A fé em Deus tem animado a vida e
a cultura destes povos durantes mais de cinco séculos”. Esta realidade foi
expressa na “arte, na música, na literatura e, sobretudo, nas tradições
religiosas e na idiossincrasia de suas gentes, unidas por uma mesma
história e por um mesmo credo, formando uma grande sintonia na diversidade de
culturas e de línguas!264.
479. Com a inculturação
da fé, a Igreja se enriquece com novas expressões e valores, manifestando e
celebrando cada vez melhor o mistério de Cristo, conseguindo unir mais a fé
à vida e contribuindo, assim, para uma catolicidade mais plena, não só
geográfica, mas também cultural. No entanto, este patrimônio cultural
latino-americano e caribenho se vê confrontado com a cultura atual, que apresenta
luzes e sombras. Devemos considera-la com empatia para entende-la, mas também
com uma postura crítica para descobrir o que nela é fruto da limitação humana e
do pecado. Ela apresenta muitas e sucessivas mudanças, provocadas por novos
conhecimentos e descobrimentos da ciência e da tecnologia. Assim se desvanece
uma única imagem do mundo que oferecia orientação para a vida cristã. Recai,
portanto, sobre o indivíduo toda a responsabilidade de construir sua
personalidade e plasmar sua identidade social. Assim temos, por um lado, a
emergência da subjetividade, do respeito à dignidade e à liberdade de cada um,
sem dúvida uma importante conquista da humanidade. Por outro lado, este
mesmo pluralismo de ordem cultural e religiosa, propagado fortemente por uma cultura
globalizada, acaba por erigir o individualismo como característica dominante da
atual sociedade, responsável pelo relativismo ético e pela crise da família.
480. Muitos católicos se
encontram desorientados frente a esta mudança cultural. Compete á Igreja denunciar
claramente “estes modelos antropológicos incompatíveis com a natureza e a
dignidade do homem”265. É necessário apresentar a pessoa humana como o centro
de toda a vida social e cultural, resultando nela: a dignidade de ser imagem e
semelhança de Deus e a vocação de ser filhos no Filho, chamados a compartilhar
sua vida por toda a eternidade. A fé cristã nos mostra Jesus Cristo como a
verdade última do ser humano266, o modelo no qual o ser humano se realiza em
todo seu esplendor ontológico e existencial. Anuncia-lo integralmente em nossos
dias exige coragem e espírito profético. Neutralizar a cultura de morte com a
cultura cristã da solidariedade é um imperativo que diz respeito a todos nós e
que foi um objetivo constante do ensino social da Igreja. No entanto, o anúncio
do Evangelho não pode prescindir da cultura atual. Esta deve ser conhecida,
avaliada e, em certo sentido, assumida pela Igreja, com uma linguagem
compreendida por nossos contemporâneos. Somente assim a fé cristã poderá
aparecer como realidade pertinente e significativa de salvação. Mas esta mesma
fé deverá gerar modelos culturais alternativos para a sociedade atual. Os
cristãos, com os talentos que têm recebido, talento apropriados deverão ser
criativos em seus campos de atuação: o mundo da cultura, da política, da
opinião pública, da arte e da ciência.
481. Anteriormente nos
referimos à educação católica, mas, como pastores, não podemos ignorar a missão
do Estado no campo educativo, velando de um modo particular pela educação das
crianças e dos jovens. Estes centros educativos não deveriam ignorar que a
abertura à transcendência é uma dimensão da vida humana, através da qual a
formação integral das pessoas reivindica a inclusão de conteúdos religiosos.
483. Diante das
dificuldade que encontramos em vários países a esse respeito, queremos nos empenhar
na formação religiosa dos fiéis que assistem às escolas públicas de gestão
estatal, procurando acompanha-los também através de outras instâncias
formativas em nossas paróquias e dioceses. Ao mesmo tempo, agradecemos a
dedicação dos professores de religião nas escolas públicas e os animamos nesta
tarefa. Estimulamo-los para que promovam uma capacitação doutrinal e
pedagógica. Agradecemos também àqueles que, pela oração e pela vida
comunitária, esforçam-se por ser testemunho de fé e de coerência nestas escolas.
10.3 Pastoral da
Comunicação social
485. “Nosso século tem
sido influenciado pelos meios de comunicação social, por isso, o primeiro
anúncio, a catequese ou o posterior aprofundamento da fé, não podem prescindir
desses meios”. “Colocados a serviço do Evangelho, eles oferecem a possibilidade
de difundir quase sem limites o campo de audição da Palavra de Deus, fazendo
chegar a Boa Nova a milhões de pessoas. A Igreja se sentiria culpada diante de
Deus se não empregasse esses poderosos meios, que a inteligência humana
aperfeiçoa cada vez mais. Com eles, a Igreja ‘proclama a partir dos telhados’
(cf. Mt 10,27; Lc 12,3) a
mensagem de que é depositária. Neles, encontra uma versão moderna e eficaz do
‘púlpito’. Graças a eles, pode falar às multidões”268.
a) Conhecer e
valorizar esta nova cultura da comunicação.
b) Promover a
formação profissional na cultura da comunicação de todos os agentes e cristãos.
c) Formar
comunicadores profissionais competentes e comprometidos com os valores humanos
e cristãos na transformação evangélica da sociedade, com particular atenção aos
proprietários, diretores, programadores e locutores.
d) Apoiar e
otimizar, por parte da Igreja, a criação de meios de comunicação social
próprios, tanto nos setores televisivos e de rádio, como nos sites de Internet
e nos meios impressos;
e) Estar presente
nos meios de comunicação de massa: imprensa, rádio e TV, cinema digital, sites
de Internet, fóruns e tantos outros sistemas para introduzir neles o mistério
de Cristo.
f) Educar na
formação crítica quanto ao uso dos meios de comunicação a partir da primeira
idade;
g) Animar as
iniciativas existentes ou a serem criadas neste campo, com espírito de
comunhão.
h) Promover leis
para criar nova cultura que protejam as crianças, jovens e as pessoas mais
vulneráveis para que a comunicação não transgrida os valores e, ao contrário,
criem critérios válidos de discernimento269.
i) Desenvolver uma
política de comunicação capaz de ajudar tanto as pastorais de comunicação como
os meios de comunicação de inspiração católica a encontrar seu lugar na missão
evangelizadora da Igreja.
487. A internet, vista
dentro do panorama da comunicação social, deve ser entendida na linha já
proclamada no Concílio Vaticano II como uma das “maravilhosas invenções da
tecnologia”270. “Para a Igreja, o novo mundo do espaço cibernético é uma
exortação à grande aventura da utilização de seu potencial para proclamar a
mensagem evangélica. Este desafio está no centro do que significa, no início do
milênio, seguir o mandado do Senhor, de “avançar”: Dunc in altum! (Lc 5,4)”271.
488. “A Igreja se
aproxima a este novo meio com realismo e confiança. Como os outros instrumentos
de comunicação, ele é um meio e não um fim em si mesmo. A Internet pode
oferecer magníficas oportunidades de evangelização, se usada com competência e
uma clara consciência de suas forças e fraquezas”272.
489. Os meios de
comunicação, em geral, não substituem as relações pessoais nem a vida
comunitária. No entanto, os sites podem reforçar e estimular o intercâmbio de
experiências e de informações que intensifiquem a prática religiosa através de
acompanhamentos e orientações. Também na família devem aos pais alertar seus
filhos para o uso consciente dos conteúdos disponíveis na Internet, para
complementar sua formação educacional e moral.
490. Visto que a exclusão
digital é evidente, as paróquias, comunidades, centros culturais e instituições
educacionais católicas poderiam ser estimuladoras da criação de pontos de rede
e de salas digitais para promover a inclusão, desenvolvendo novas iniciativas e
aproveitando, com um olhar positivo, aquelas que já existem. Na América Latina
e no Caribe existem revistas, jornais, sites, portais e serviços on line de
conteúdos informativos e formativos, além de orientações religiosas e sociais
diversas, tais como “sacerdote”, “orientador espiritual”, “orientador
vocacional”, “professor”, “médico”, entre outros. Existem inumeráveis escolas e
instituições católicas que oferecem cursos a distância de teologia e de cultura
bíblica.
10.4 Novos lugares e
centros de decisão
491. Queremos felicitar
e incentivar a tantos discípulos e missionários de Jesus Cristo que, com sua
presença ética coerente, continuam semeando os valores evangélicos nos
ambientes onde tradicionalmente se faz cultura e nos novos lugares: o mundo das
comunicações, a construção da paz, o desenvolvimento e a libertação dos povos,
sobretudo das minorias, a promoção da mulher e das crianças, a ecologia e a
proteção da natureza. E “o vastíssimo lugar da cultura, da experimentação
científica, das relações internacionais”273. Evangelizar a cultura, longe de
abandonar a opção preferencial pelos pobres e pelo compromisso com a realidade,
nasce do amor apaixonado por Cristo, que acompanha o Povo de Deus na missão de
inculturar o Evangelho na história, ardente e infatigável em sua caridade
humana.
492. Uma tarefa de
grande importância é a formação de pensadores e pessoas que estejam nos níveis
de decisão. Para isso, devemos empregar esforço e criatividade na evangelização
de empresários, políticos e formadores de opinião no mundo do trabalho,
dirigentes sindicais, cooperativos e comunitários.
493. Na cultura atual,
estão se abrindo novos campos missionários e pastorais que se abrem. Um deles
é, sem dúvida, a pastoral do turismo274 e do entretenimento, que tem um campo
imenso de realização nos clubes, nos esportes, no cinema, centros comerciais e
outras opções que diariamente chamam a atenção e pedem para ser evangelizados.
494. Diante da falsa
visão de uma incompatibilidade entre fé e ciência tão difundida em nossos dias,
a Igreja proclama que a fé não é irracional. “Fé e razão são duas asas pelas
quais o espírito humano se eleva na contemplação da verdade”275. Por isto,
valorizamos a tantos homens e mulheres de fé e ciência, que aprenderam a ver na
beleza da natureza os sinais do Mistério, do amor e da bondade de Deus, e são
sinais luminosos que ajudam a compreender que o livro da natureza e da Sagrada
Escritura falam do mesmo Verbo que se fez carne.
495. Queremos valorizar
sempre mais os espaços de diálogo entre fé e ciência, inclusive nos meios de
comunicação. Uma forma de fazê-lo é através da difusão da reflexão e da obra
dos grandes pensadores católicos, especialmente do século XX, como referências
para a justa compreensão da ciência.
496. Deus não é só a
suma Verdade. Ele é também a suma Bondade e a suprema Beleza. Por isso, “a
sociedade tem a necessidade de artistas da mesma maneira que necessita de
cientistas, técnicos, trabalhadores, especialistas, testemunhas da fé,
professores, pais e mães, que garantam o crescimento da pessoa e o progresso da
comunidade, através daquela forma sublime de arte que é a “arte de educar”276.
497. É necessário
comunicar os valores evangélicos de maneira positiva e propositiva. São muitos
os que se dizem descontentes, não tanto com o conteúdo da doutrina da Igreja,
mas com a forma como ela é apresentada. Para isso, na elaboração de nossos
planos pastorais queremos:
a) Favorecer a
formação de um laicato capaz de atuar como verdadeiro sujeito eclesial e
competente interlocutor entre a Igreja e a sociedade e entre a sociedade e a
Igreja.
b) Otimizar o uso
dos meios de comunicação católicos, fazendo-os mais atuantes e eficazes, seja
para a comunicação da fé, seja para o diálogo entre a Igreja e a sociedade.
c) Atuar com os
artistas, esportistas, profissionais da moda, jornalistas, comunicadores e
apresentadores, assim como com os produtores de informação nos meios de
comunicação, com os intelectuais, professores, líderes comunitários e
religiosos.
d) Resgatar o papel
do sacerdote como formador de opinião.
498. Aproveitando as
experiências dos Centros de Fé e Cultura ou Centros Culturais Católicos,
trataremos de criar ou dinamizar os grupos de diálogo entre a Igreja e os
formadores de opinião dos diversos campos. Convocamos nossas Universidades
Católicas para que sejam cada vez mais lugar de produção e irradiação do
diálogo entre fé e razão e do pensamento católico.
499. Cabe também às
Igrejas da América Latina e do Caribe criar oportunidades para a utilização da
arte na catequese de crianças, adolescentes e adultos, assim como nas
diferentes pastorais da Igreja. É necessário também que as ações da Igreja
nesse campo sejam acompanhadas por um melhora técnica e profissional exigida
pela própria expressão artística. Por outro lado, é também necessária a formação
de uma consciência crítica que permita julgar com critérios objetivos a
qualidade artística do que realizamos.
500. É fundamental que
as celebrações litúrgicas incorporem em suas manifestações elementos artísticos
que possam transformar e preparar a assembléia para o encontro com Cristo. A
valorização dos espaços de cultura existente, onde se incluem os próprios
templos, é uma tarefa essencial para a evangelização pela cultura. Nessa
linha, também se deve incentivar a criação de centros culturais católicos,
necessários especialmente nas áreas mais carentes onde o acesso à cultura é
mais urgente e reivindica melhorar o sentido do humano.
10.5 Discípulos e
missionários na vida pública
501. Os discípulos e
missionários de Cristo devem iluminar com a luz do Evangelho todos os espaços
da vida social. A opção preferencial pelos pobres, de raiz evangélica, exige
uma atenção pastoral atenta aos construtores da sociedade277. Se muitas das
estruturas atuais geram pobreza, em parte é devido à falta de fidelidade a compromissos
evangélicos de muitos cristãos com especiais responsabilidades políticas,
econômicas e culturais.
502. A realidade atual
de nosso continente manifesta que existe “uma notável ausência no âmbito
político, comunicativo e universitário, de vozes e iniciativas de líderes
católicos de forte personalidade e de vocação abnegada que sejam coerentes com
suas convicções éticas e religiosas”278.
503. Entre os sinais de
preocupação, destaca-se, como uma das mais relevantes a concepção que se tem
formado do ser humano, homem e mulher. Agressões à vida, em todas as suas
instâncias, em especial contra os mais inocentes e fracos, pobreza aguda e
exclusão social, corrupção e relativismo ético, entre outros aspectos, tem como
referência um ser humano, na prática, fechado a Deus e ao outro.
504. Os fortes poderes,
animados ou por um antigo laicismo exacerbado, ou por um relativismo ético que
se propõe como fundamento da democracia, pretende refutar toda presença e
contribuição da Igreja na vida pública das nações e a pressionam para que se
retire para os templos e para seus serviços “religiosos”. Consciente da
distinção entre a comunidade política e comunidade religiosa, base de sã
laicidade, a Igreja não deixará de se preocupar pelo bem comum dos povos e, em
especial, pela defesa de princípios éticos não negociáveis porque estão
arraigados na natureza humana.
505. São os leigos de
nosso continente, conscientes de sua chamada à santidade em virtude de sua
vocação batismal, os que têm de atuar à maneira de um fermento na massa para
construir uma cidade temporal que esteja de acordo com o projeto de Deus. A
coerência entre fé e vida no âmbito político, econômico e social exige a
formação da consciência, que se traduz em um conhecimento da Doutrina Social da
Igreja. Para uma adequada formação na mesma, será de muita utilidade o
Compêndio da Doutrina Social da Igreja. A V Conferência se compromete a levar a
cabo uma catequese social incisiva, porque “a vida cristã não se expressa
somente nas virtudes pessoais, mas também nas virtudes sociais e políticas”279.
506. O discípulo e
missionário de Cristo que trabalha nos âmbitos da política, da economia e
nos centros de decisões sofre a influência de uma cultura frequentemente
dominada pelo materialismo, pelos interesses egoístas e por uma concepção do
homem contrária à visão cristã. Por isso, é imprescindível que o discípulo se
fundamente no seguimento do Senhor que concede a ele a força necessária, não só
para não sucumbir diante das insídias do materialismo e do egoísmo, mas para
construir ao redor dele um consenso moral sobre os valores fundamentais que
tornam possível a construção de uma sociedade justa.
507. Pensemos em quão
necessário é a integridade moral nos políticos. Muitos dos países
latino-americanos e caribenhos, mas também em outros continentes vivem na
miséria, por problemas endêmicos de corrupção. Quanta disciplina de integridade
moral necessitamos, entendendo essa disciplina no sentido cristão do
auto-domínio para fazer o bem, para ser servidor da verdade e do desenvolvimento
de nossas tarefas sem nos deixar corromper por favores, interesses e vantagens.
É necessário muita força e muita perseverança para conservar a honestidade que
deve surgir de uma nova educação que rompa o círculo vicioso da corrupção que
reina absoluta. Realmente necessitamos de muito esforço para avançar na criação
de uma verdadeira riqueza moral que nos permita pré-ver nosso próprio
futuro.
508. Nós, bispos
reunidos na V Conferência, queremos acompanhar os construtores da sociedade,
visto que é a vocação fundamental da Igreja neste setor, formar as
consciências, ser advogada da justiça e da verdade e educar nas virtudes
individuais e políticas280. Queremos chamar ao sentido de responsabilidade dos
leigos para que estejam presentes na vida pública e mais concretamente “na
formação dos consensos necessários e na oposição contra a injustiça”281.
10.6 A Pastoral Urbana
509. O cristão de hoje
não se encontra mais na primeira linha da produção cultural, mas recebe sua
influência e seus impactos. As grandes cidades são laboratórios dessa cultura
contemporânea complexa e plural.
510. A cidade se
converteu no lugar próprio das novas culturas que estão sendo geradas e se
impondo, com uma nova linguagem e uma nova simbologia. Esta mentalidade urbana
se difunde também, no próprio mundo rural. Definitivamente, a cidade procura
harmonizar a necessidade de desenvolvimento com o desenvolvimento das
necessidades, fracassando frequentemente neste propósito.
511. No mundo urbano
acontecem complexas transformações sócio-econômicas, culturais, políticas e
religiosas que fazem impacto em todas as dimensões da vida. É composto de
cidades satélites e de bairros periféricos.
512. Na cidade convivem
diferentes categorias sociais tais como as elites econômicas, sociais e políticas;
a classe média com seus diferentes níveis e a grande multidão dos pobres. Nela,
coexistem binômios que a desafiam cotidianamente: tradição- modernidade;
globalidade-particularidade; inclusão-exclusão;
personalização-despersonalização; linguagem secular-linguagem religiosa;
homogeneidade-pluralidade, cultura urbana-pluri-multiculturalismo.
513. A Igreja em seu
início se formou nas grandes cidades de seu tempo e se serviu delas para se
propagar. Por isso, podemos realizar com alegria e coragem a evangelização da
cidade atual. Diante da nova realidade novas experiências se realizam na
Igreja, tais como a renovação das paróquias, setorização, novos ministérios,
novas associações, grupos, comunidades e movimentos. Mas se percebem atitudes
de medo em relação à pastoral urbana; tendência a se fechar nos métodos antigos
e de tomar uma atitude de defesa diante da nova cultura, com sentimentos de
impotência diante das grandes dificuldades das cidades.
514. A fé nos ensina que
Deus vive na cidade, em meio as suas alegrias, desejos e esperanças, com também
em meio as suas dores e sofrimentos. As sombras que marcam o cotidiano das
cidades, como exemplo, a violência, pobreza, individualismo e exclusão,
não podem nos impedir que busquemos e contemplemos a Deus da vida também nos
ambientes urbanos. As cidades são lugares de liberdade e de oportunidade.
Nelas, as pessoas tem a possibilidade de conhecer mais pessoas, interagir e
conviver com elas. Nas cidades é possível experimentar vínculos de
fraternidade, solidariedade e universalidade. Nelas, o ser humano é
constantemente chamado a caminhar sempre mais ao encontro do outro, conviver
com o diferente, aceita-lo e ser aceito por ele.
515. O projeto de Deus é
“a Cidade Santa, a nova Jerusalém”, que desce do céu, de junto a Deus, “vestida
como uma noiva que se adorna para seu esposo”, que é “a tenda que Deus instalou
entre os homens. Acampará com eles; eles serão seu povo e o próprio Deus estará
com eles. Enxugará as lágrimas de seus olhos e não haverá morte nem luto, nem
pranto, nem dor, porque tudo o que é antigo terá desaparecido” (Ap 21,2-4).
Este projeto em sua plenitude é futuro, mas já está se realizando em Jesus
Cristo, “o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim” (Ap 21,6), que nos diz “Eu faço
novas todas as coisas” (Ao 21,5).
516. A Igreja está a
serviço da realização desta Cidade Santa, através da proclamação e da vivência
da Palavra, da celebração da Liturgia, da comunhão fraterna e do serviço,
especialmente aos mais pobres e aos que mais sofrem e, dessa forma, através de
Cristo como fermento do Reino vai transformando a cidade atual.
517. Reconhecendo e
agradecendo o trabalho renovador que já se realiza em muitos centros urbanos, a
V Conferência propõe e recomenda uma nova pastoral urbana que:
a) Responda aos
grandes desafios da crescente urbanização.
b) Seja capaz de
atender às variadas e complexas categorias sociais, econômicas, políticas e
culturais: pobres, classe média e elites.
c) Desenvolva uma
espiritualidade da gratidão, da misericórdia, da solidariedade fraterna,
atitudes próprias de quem ama desinteressadamente e sem pedir recompensa.
d) Abra-se a novas
experiências, estilos e linguagens que possam encarnar o Evangelho na cidade.
e) Transforme as
paróquias cada vez mais em comunidades de comunidades.
f) Aposte mais
intensamente na experiência de comunidades ambientais, integradas em nível
supra-paroquial e diocesano.
g) Integre os
elementos próprios da vida cristã: a Palavra, a Liturgia, a comunhão fraterna e
o serviço, especialmente aos que sofrem pobreza econômica e novas formas de
pobreza.
h) Difunda a
Palavra de Deus, anuncie-a com alegria e ousadia e realize a formação dos
leigos de tal modo que possam responder as grandes perguntas e aspirações de
hoje e se inseriram nos diferentes ambientes, estruturas e centros de decisão
da vida urbana.
i) Fomente a
pastoral da acolhida aos que chegam à cidade e aos que já vivem nela, passando
de um passivo esperar a um ativo buscar e chegar aos que estão longe com novas
estratégias tais como visitas às casas, o uso dos novos meios de comunicação
social e a constante proximidade ao que constitui para cada pessoa a sua
cotidianidade.
j) Ofereça atenção
especial ao mundo do sofrimento urbano, isto é, que cuide dos caídos ao longo
do caminho e aos que se encontram nos hospitais, encarcerados, excluídos,
dependentes das drogas, habitantes das novas periferias, nas novas urbanizações
e das famílias que, desintegradas, convivem de fato.
k) Procure a
presença da Igreja, por meio de novas paróquias e capelas, comunidades cristãs
e centros de pastoral, nas novas concentrações humanas que crescem
aceleradamente nas periferias urbanas das grandes cidades devido às migrações
internas e situações de exclusão;
518. Para que os
habitantes dos centros urbanos e de suas periferias, cristãos ou não
cristãos possam encontrar em Cristo a plenitude de vida, sentimos a urgência de
que os agentes de pastoral, enquanto discípulos e missionários, esforcem-se em
desenvolver:
a) Um estilo
pastoral adequado à realidade urbana com atenção especial a linguagem, às
estruturas e práticas pastorais assim como aos horários;
b) Um plano de
pastoral orgânico e articulado que se integre a um projeto comum às paróquias,
comunidades de vida consagrada, pequenas comunidades, movimentos e instituições
que incidem na cidade, e que seu objetivo seja chegar ao conjunto da cidade.
Nos casos de grandes cidades nas quais existem várias Dioceses, faz-se
necessário um plano inter-diocesano;
c) Uma setorização
das paróquias em unidade menores que permitam a proximidade e um serviço mais
eficaz;
d) Um processo de
iniciação cristã e de formação permanente que retroalimente a fé dos discípulos
do Senhor integrando o conhecimento, o sentimento e o comportamento;
e) Serviços de
atenção, acolhida pessoal, direção espiritual e do sacramento da reconciliação,
respondendo á sociedade, ás grandes feridas psicológicas que sofrem muitos nas
cidades, levando em consideração as relações inter-pessoais;
f) Uma atenção
especializada aos leigos em suas diferentes categorias: profissionais,
empresariais e trabalhadores;
g) Processos
graduais de formação cristã com a realização de grandes eventos de multidões,
que mobilizem a cidade, que façam sentir que a cidade é um conjunto, que é um
todo, que saibam responder á afetividade de seus cidadãos e, em uma linguagem
simbólica, saibam transmitir o Evangelho a todas as pessoas que vivem na
cidade;
h) Estratégias para
chegar aos lugares fechados das cidades como grandes aglomerados de casas,
condomínios, prédios residenciais ou nas favelas;
i) Uma presença
profética que saiba levantar a voz em relação a questões de valores e
princípios do Reino de Deus, ainda que contradiga todas as opiniões, provoque
ataques e se fique só no anúncio. Isto é, que seja farol, cidades colocada no
alto para iluminar;
j) Uma maior
presença nos centros de decisão da cidade, tanto nas estruturas administrativas
como nas organizações comunitárias, profissionais e de todo tipo de associação
para velar pelo bem comum e promover os valores do Reino;
k) A formação e
acompanhamento de leigos e leigas que, influindo nos centros de opinião,
organizem-se entre si e possam ser assessores para toda a ação social;
l) Uma pastoral que
leve em consideração a beleza no anúncio da Palavra e nas diversas iniciativas,
ajudando a descobrir a plena beleza que é Deus;
m) Serviços
especiais que respondam às diferentes atividades da cidade: trabalho, descanso,
esportes, turismo, arte, etc.
n) Uma
descentralização dos serviços eclesiais de modo que sejam muito mais os agentes
de pastoral que se integrem a esta missão, levando em consideração as
categorias profissionais;
o) Uma formação
pastoral dos futuros presbíteros e agentes de pastoral capaz de responder aos
novos desafios da cultura urbana.
519. No entanto, tudo o
que foi dito anteriormente não tira a importância, de uma renovada pastoral
rural que fortaleça os habitantes do campo e seu desenvolvimento econômico e
rural, neutralizando as migrações. Deve-se anunciar a eles a Boa Nova para que
enriqueçam suas próprias culturas e as relações comunitárias e sociais.
10.7 A serviço da
unidade e da fraternidade de nossos povos
520. Na nova situação
cultural afirmamos que o projeto do Reino está presente e é possível, e por
isso aspiramos a uma América Latina e Caribe unidos, reconciliados e
integrados. Esta casa comum é habitada por uma complexa mestiçagem e uma
pluralidade étnica e cultural, “na qual o Evangelho tem se transformado (...)
no elemento chave de uma síntese dinâmica que, com cores diversas segundo as
nações, expressa de todas as formas a identidade dos povos
latino-americanos”282.
521. Os desafios que
enfrentamos hoje na América Latina e no mundo tem uma característica peculiar.
Eles não afetam a todos os nossos povos de maneira similar mas que, para ser
enfrentados, requerem uma compreensão global e uma ação conjunta. Cremos que
“um fator que pode contribuir notavelmente para superar os urgentes problemas
que hoje afetam este continente é a integração latino-americana”283.
522. Por um lado, vai-se
configurando uma realidade global que torna possível novos modos de conhecer,
aprender e se comunicar, que nos coloca em contato diário com a diversidade de
nosso mundo e cria possibilidades para uma união e solidariedade mais estreitas
em níveis regionais e em nível mundial. Por outro lado, geram-se novas formas
de empobrecimento, exclusão e injustiça. O Continente da esperança deve
conseguir sua integração sobre os fundamentos da vida, do amor e da paz.
523. Reconhecemos uma
profunda vocação à unidade no “coração” de cada homem, por terem todos a mesma
origem e Pai, por levarem em si a imagem e semelhança do próprio Deus em sua
comunhão trinitária (cf. Gn 1,26). A Igreja se reconhece nos ensinos do
Concílio Vaticano II como “sacramento de unidade do gênero humano”, consciente
da vitória pascal de Cristo, mas vivendo no mundo que está ainda sob o poder do
pecado, com sua seqüela de contradições, dominações e morte. A partir desta
leitura cristã da história, percebe-se a ambigüidade do atual processo de
globalização.
524. A Igreja de Deus na
América latina e no Caribe é sacramento de comunhão de seus povos. É morada de
seus povos; é casa dos pobres de Deus. Convoca e congrega todos em seu mistério
de comunhão, sem discriminações nem exclusões por motivo de sexo, raça,
condição social e identidade nacional. Quanto mais a Igreja reflete, vive e
comunica este dom de inaudita unidade, que encontra na comunhão trinitária sua
fonte, modelo e destino, parece mais significativo e incisivo seu operar como
sujeito de reconciliação e comunhão na vida de nossos povos. Maria Santíssima é
a presença materna indispensável e decisiva na gestação de um povo de filhos e
irmãos, de discípulos e missionários de seu Filho.
525. A dignidade de nos
reconhecer como uma família de latino-americanos e caribenhos envolve uma
experiência singular de proximidade, fraternidade e solidariedade. Não somos um
mero continente, apenas um fato geográfico com um mosaico ininteligível de
conteúdos. Muito menos somos uma soma de povos e de etnias que se justapõem.
Uma e plural, a América Latina é a casa comum, a grande pátria de irmãos e –
como afirmou S.S. João Paulo II em Santo Domingo284 – “de alguns povos a quem a
mesma geografia, a fé cristã, a língua e a cultura uniram definitivamente no
caminho da história”. É, pois, uma unidade que está muito longe de se reduzir a
uniformidade, mas que se enriquece com muitas diversidades locais, nacionais e
culturais.
526. A III Conferência
Geral do Episcopado Latino-americano já se propunha a “retomar com renovado
vigor a evangelização da cultura de nossos povos e dos diversos grupos étnicos”
para que “a fé evangélica, como base de comunhão, projete-se no sentido de
formar uma integração justa nos quadros respectivos de uma nacionalidade, de
uma grande pátria latino-americana (...)”285. A IV Conferência em Santo Domingo
voltava a propor “o permanente rejuvenescimento do ideal de nossos próceres
sobre a Pátria Grande”. A V Conferência em Aparecida expressa sua firme vontade
de prosseguir nesse compromisso.
527. Não há, certamente,
outra região que conte com tantos fatores de unidade como a América latina –
dos quais a vigência da tradição católica é o cimento fundamental de sua
construção – mas trata-se de uma unidade comprometida, porque é atravessada por
profundas dominações e contradições, e é incapaz de incorporar em si “todos os
sangues” e de superar a brecha de estridentes desigualdades e marginalizações.
Nossa pátria é grande, mas será realmente “grande” quando a for para todos, com
maior justiça. Na verdade, é uma contradição dolorosa que o Continente com o
maior número de católicos seja também o de maior iniqüidade social.
528. Nos últimos 20 anos
apreciamos os avanços significativos e promissores nos processos e sistemas de
integração de nossos países. As relações comerciais e políticas tem se intensificado.
Uma comunicação e solidariedade mais estreita entre o Brasil e os países
hispano-americanos e os caribenhos é nova. No entanto, há graves bloqueios que
travam esses processos. Uma mera integração comercial é frágil e ambígua.
Também é frágil e ambígua quando essa integração se reduz a questão de cúpulas
políticas e econômicas e não se fundamenta na vida e na participação dos povos.
Os atrasos na integração tendem a aprofundar a pobreza e as desigualdades,
enquanto as redes de narcotráfico se integram mais das fronteiras. Não obstante
que a linguagem política abunde sobre a integração, a dialética da
contraposição parece prevalecer sobre o dinamismo da solidariedade e amizade. A
unidade não se constrói pela contraposição a inimigos comuns, mas pela realização
de uma identidade comum.
10.8 A integração dos
indígenas e afro-americanos
529. Como discípulos de
Jesus Cristo, encarnado na vida de todos os povos descobrimos e reconhecemos a
partir da fé as “sementes do Verbo”286 presentes nas tradições e culturas dos
povos indígenas da América Latina. Deles valorizamos seu profundo apreço
comunitário pela vida, presente em toda a criação, na existência cotidiana e na
milenária experiência religiosa, que dinamiza suas culturas, e que chega a sua
plenitude na revelação do verdadeiro rosto de Deus por Jesus Cristo.
530. Como discípulos e
missionários a serviço da vida, , acompanhamos os povos indígenas e originários
no fortalecimento de suas identidades e organizações próprias, na defesa do
território e em uma educação intercultural bilíngüe e na defesa de seus
direitos. Comprometemo-nos também a criar consciência na sociedade a respeito
da realidade indígena e seus valores, através dos meios de comunicação social e
outros espaços de opinião. A partir dos princípios do Evangelho, apoiamos
a denúncia de atitudes contrárias à vida plena em nossos povos de origem e nos
comprometemos a prosseguir na obra de evangelização dos indígenas, assim como a
procurar as aprendizagens educativas e de trabalho com as transformações
culturais que isso implica.
531. A Igreja está
atenta diante das tentativas de desarraigar a fé católica das comunidades
indígenas; com isso elas ficariam em situação de falta de defesa e de confusão
frente aos embates das ideologias e de alguns grupos alienantes, e isso
atentaria contra o bem das mesmas comunidades.
532. O seguimento de
Jesus no Continente passa também pelo reconhecimento dos afro-americanos como
um desafio que nos desafia para viver o verdadeiro amor a Deus e ao próximo.
Ser discípulos e missionários significa assumir a atitude de compaixão e
cuidado do Pai, que se manifesta na ação libertadora de Jesus. “A Igreja
defende os autênticos valores culturais de todos os povos, especialmente dos
oprimidos, indefesos e marginalizados, diante da força dominadora das
estruturas de pecado manifestas na sociedade moderna”287. Conhecer os valores
culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo
fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora
da Igreja. Acompanha-nos nele o testemunho de São Pedro Claver.
533. Por isto, a Igreja
denuncia a prática da discriminação e do racismo em suas diferentes
expressões, pois ofende no mais profundo a dignidade humana criada a “imagem e
semelhança de Deus”. Preocupa-nos que poucos afro-americanos cheguem à educação
superior, sem a qual se torna mais difícil seu acesso às esferas de decisão na
sociedade. Em sua missão de advogada da justiça e dos pobres a Igreja se faz
solidária aos afro-americanos nas reivindicações pela defesa de seus
territórios, na afirmação de seus direitos, na cidadania, nos projetos próprios
de desenvolvimento e consciência de negritude. A Igreja apóia o diálogo
entre cultura negra e fé cristã e suas lutas pela justiça social, e incentiva a
participação ativa dos afro-americanos nas ações pastorais de nossas Igrejas e
do CELAM. A Igreja com sua pregação, vida sacramental e pastoral precisará
ajudar para que as feridas culturais injustamente sofridas na história dos
afro-americanos, não absorvam, nem paralisem a partir do seu interior, o
dinamismo de sua personalidade humana, de sua identidade étnica, de sua memória
cultural, de seu desenvolvimento social nos novos cenários que se apresentam.
10.9 Caminhos de
reconciliação e solidariedade
534. A Igreja precisa
animar cada povo a transformar sua pátria numa casa de irmãos onde todos tenham
uma casa para viver e conviver com dignidade. Essa vocação requer a
alegria de querer ser e fazer uma nação, um projeto histórico sugestivo de vida
em comum. A Igreja precisa educar e conduzir cada vez mais à reconciliação com
Deus e com os irmãos. Precisa somar e não dividir. Importa cicatrizar as
feridas, evitar maniqueísmos, perigosas exasperações e polarizações. Os
dinamismos de integração digna, justa e eqüitativa no interior de cada um dos
países favorece a integração regional e, ao mesmo tempo, é incentivada por ela.
535. É necessário educar
e favorecer nossos povos em todos os gestos, obras e caminhos de reconciliação
e de amizade social, de cooperação e de integração. A comunhão alcançada no
sangue reconciliador de Cristo nos dá a força para sermos construtores de
pontes, anunciadores da verdade, bálsamos para as feridas. A
reconciliação está no coração da vida cristã. Ela é iniciativa própria de Deus
em busca de nossa amizade, que comporta consigo a necessária reconciliação com
o irmão. Trata-se de uma reconciliação da qual necessitamos nos diversos
âmbitos e em todos e entre todos os países. Esta reconciliação fraterna
pressupõe a reconciliação com Deus, fonte única de graça e de perdão, que
alcança sua expressão e realização no sacramento da penitência que Deus nos
concede através da Igreja.
536. No coração e na
vida de nossos povos pulsa um forte sentido de esperança, não obstante as
condições de vida que parecem ofuscar toda esperança. Ela se experimenta e se
alimenta no presente, graças aos dons e sinais de vida nova que se compartilha;
compromete-se na construção de um futuro de maior dignidade e justiça e aspira
“os novos céus e nova terra” que Deus nos prometeu em sua morada eterna.
537. A América Latina e
o Caribe não devem ser só o Continente da esperança. Além disso, devem também
abrir caminhos para a civilização do amor. Assim se expressou o Papa Bento XVI
no santuário mariano de Aparecida288: para que nossa casa comum seja um
continente da esperança, do amor, da vida e da paz há que se ir, como bons
samaritanos ao encontro das necessidades dos pobres e dos que sofrem e criar
“as estruturas justas que são uma condição sem a qual não é possível uma ordem
justa na sociedade...” Estas estruturas, continua o Papa, “não nascem nem
funcionam sem um consenso moral da sociedade sobre os valores fundamentais e
sobre a necessidade de viver estes valores com as necessárias renúncias,
inclusive contra o interesse pessoal”, e “onde Deus está ausente (...) estes
valores não se mostram com toda sua força nem se produz um consenso sobre
eles”289. Essas estruturas justas nascem e funcionam quando a sociedade percebe
que o homem e a mulher, criados a imagem e semelhança de Deus, possuem uma
dignidade inviolável, a serviço da qual terão de conceber e atuar os valores
fundamentais que regem a convivência humana. Este consenso moral e mudança de
estruturas importam para diminuir a dolorosa iniqüidade que hoje existe em
nosso continente, entre outras coisas através de políticas públicas e gastos
sociais bem orientados, assim como do controle de lucros desproporcionais de
grandes empresas. A Igreja estimula e propicia o exercício de uma “imaginação
da caridade” que permita soluções eficazes.
538. Todas as autênticas
transformações se forjam no coração das pessoas e se irradiam em todas as
dimensões de sua existência e convivência. Não há novas estruturas se não há
homens novos e mulheres novas que mobilizem e façam convergir nos povos ideais
e poderosas energias morais e religiosas. Formando discípulos e missionários, a
Igreja dá resposta a esta exigência.
539. A Igreja estimula e
favorece a reconstrução da pessoa e de seus vínculos de pertencimento e
convivência, a partir de um dinamismo de amizade, gratuidade e comunhão. Deste
modo, neutralizam-se os processos de desintegração e atomização sociais. Para
isso, é necessário aplicar o princípio da subsidiariedade em todos os níveis e
estruturas da organização social. Na verdade, o Estado e o mercado não
satisfazem nem podem satisfazer todas as necessidades humanas. Cabe, portanto,
apreciar e estimular os voluntariados sociais, as diversas formas de livre
auto-organização e participação populares e as obras de caridade, educativas,
hospitalares, de cooperação no trabalho e outras promovidas pela Igreja, que
respondem adequadamente a estas necessidades.
540. Os discípulos e
missionários de Cristo promovem uma cultura do compartilhar em todos os níveis,
em contraposição à cultura dominante de acumulação egoísta, assumindo com
seriedade a virtude da pobreza como estilo de vida sóbrio para ir ao encontro e
ajudar as necessidades dos irmãos que vivem na indigência.
541. Compete também à
Igreja colaborar na consolidação das frágeis democracias, no positivo processo
de democratização na América latina e no Caribe, ainda que existam atualmente
graves desafios e ameaças de desvios autoritários. Urge educar para a paz, dar
seriedade e credibilidade à continuidade de nossas instituições civis, defender
e promover os direitos humanos, proteger em especial a liberdade religiosa e
cooperar para despertar os maiores consensos nacionais.
542. A paz é um bem
valioso, mas precário que todos devemos cuidar, educar e promover em nosso
continente. Como sabemos, a paz não se reduz à ausência de guerras, nem à
exclusão de armas nucleares em nosso espaço comum. Estas são conquistas já
significativas, mas devemos promover a geração de uma “cultura de paz”
que seja fruto de um desenvolvimento sustentável, eqüitativo e respeitoso da
criação (“o desenvolvimento é o novo nome da paz” dizia Paulo VI) e que nos
permita enfrentar conjuntamente os ataques do narcotráfico e do consumo de
drogas, do terrorismo e das muitas formas de violência que hoje imperam em
nossa sociedade. A Igreja, sacramento de reconciliação e de paz, deseja que os
discípulos e missionários de Cristo sejam também, ali mesmo onde se encontrem,
“construtores de paz” entre os povos e nações de nosso Continente. A Igreja é
chamada a ser uma escola permanente de verdade e de justiça, de perdão e de
reconciliação para construir uma paz autêntica.
543. Uma autêntica
evangelização de nossos povos envolve assumir plenamente a radicalidade do amor
cristão, que se concretiza no seguimento de Cristo na Cruz; no padecer por
Cristo por causa da justiça; no perdão e no amor aos inimigos. Este amor supera
o amor humano e participa no amor divino, único eixo cultural capaz de
construir uma cultura da vida. No Deus Trindade a diversidade de Pessoas
não gera violência e conflito, mas é a mesma fonte de amor e da vida. Uma
evangelização que coloca a Redenção no centro, nascida de um amor crucificado,
é capaz de purificar as estruturas da sociedade violenta e gerar novas
estruturas. A radicalidade da violência só se resolve com a radicalidade do
amor redentor. Evangelizar sobre o amor de plena doação como solução ao
conflito deve ser o eixo cultural “radical” de uma nova sociedade. Só assim o
Continente da esperança pode chegar a se tornar verdadeiramente o Continente do
amor.
544. Reafirmamos a
importância do CELAM e reconhecemos que tem sido uma instância profética para a
unidade dos povos latino-americanos e caribenhos, e tem demonstrado a
viabilidade de sua cooperação e solidariedade a partir da comunhão eclesial.
Por isso nos comprometemos a continuar fortalecendo seu serviço na colaboração
colegial dos Bispos e no caminho de realização da identidade eclesial
latino-americana e caribenha. Convidamos aos Episcopados de países envolvidos
nos diferentes sistemas de integração sub-regionais, incluídos os da bacia
Amazônica, a estreitar vínculos de reflexão e de cooperação. Também
estimulamos que continue o fortalecimento de vínculos para a relação entre o
Episcopado latino-americano e os Episcopados dos Estados Unidos e Canadá à luz
da Exortação Apostólica “Ecclesia in América”, assim como com os Episcopados
europeus.
545. Conscientes de que
a missão evangelizadora não pode seguir separada da solidariedade com os pobres
e sua promoção integral, e sabendo que existem comunidades eclesiais que
carecem dos meios necessários, é imperativo ajuda-las, imitando as primeiras
comunidades cristãs, para que, de verdade, se sintam amadas. É imperativo,
portanto, a criação de um fundo de solidariedade entre as Igrejas da América
Latina e do Caribe que esteja a serviço das iniciativas pastorais próprias.
546. Ao enfrentar tão
graves desafios nos estimulam as palavras do Santo padre: “Não há dúvida de que
as condições para estabelecer uma paz verdadeira são a restauração da justiça,
da reconciliação e do perdão. Desta conscientização, nasce a vontade de
transformar também as estruturas injustas para estabelecer o respeito da
dignidade do homem, criado à imagem e semelhança de Deus... Como tive a ocasião
de afirmar, a Igreja não tem como tarefa própria empreender uma batalha
política, no entanto, também não pode, nem deve ficar à margem da luta pela
justiça”290.
CONCLUSÃO
547. “Pareceu bem ao
Espírito Santo e a nós...” (At 15,28). A experiência da comunidade apostólica
primitiva mostra a própria natureza da Igreja enquanto mistério de comunhão com
Cristo no Espírito Santo. S.S. Bento XVI nos indicou este “método”
original em sua homilia em Aparecida. Ao concluir a V Conferência Geral do
Episcopado Latino-americana e do Caribe constatamos que isto é, pela graça de
Deus, o que temos experimentado. Em 19 jornadas de intensa oração,
intercâmbios e reflexão, dedicação e cansaço, nossa solicitude pastoral tomou
forma no documento final, que foi adquirindo cada vez maior densidade e maturidade.
O Espírito de Deus foi nos conduzindo, suave mas firmemente, para a meta.
548. Esta V Conferência,
recordando o mandato de ir e fazer discípulos (cf. Mt 28,20), deseja despertar
a Igreja na América Latina e no Caribe para um grande impulso missionário.
Não podemos deixar de aproveitar esta hora de graça. Necessitamos de um novo
Pentecostes! Necessitamos sair ao encontro das pessoas, das famílias, das
comunidades e dos povos para lhes comunicar e compartilhar o dom do encontro
com Cristo, que tem preenchido nossas vidas de “sentido”, de verdade e de amor,
de alegria e de esperança! Não podemos ficar tranqüilos em espera passiva
em nossos templos, mas é imperativo ir em todas as direções para proclamar que
o mal e a morte não tem a última palavra, que o amor é mais forte, que fomos
libertos e salvos pela vitória pascal do Senhor da história, que Ele nos
convoca na Igreja, e quer multiplicar o número de seus discípulos na construção
de seu Reino em nosso Continente! Somos testemunhas e missionários: nas grandes
cidades e nos campos, nas montanhas e florestas de nossa América, em todos os
ambientes da convivência social, nos mais diversos “lugares” da vida pública
das nações, nas situações extremas da existência, assumindo ad gentes
nossa solicitude pela missão universal da Igreja.
549. Para nos converter
em uma Igreja cheia de ímpeto e audácia evangelizadora, temos que ser de
novo evangelizados e fiéis discípulos. Conscientes de nossa responsabilidade
pelos batizados que deixaram essa graça de participação no mistério pascal e
de incorporação no Corpo de Cristo sob uma capa de indiferença e
esquecimento, é necessário cuidar do tesouro da religiosidade popular de nossos
povos para que nela resplandeça cada vez mais “a pérola preciosa” que é Jesus
Cristo e seja sempre novamente evangelizada na fé da Igreja e por sua vida
sacramental. É preciso fortalecer a fé “para encarar sérios desafios, pois
estão em jogo o desenvolvimento harmônico da sociedade e da identidade católica
de seus povos”291. Não temos de dar nada por pressuposto e descontado. Todos os
batizados são chamados a “recomeçar a partir de Cristo”, a reconhecer e seguir
sua Presença com a mesma realidade e novidade, o mesmo poder de afeto,
persuasão e esperança, que teve seu encontro com os primeiros discípulos nas
margens do Jordão, há 2000 anos, e com os “João Diego” do Novo Mundo. Só graças
a esse encontro e seguimento, que se converte em familiaridade e comunhão,
transbordante de gratidão e alegria, somos resgatados de nossa consciência isolada
e saímos para comunicar a todos a vida verdadeira, a felicidade e a esperança
que nos tem sido dada a experimentar e nos alegrar.
550. É o próprio Papa
Bento XVI, quem nos convida a “uma missão evangelizadora que convoque todas as
forças vivas deste imenso rebanho” que é povo de Deus na América Latina e no
Caribe: “sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que se doam, muitas vezes
com imensas dificuldades, para a difusão da verdade evangélica”. É um afã e
anúncio missionários que precisa passar de pessoa a pessoa, de casa em casa, de
comunidade a comunidade. “Neste esforço evangelizador – prossegue o Santo padre
– a comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar,
sobretudo entre as casas das periferias urbanas e do interior, seus
missionários, leigos e religiosos, procurando dialogar com todos em espírito de
compreensão e de delicada caridade”. Essa missão evangelizadora abraça com o
amor de Deus a todos e especialmente aos pobres e aos que sofrem. Por
isso, não pode se separar da solidariedade com os necessitados e de sua
promoção humana integral: “Mas se as pessoas encontradas estão em uma situação
de pobreza – diz-nos ainda o Papa – é necessário ajuda-las, como faziam as
primeiras comunidades cristãs, praticando a solidariedade, para que se sintam
amadas de verdade. O povo pobre das periferias urbanas ou do campo necessitam
sentir a proximidade da Igreja, seja no socorro de suas necessidades mais
urgentes, como também na defesa de seus direitos e na promoção de uma sociedade
fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são os destinatários privilegiados
do Evangelho e um Bispo, modelado segundo a imagem do Bom Pastor, deve
estar particularmente atento para oferecer o divino bálsamo da fé, sem
descuidar do ‘pão material’”.
551. Esperamos que este
despertar missionário, na forma de uma Missão Continental, cujas linhas
fundamentais foram examinadas por nossa Conferência e que esperamos sejam
portadoras de sua riqueza de ensinamentos, orientações e prioridades, seja
ainda mais concretamente considerado durante a próxima Assembléia Plenária do
CELAM em Havana. Requerirá a decidida colaboração das Conferências Episcopais e
de cada diocese em particular. Procurará colocar a Igreja em estado permanente
de missão. Levemos nossos navios mar adentro, com o sopro potente do Espírito
Santo, sem medo das tormentas, seguros de que a Providência de Deus nos
proporcionará grandes surpresas.
552. Recobremos,
portanto, o “fervor espiritual”. Conservemos a doce e confortadora alegria de
evangelizar, inclusive quando é necessário semear entre lágrimas. Façamo-lo,
como João, o Batista, como Pedro e Paulo, como os demais Apóstolos, como essa
multidão de admiráveis evangelizadores que se sucederam ao longo da história da
Igreja, com um ímpeto interior que ninguém, nem nada seja capaz de extinguir.
Seja esta a maior alegria de nossas vidas entregues. E que o mundo atual – que
procura ás vezes com angústia, às vezes com esperança – possa assim receber a
Boa Nova, não através de evangelizadores tristes e desalentados, impacientes e
ansiosos, mas através de ministros do Evangelho, cuja vida irradia o fervor de
quem recebeu a alegria de Cristo e aceitam consagrar sua vida á tarefa de
anunciar o Reino de Deus e de implantar a Igreja no mundo”292. Recuperemos o valor
e a audácia apostólicos.
553. Ajude-nos a
companhia sempre próxima, cheia de compreensão e ternura de Maria Santíssima.
Que nos mostre o fruto bendito de seu ventre e nos ensine a responder como ela
fez no mistério da anunciação e encarnação. Que nos ensine a sair de nós mesmos
no caminho de sacrifício, de amor e serviço, como fez na visita a sua prima
Isabel, para que, peregrinos no caminho, cantemos as maravilhas que Deus tem
feito em nós, conforme a sua promessa.
554. Guiados por Maria,
fixamos os olhos em Jesus Cristo, autor e consumador da fé e dizemos a Ele com
o Sucessor de Pedro:
“Fica conosco, pois cai
a tarde e o dia já se declina” (Lc 24,29).
Fica conosco, Senhor,
acompanha-nos ainda que nem sempre tenhamos sabido reconhecer-te.
Fica conosco, porque ao redor de nós as mais densas sombras vão se fazendo, e Tu és a Luz; em nossos corações se insinua a falta de esperança, e tu os faz arder com a certeza da Páscoa. Estamos cansados do caminho, mas tu nos confortas na fração do pão para anunciar a nossos irmãos que na verdade tu tens ressuscitado e que nos tem dado a missão de ser testemunhas de tua ressurreição.
Fica conosco, porque ao redor de nós as mais densas sombras vão se fazendo, e Tu és a Luz; em nossos corações se insinua a falta de esperança, e tu os faz arder com a certeza da Páscoa. Estamos cansados do caminho, mas tu nos confortas na fração do pão para anunciar a nossos irmãos que na verdade tu tens ressuscitado e que nos tem dado a missão de ser testemunhas de tua ressurreição.
Fica conosco, Senhor,
quando ao redor de nossa fé católica surgem as névoas da dúvida, do cansaço ou
da dificuldade: tu, que és a própria Verdade como revelador do Pai, ilumina
nossas mentes com tua Palavra; ajuda-nos a sentir a beleza de crer em ti.
Fica em nossas famílias,
ilumina-as em suas dúvidas, sustenta-as em suas dificuldades, consola-as em
seus sofrimentos e no cansaço de cada dia, quando ao redor delas se acumulam
sombras que ameaçam sua unidade e sua natureza. Tu que és a Vida, fica em
nossos lares, para que continuem sendo ninhos onde nasça a vida humana
abundante e generosamente, onde se acolha, se ame, se respeite a vida desde a
sua concepção até seu término natural.
Fica, Senhor, com
aqueles que em nossas sociedade são os mais vulneráveis; fica com os pobres e
humildes, com os indígenas e afro-americanos, que nem sempre encontram espaços
e apoio para expressar a riqueza de sua cultura e a sabedoria de sua
identidade. Fica, Senhor, com nossas crianças e com nossos jovens, que são a
esperança e a riqueza de nosso Continente, protege-os de tantas armadilhas que
atentam contra sua inocência e contra suas legítimas esperanças. Oh bom Pastor,
fica com nossos anciãos e com nossos enfermos! Fortalece a todos em sua fé para
que sejam teus discípulos e missionários!293
ÍNDICE GERAL
INTRODUÇÃO
PRIMEIRA PARTE: A VIDA
DE NOSSOS POVOS HOJE
CAPÍTULO 1: OS
DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
1.1 Ação de graças
a Deus
1.2 A alegria de
ser discípulos e missionários de Jesus Cristo
1.3 A missão da
Igreja é evangelizar
CAPÍTULO 2: OLHAR DOS
DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS SOBRE A REALIDADE
2.1 A realidade que nos
desafia como discípulos e missionários
2.1.1 Situação sócio-cultural
2.1.2 Situação econômica
2.1.3 Situação
sócio-política
2.1.4 Biodiversidade,
ecologia, Amazônia e Antártida
2.1.5 Presença dos povos
indígenas e afro-americanos na Igreja
2.2 Situação de nossa
Igreja nesta hora histórica de desafios
SEGUNDA PARTE:
A VIDA DE JESUS CRISTO
NOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
CAPÍTULO 3: A ALEGRIA DE
SER DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS PARA ANUNCIAR O
EVANGELHO DE JESUS
CRISTO
3.1 A boa nova da
dignidade humana
3.2 A boa nova da vida
3.3 A boa nova da
família
3.4 A boa nova da atividade
humana:
3.4.1 O trabalho
3.4.2 A ciência e a tecnologia
3.5 A boa nova do
destino universal dos bens e da ecologia
3.6 O Continente da
esperança e do amor
CAPÍTULO 4: A VOCAÇÃO
DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS À SANTIDADE
4.1 Chamados para o seguimento
de Jesus Cristo
4.2 Parecidos com o
Mestre
4.3 Enviados para
anunciar o Evangelho do Reino de vida
4.4 Animados pelo
Espírito Santo
CAPÍTULO 5: A COMUNHÃO
DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS NA IGREJA
5.1 Chamados a viver em
comunhão
5.2 Lugares eclesiais
para a comunhão
5.2.1 A Diocese, lugar privilegiado da comunhão
5.2.2 A paróquia, comunidade de comunidade
5.2.3 Comunidades Eclesiais de Base e pequenas comunidades
5.2.4 As Conferências Episcopais e a comunhão entre as Igrejas
5.3 Discípulos
missionários com vocações específicas
5.3.1 Os bispos, discípulos missionários de Jesus, Sumo Sacerdote
5.3.2 Os presbíteros, discípulos missionários de Jesus, Bom Pastor
5.3.2.1 Identidade e missão dos presbíteros
5.3.2.2 Os párocos, animadores de uma comunidade de discípulos missionários
5.3.3 Os diáconos permanente, discípulos missionários de Jesus Servidor
5.3.4 Os fiéis leigos e leigas, discípulos missionários de Jesus, Luz do mundo
5.3.5 Os consagrados e consagradas, discípulos missionários de Jesus,
Testemunha do Pai
5.4 Aqueles que tem
deixado a Igreja para se unir a outros grupos religiosos
5.5 Diálogo ecumênico e
interreligioso
5.5.1
Diálogo ecumênico para que o mundo creia
5.5.2
Relação com o judaísmo e diálogo interreligioso
CAPÍTULO 6: O CAMINHO DE
FORMAÇÃO DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
6.1 Uma
espiritualidade trinitária do encontro com Jesus Cristo
6.1.1 O encontro com
Jesus Cristo
6.1.2 Lugares de
encontro com Jesus Cristo
6.1.3 A piedade popular
como espaço de encontro com Jesus Cristo
6.1.4 Maria, discípula e
missionária
6.1.5 Os apóstolos e os santos
6.2 O processo de
formação dos discípulos missionários
6.2.1 Aspectos do
processo
6.2.2 Critérios
gerais
6.2.2.1 Uma
formação integral, kerygmática e permanente
6.2.2.2 Uma
formação atenta a dimensões diversas
6.2.2.3 Uma
formação respeitosa dos processos
6.2.2.4 Uma
formação que contempla o acompanhamento dos discípulos
6.2.2.5 Uma
formação na espiritualidade da ação missionária
6.3 Iniciação à vida cristã e á catequese permanente
6.4 6.3.1 Iniciação à vida cristã
6.5 6.3.2 Propostas para a iniciação cristã
6.6 6.3.3 catequese permanente
6.7 6.4 Lugares de formação para os discípulos
missionários
6.8 6.4.1 A Família, primeira escola da fé
6.9 6.4.2 As Paróquias
6.10 6.4.3
Pequenas comunidades eclesiais
6.11 6.4.4
Os Movimentos eclesiais e as Novas comunidades
6.12 6.4.5
Os Seminários e as Casas de formação religiosa
6.13 6.4.6
A Educação Católica
6.14 6.4.6.1
Os centros educativos católicos
6.15 6.4.6.2
As universidades e centros superiores de educação católica
TERCEIRA PARTE
A VIDA DE JESUS CRISTO
PARA NOSSOS POVOS
CAPÍTULO 7: A MISSÃO DOS
DISCÍPULOS A SERVIÇO DA VIDA PLENA
7.1 Viver e
comunicar a vida nova em Cristo a nossos povos
7.1.1 Jesus a serviço da
vida
7.1.2 Várias dimensões
da vida em Cristo
7.1.3 A serviço de uma
vida plena para todos
7.1.4 Uma missão para
comunicar vida
7.2 Conversão
pastoral e renovação missionária das comunidades
7.3 Nosso
compromisso com a missão ad gentes
CAPÍTULO 8: REINO DE
DEUS E PROMOÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA
8.1 Reino de Deus,
justiça social e caridade cristã
8.2 A dignidade
humana
8.3 A opção
preferencial pelos pobres e excluídos
8.4 Uma renovada
pastoral social para a promoção humana integral
8.5 Globalização da
solidariedade e justiça internacional
8.6 Rostos
sofredores que causam dor em nós
8.6.1 Pessoas que vivem
na rua das grandes cidades
8.6.2 Migrantes
8.6.3 Enfermos
8.6.4 Dependentes de
drogas
8.6.5 Detidos em prisões
CAPÍTULO 9: FAMÍLIAS, PESSOAS E VIDA
9.1 O matrimônio e
a família
9.2 As crianças
9.3 Os adolescentes
e jovens
9.4 O bem estar dos
idosos
9.5 A dignidade e
participação das mulheres
9.6 A
responsabilidade do homem e pai de família
9.7 9.7 A cultura
da vida e sua defesa
9.8 9.8 O cuidado
com o meio ambiente
CAPÍTULO 10: NOSSOS
POVOS E A CULTURA
10.1 A cultura e
sua evangelização
10.2 A educação
como bem público
10.3 Pastoral da
Comunicação Social
10.4 Novos lugares
e centros de decisão
10.5 Discípulos e
missionários na vida pública
10.6 A Pastoral
Urbana
10.7 A serviço da
unidade e da fraternidade de nossos povos
10.8 A integração
dos indígenas e afro-americanos
10.9 Caminhos de
reconciliação e de solidariedade
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